Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 12
Capítulo 12




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Ei parou de respirar. O aposento girou diante de seus olhos e ela perdeu as forças. Seus dedos dormentes largaram as roupas de Tadayoshi e os joelhos dela cederam.

O espadachim a pegou pelo braço antes que caísse no chão. As pernas dela não conseguiam suportar o peso, mas ele a manteve de pé.

— Respire.

Ei mal escutou, mas fez como ordenada, se forçando a respirar tão rápido que quase desmaiou de novo. Quando o aposento parou de girar, ela levantou a cabeça com dificuldades e olhou nos olhos dele.

— Porque…? — apesar de machucar sua garganta, ela conseguiu perguntar numa voz rouca.

Tadayoshi a encarou de volta por um longo tempo com uma expressão vazia. Então, pela primeira vez, ele desviou o olhar. Ei se forçou a manter os olhos nele. Mesmo sem virar a cabeça, ela conseguia dizer que o espadachim estava observando os cadáveres.

— Tentei evitar mas… acabou desse jeito — ele disse, virando de volta para ela sem mudar a expressão.

Ei nunca tinha visto os olhos dele tão frios; não tinha nada do calor que a confortou tantas vezes. dessa vez ele desviou o olhar, mas com um suspiro, Tadayoshi virou de volta para ela. Mas quando ele agachou para que suas cabeças ficasse na mesma altura, tinha uma luz estranha naquelas pupilas escuras.

— Me escute, Ei. Esse é o meu mundo, o mundo que você escolheu. Você vai ficar diante da mesma situação muitas vezes, então se lembre disso. “Alguns vivem e alguns morrem no caminho da espada”.

As palavras ecoaram na mente da garota por um longo tempo. Ela abriu e fechou a boca várias vezes, mas quando percebeu que não tinha ideia do que dizer, do que pensar, ela apenas ficou parada diante do olhar severo de Tadayoshi, sem saber quanto tempo passara.

Com uma mão firme, mas gentil nas costas de Ei, Tadayoshi levou a garota para o fundo da cozinha. As pernas dela estavam rígidas e ela tropeçou algumas vezes no curto caminho, mas ele sempre a segurou. Quando chegaram no canto, ele sacou a espada e girou para cima, cortando o teto de madeira com um único corte.

Mesmo com sua mente ainda dormente, Ei levantou a cabeça por reflexo, seus olhos parando no que Tadayoshi queria mostrar para ela. Demorou um momento, mas quando a garota percebeu o que era, ela arregalou os olhos, caiu de joelhos, vomitou e perdeu a consciência.

Quando voltou a si, Ei estava de volta na sala principal, deitada na mesa o mais longe que podia de Cicatriz. Ela sentou e lentamente levantou os olhos, encarando o teto, imaginando o que poderia estar atrás da madeira. Seu corpo tremeu na hora e Ei abraçou as pernas e colocou a testa nos joelhos, tentando de tudo para empurrar as imagens para longe de sua mente.

Mas era impossível. Não importava o quão sua cabeça latejava, ela não conseguia parar de ver as imagens doentias de novo e de novo. A visão de pernas, braços e mãos humanas penduradas em ganchos tinham queimado em seus olhos.

Ei se sentiu doente mais uma vez, mas seu estômago estava vazio demais para vomitar de novo. Suor frio desceu pelo pescoço junto com um calafrio. Mesmo que tenha sido um olhar rápido, ela nunca esqueceria, nunca pararia de ver. Os pedaços tinham tamanhos diferentes e foram cortados em lugares diferentes, mas eram de certa forma iguais. Todos eram duros, grandes, coberto de hematomas, arranhões, cicatrizes, calos cortes e alguns faltavam dedos dos pés ou das mãos.

Ela sabia o que aquelas marcas e cicatrizes significavam. Bandidos, ladrões e assassinos… Ela encarou sua mão, fechando e abrindo o punho, sentindo os pequenos calos e bolhas que tinha na mão e nos dedos. Antes que percebesse, ela tremeu de novo e enterrou o rosto nos joelhos.

—…i… Ei…

A garota escutou Tadayoshi a chamando de algum lugar distante, mas ela não parou de tremer. Ela o escutou chegando mais perto, mas não olhou em sua direção. Ela percebeu ele sentar ao lado dela, mas não levantou a cabeça. Ela sentiu seu toque frio no ombro dela, mas não reagiu.

Tadayoshi sentou ao lado dela por um longo tempo sem dizer nada, esperando que o tremor dela parar.

— Beba isso — ele disse quando ela finalmente levantou a cabeça.

Ei olhou por um tempo até perceber que era um copo d’água.

— Não estou com sede — ela mentiu com uma voz rouca e seca.

—      Eu não perguntei. — Ele manteve a expressão firme.

Abaixando os olhos, Ei trouxe o copo até seus lábios. As primeiras gotas eram um alívio à sua garganta seca e ela não conseguiu mais aguentar a sede, bebendo o resto do copo um gole. Antes que ela terminasse, Tadayoshi pegou um balde de madeira cheio com água do poço e colocou na mesa. Ei jogou o copo de lado e virou o balde na boca, engasgando e derramando água sobre si.

— Acho que eles veem aquilo isso por um tempo, julgando pelas coisas que encontrei — ele disse quando ela colocou o balde na mesa com um baque pesado, a respiração dela pesada. — Escolhendo apenas aqueles que fariam um favor ao mundo desaparecendo.

Contra sua vontade, as imagens da dona e dos gêmeos sorridentes encheram sua cabeça. Então mudou para os pedaços humanos pendurados no vão entre os andares. Ei lutou contra outra vontade de vomitar.

— Porque…? — ela perguntou numa voz débil, sem forças suficientes para levantar a cabeça e olhar para ele.

— Enquanto você conversava com os gêmeos, a dona me contou um pouco sobre eles. Ela disse que bandidos mataram seu marido, filho, nora e neta alguns anos atrás. Os gêmeos conseguiram matar eles de alguma forma. Acredito que depois disso eles começaram a fazer… aquilo com bandidos.

Ei tremeu e ficou calada, esperando Tadayoshi continuar. Mas quando ele disse nada, ela levantou a cabeça um pouco. O espadachim encarava o nada, seus olhos vazios enquanto esfregava as mãos.

Como se despertasse, ele balançou a cabeça e passou a mão pelos cabelos pretos.

— Noite passada, ladrões apareceram no meio da madrugada e roubaram tudo que eles tinham. A dona e os gêmeos ficaram desesperados, tanto que tiveram que visar até mesmo pessoas como nós. Você não percebeu, mas a senhora ficou fazendo muitas perguntas sobre a gente. De onde éramos, se tínhamos família na cidade ou alguém nos esperando…

Os gêmeos fizeram a mesma coisa comigo… e eu falei tudo pra eles, ela percebeu com um aperto no coração. Tadayoshi ficou em silêncio e então soltou uma risada. Não a sua normal, cheia de alegria. Mas uma vazia e fria que fez Ei tremer.

— Que tipo de destino é esse? Se tivéssemos chegado ontem, nada disso teria que ter acontecido…

— Destino? — Dessa vez foi Ei que soltou a risada vazia. — Se existe isso, é nada além de uma brincadeira cruel dos deuses.

— Os deuses… gostaria de colocar a culpa neles. — Ele virou para ela com uma expressão vazia. Não… não é… vazia… Tem algo… Ela tentou descobrir, mas pensar fazia sua cabeça doer. — Depois que você foi drogada, tentei fingir que não tinha nada errado, que você tava apenas cansada e desmaiou. Mas o gêmeo com a cicatriz, ele… quando percebeu que eu não tinha tocado na bebida, ele me atacou com uma espada curta. Antes que eu percebesse, eu tinha matado ele. O outro veio também… então a senhora… — ele divagou, deixando a frase no ar.

Ei sentiu a sala ficar mais em silêncio. Mesmo que Tadayoshi não dissesse, ela conseguia descobrir o que acontecera. Depois de ver a única família que restara morta, a dona tirou sua própria vida. Uma brincadeira cruel dos deuses mesmo, ela pensou. Para sua surpresa, Ei não se sentia doente ao imaginar a cena. Na verdade, ela sentia nada. Um dia… só um dia… Se Tadayoshi tivesse aparecido na minha vila um dia depois, eu não estaria mais aqui também…

— Não vou julgar eles nem ninguém. Não vou dizer se eles eram pessoas boas ou ruins que mereciam morrer. Cabe a você decidir isso por si. Eles tem sangue nas mãos, como eu. Desespero pode distorcer uma pessoa e forçá-las a fazer coisas terríveis. Vou dizer de novo, Eiko. Eu não posso julgar ninguém, mas também não vou dar minha vida por ninguém. Não lamentarei as mortes deles. Era nós ou eles.

Ele a deixou sentada no banco. Ei descansou a cabeça na parede, se concentrando em sua respiração enquanto a dormência desaparecia lentamente. Depois de um tempo, Tadayoshi a entregou um balde cheio d’água e um pedaço de pano. Ela aceitou por reflexo, mas então olhou entre os objetos e o rosto dele, tentando entender o que ele queria.

Só quando ele indicou a água com os olhos ela olhou, e finalmente viu, pela primeira vez naquela manhã, seu estado.

Com um leve resquício do Tadayoshi que ela estava acostumada, o espadachim suspirou e apontou para o balde. Ainda sem entender, ela olhou para a água, vendo seu reflexo. Essa sou… eu? Ela mal acreditou enquanto via seu próprio estado.

Sua aparência refletia com ela se sentia; horrível. Seus olhos pareciam mortos e vazios, seu rosto pálido, quase doentio, seu cabelo mais bagunçado que o normal e sua bochecha coberta de sangue de detrás da orelha até o queixo.

Ei assistiu seu reflexo tocar o rosto, sentindo tanto o sangue seco e o pegajoso com as pontas dos dedos. De repente ela apertou o pano com força, mergulhou na água e esfregou em sua bochecha. De novo e de novo. Mesmo quando o rosto estava limpo, ela não parou. Tadayoshi andava pela pousada, mas ela não prestou atenção nele, concentrada demais em limpar seu rosto. Ela apenas parou quando o espadachim agarrou o pulso dela.

Ela tentou se livrar dele por um instante, mas desistiu. Com esforço, Ei abriu seus dedos rígidos e deixou o pano cair no chão. Ela olhou para a água, agora tingida de vermelho. O rosto dela estava limpo do sangue, mas não voltara a sua cor normal. Tinha uma grande mancha vermelha em sua bochecha e quando ela tocou, estava quente.

Tadayoshi ofereceu um copo d’água com a mão livre.

No momento em que os lábios dela tocaram o copo, Ei sentiu a garganta seca de novo e bebeu tudo num gole. Antes que ela pedisse por mais, Tadayoshi deu outro balde cheio d’água. Ela encheu e bebeu o copo até estar cheia e não conseguia mais beber. Jogando o copo fora, ela limpou a umidade da boca com as costas da mão.

Ei pegou o balde com as duas mãos e virou a água que restava sobre a cabeça. Enquanto a água gelada ensopava seus cabelos e suas roupas, ela inspirava e expirava lentamente, sentindo sua fadiga sendo lavada embora. Ela jogou o balde de lado e passou as duas mãos no rosto e cabelos.

Uma brisa gelada veio da janela. Ei fechou o punho para aguentar o tremor. Funcionou, mas apenas por um instante. Com as roupas encharcadas e grudando ao seu corpo, ela sentiu outra brisa gelada. A garota estremeceu, e não importava se ela apertasse sua mão com tanta força que perdia a cor, o tremor não parou.

Tadayoshi agarrou a mão dela. Ei sentiu o calor de seu toque, mas não olhou na sua direção. Ele apertou com mais força então ela lentamente levantou a cabeça, encarando nos olhos dele, tentando ver o que mais existia por trás deles. Tinha algo lá, algo que a assustava. Mas aqueles olhos ainda pertenciam ao homem que ela confiava.

— Melhor sentar — ele disse numa voz baixa mas forte.

Ei concordou agradecida; suas pernas não estavam fortes o suficiente ainda. Ela observou Tadayoshi coletar qualquer objeto útil que encontrava. Logo ele tinha uma pilha de roupas, dinheiro e armas em um dos bancos perto da entrada. A pilha só crescia, mas ela não conseguia mais observar e fechou os olhos. Aquela pilha apenas a lembrava de que a gentileza e sorrisos eram falsos.

Mas tinha uma coisa que fechar seus olhos não ajudavam. Não importava o quão longe ela sentasse, era impossível ignorar o fraco cheiro de sangue e morte enchendo a sala. Ela limpou a mente e tentou não pensar na origem, mas o fedor apenas ficou mais forte. Com um suspiro de derrota, ela abriu os olhos e olhou na direção do jovem morto em cima da mesa do outro lado da sala.

Quando Ei acordou, aqueles olhos pareciam tão vazios quando o rosto para ela, mas de longe tinha algo diferente. Ele parece um pouco surpreso… será que foi porque descobriu que Tadayoshi sabia sobre as drogas? Ela continuou encarando, tentando conseguir a resposta que sabia que nunca conseguiria. É tão diferente da mamãe… Apesar de toda a dor, ela morreu protegendo sua filha e deixou esse mundo aliviada por saber que Ei estava viva.

Sentindo as lágrimas, ela desviou o olhar para longe do morto e seus olhos acabaram na espada ao lado dela. Tadayoshi, Ei percebeu ao estender a mão para a arma. Mas na metade do caminho seus dedos tremeram e ela puxou o braço de volta, segurando a mão com a outra contra o peito. Vou ser capaz de segurar, de sacar uma espada de novo? Vou ser capaz de usar contra alguém? De tirar uma vida? Ei não sabia e estava com medo de saber. Ela se sentia fria e vazia, como seu entusiasmo nunca existira.

Com um baque pesado, Tadayoshi jogou a pilha de objetos úteis numa bolsa que encontrara e amarrou as espadas nela. Ele andou até ela, pegou a wakizashi mas não amarrou com as outras. Ele a segurou nas mãos, encarando Ei em completo silêncio com aqueles olhos escuros que pareciam olhar dentro da alma dela.

Ei o encarou de volta, tentando mais uma vez ver o que tinha por trás daqueles olhos. E ela finalmente percebeu o que era. Apesar da garota confiar naqueles olhos, ele conseguia ver algo afiado e perigoso. Uma espada… Para sobreviver, Tadayoshi usaria essa espada sem hesitar. Ele vivia em sangue e morte e aquilo mandou um calafrio através da alma dela.

É isso que eu quero me tornar?

As imagens do que aconteceu enquanto ela estava inconsciente inundaram seus olhos, cada visão cortando sua mente como uma lâmina. A sala girou e Ei se sentiu doente de novo. É esse o mundo que eu quero viver?

Não…não… Sua mente latejava tanto que doía, mas ela nunca esqueceria seu desejo. O que ela queria era ser forte, para nunca mais se sentir fraca e desamparada de novo, para proteger as pessoas. Sim… para proteger… Ei reviveu o momento onde ela gritou para todos que conhecia, para todo seu mundo; eu quero ser forte! Lentamente a sala se acalmou e ela olhou para Tadayoshi de novo.

Sem mostrar qualquer resquício de emoção, o espadachim colocou algumas roupas na mesa e saiu da pousada, o noren pendurado na entrada balançando atrás dele.

Ei olhou para suas próprias roupas, encharcadas com água e sujas com sangue e vômito. Não tem como eu viajar desse jeito. Com uma sensação de afundamento, ela percebeu o que as roupas de Tadayoshi queria dizer. Cabe a mim. Se ela quisesse, ela poderia ficar com suas roupas e voltar para a vila. Todos ficariam felizes, ela pensou com um sorriso. A garota desfrutou a ideia de ver Dai-jii, Sumire e todos os outros por um momento. Mas com um balançar da cabeça, os rostos deles desapareceram.

Juntando as forças, Ei se forçou a levantar. Mesmo que suas pernas ainda tremessem, ela estava em pé sozinha. Sem hesitar, ela despiu, jogou as roupas velhas de lado e colocou as novas.

Cada passo que dava precisava de sua atenção, mas ela foi atrás de Tadayoshi. Não importava as imagens em sua cabeça, ou o medo espreitando no fundo de sua mente. No fim, ele ainda era o homem que ela confiava. A única diferença agora era que ela conhecia outra parte dele, uma que sobreviveria a qualquer custo.

Tadayoshi estava alguns passos fora da pousada, encarando as planícies com as costas para a entrada. Quando a escutou, ele segurou a espada dela de lado em silêncio sem virar a cabeça.

Ela andou até ficar alguns passos atrás dele e aceitou a arma. Ei encarou a arma dela por um momento antes de colocar na sua cintura, sem falar ou olhar para Tadayoshi. Não havia necessidades de palavras. Não mais.


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