Abri os olhos lentamente fingindo estar tudo bem. O vento soprava lenta e calmamente em meu rosto do alto do prédio onde eu acostumei me sentar quando queria pensar. Pensar sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo, pensar em como eu pude me apaixonar por alguém que nunca iria se lembrar do meu nome, mesmo que eu andasse com uma placa neon fluorescente na testa.

                A brisa leve de inverno que carregava os pequenos flocos de neve batia suavemente em meu rosto e carregava minha franja pelas pontas até cobrir completamente meu olho esquerdo. Passei tanto tempo me questionando sobre o que seria amor, sobre o que seria me apaixonar e como deveria ser bom me apaixonar como minhas amigas pelo garoto dos sonhos... Meses após todos esses pensamentos eu me apaixono e dois anos mais tarde aqui estou eu. Sentado no parapeito de um edifício de 20 andares com as pernas penduradas e sentindo a neve cair por cima de mim, dando um tom branco a minha roupa completamente negra no meio da noite mais estrelada.

                Aos 18 anos sou alcoólatra, mas hoje eu estava mais sóbrio e lúcido que nunca. Decidi jogar todos os meus pensamentos, sentimentos e emoções para a “puta que o pariu” e decidi fazer a coisa mais certa no momento. Meus pais não me suportam mais, Alex não imagina a minha existência, então, nem mesmo que meus amigos aparecessem aqui me impediriam de deixar minha vida de lado para tentar algo novo.

                Coloquei-me de pé no beiral do prédio e fiquei ali me equilibrando por alguns segundos. Uma mulher do prédio vizinho colocou o feixe de luz de uma lanterna no meu rosto e eu sorri simpaticamente para a senhora, que devia ter uns 75 anos, que me olhou assustada. Como se eu fosse um fantasma.

                Tudo bem, eu confesso não é todo dia que se vê um garoto alto, com um cabelo preto milimetricamente bagunçado e com um piercing no nariz equilibrando-se no beiral de um prédio como se fosse se jogar. É, eu havia virado um fantasma pra ela.

                Cinco minutos mais tarde a policia aparece. Um helicóptero, diversas viaturas, tudo que for possível para TENTAR me convencer de voltar a salvo. Tarde de mais, a minha esperança já morreu.

                O helicóptero focou uma forte luz em meu olho, fazendo-me franzir o olhar e um feixe de luz ser refletido ali embaixo por causa do meu piercing. Dei uma olhada para baixo, vendo os curiosos que estavam ali. Nenhum conhecido até visualizar um ser humano que parou ali por perto também para ver. O garoto que estava la embaixo parou para falar com um senhor que estava ali e quando terminou driblou policiais, cones, bombeiros, paramédicos, faixas de segurança e tudo que havia na frente para entrar no prédio.

                Uma atitude incompreensível, até mesmo porque eu acho que não conheço o garoto de cabelos também negros que correu para dentro do prédio. Até eu ouvir uma voz.

                -- DEREK! – exclamou a voz – Derek o que é que você está fazendo?! Desde quando você é um suicida?

                -- Quem é? – perguntei atropelando as palavras, com medo de virar para saber quem era

                -- Vire-se – a voz disse, comecei a reconhecer a voz, mas isso me deu mais medo de virar

                -- Não! – exclamei escorregando os pés um pouco mais para frente quando me seguraram por trás

                -- Por que Derek?! Por que é que você decidiu se jogar? Por que justo agora? – perguntou a voz chorosa me abraçando por trás, sendo suficientemente necessária para que meu olhar encontrasse a cabeça encostada em minhas costas – Por que você tem que fazer isso? Não pode aguentar um pouco mais para nós ficarmos juntos?

                -- Alex? – foi tudo isso que consegui murmurar naquela situação – É você Alex?

                -- Claro que sou eu seu desgraçado! – ele exclamou com o rosto em minha coluna

                -- O que faz aqui?

                -- Não pode pular. Você não pode pular! – ele exclamou mais uma vez, sua voz transparecia o pânico e o... medo – Seu estúpido! Você me irrita a vida inteira e no dia que eu decido que vou dizer o quanto eu te amo você pega e inventa de se jogar de um prédio?!

                -- Alex não. .. – murmurei

                -- Não quero saber Derek! Derek eu te amo e não há nada nesse planeta que vá fazer com que eu mude de ideia! – no exato segundo em que ele exclamou isso, soltei-me de seu abraço me virando em sua direção

                -- Alex Wolfgang Auschvietz você é um completo idiota. – ri lentamente, o abraçando – Eu torno a sua vida um inferno e você ainda consegue me amar?! Como você pode corresponder o amor de alguém que acaba com a sua vida?!

                -- Assim seu estúpido!

                Então ele me puxou para perto de si beijando-me com força e com desejo. Era quase como se ele tivesse extrema necessidade desse beijo, como se sua vida dependesse de ter os meus lábios nos dele. O ar faltou uma vez e nos distanciamos um pouco para pegar fôlego e novamente ele tomou minha boca vorazmente, esfregando seu piercing em meus lábios e usando seus longos dedos pálidos para se prender mais a mim. Quando não havia mais condições de continuar nos separamos e eu fiquei ali agachado no beiral o fitando, acariciando seu rosto enquanto ele sorria inocentemente.

                Aquele poderia ser o momento mais feliz e eterno da minha vida se não fosse pelo fato de que havia um pouco de gelo no beiral. Aquele pouco de gelo me fez escorregar enquanto eu ia descer de lá, fazendo-me cair de costas.

                Uma queda longa e até que confortável. Um grito desesperado que vinha do alto que conseguira ser mais alto que os que vinham de baixo. Uma lágrima que fugira dos meus olhos enquanto eu torcia para que aquilo acabasse rapidamente. Um estranho conforto apesar da longa queda. Um garoto que parecia mais desesperado que todos ali, o único que eu já amei.

                 Um baque surdo para mim e o breu...  

FIM.