Kayo andava pelos corredores deslizando as mãos pelas paredes, e a medida com que ele caminhava as luzes iluminavam o caminho deles logo se apagando em seguida. Ele assobiava uma música qualquer que nenhum dos outros dois conhecia, e parecia estar bastante relaxado para quem participava de uma fuga. O plano era coletar alguns mantimentos e fugir logo do complexo sete antes que se deparasse com outros Metrons, embora a prioridade dos Aurus fosse outra.

Stlevana caminhava logo atrás um tanto receosa, olhando para os lados. Ela sentia uma insegurança momentânea como se pudesse ser atacada a qualquer momento por algo que se espreitasse pela escuridão. — Nós não deveríamos estar correndo. - Ela comentou percebendo que nenhum dos dois rapazes parecia preocupado.  — Esses…. Caras tem armas e tecnologia. Na verdade, me pergunto como vamos nos abrigar se tudo aqui pertence a eles.

— Fique tranquila. Não será fácil, mas no momento acredito que os Aurus não estão tão preocupados conosco. - Dankim respondeu tranquilamente sem fitá-la. Ele permanecia olhando para frente, com o rosto alinhado apenas prestando atenção se algum inimigo não surgiria de surpresa. – Se os conheço bem devem estar evacuando o complexo para evitar mais fugas. Por isso estamos tomando o caminho dos campos de testes, eles não vão passar por aqui.

— E para onde vamos?

— Pegar algumas coisas. - Respondeu.

Apesar das palavras convictas de Dankim, que emanava uma aura confiável - e ela acreditava que ele não estaria ali se não fosse-, Stlevana não conseguia deixar de lado o receio de encontrar novamente com os Aurus. Ela observava Kayo atentamente, os cabelos albinos pareciam não oscilar mais e a medida com que avançavam ele parecia cada vez mais confiante do que estava fazendo.

— A energia dele não acaba não?

— Ele consumiu o que deveria manter esse complexo funcionando por três meses. - Naquele momento Stlevana ficou boquiaberta completamente incrédula. – Embora ele não pareça saber o que está fazendo, Kayo planejou essa fuga durante 10 anos e enganou os Aurus durante um bom tempo.

— Que ousadia. É inacreditável. Eu nunca ouvi falar de um Gemini que tinha poderes tão fortes.

— Eles fizeram vocês pensarem que não eram tão fortes. Faz parte do adestramento. - As palavras de Dankim pareciam conter certo humor negro. – Apesar disso, você está certa quando diz que nunca ouviu falar de outro Gemini assim. Kayo é um gemini perfeito que atingiu 100% de sincronização. Ele estava na última etapa dos testes.

Apesar daquela explicação parecer ter algum embasamento, nada fazia sentido. Dankim falava como se soubesse como tudo funcionava, no entanto ser um gemini não queria dizer que eles tinham consciência do que eram e de como a sincronização funcionava. Tudo o que sabiam é que durante muito tempo de suas vidas passaram por inúmeros testes e atingiram resultados inimagináveis para a humanidade. Sessões de tortura física e psicológicas, treinamentos pesados e milhares de injeções de remédios e drogas que não sabiam de onde vinham e nem para que serviam. Aquilo trazia apenas mais questionamentos e nenhuma resposta.

— Você parece saber muito sobre eles. Como isso é possível Dankim?

— No momento certo eu contarei a vocês.

Eles pararam diante de uma porta e com o dispositivo que arrancará do Metron Dankim a abriu com o auxílio da energia de Kayo. A verdade é que com os acontecimentos e o blackout, os aurus não tiveram tempo de reconfigurar o sistema, então tudo no complexo sete estava ao alcance do poder deles. E era por isso que a evacuação era tão urgente.

— Onde estamos? - Stlevana perguntou olhando para a porta, tinha certo receio de entrar e não poder mais sair, afinal não se sentiria segura até que isso ocorresse. Na verdade não tinha tanta certeza de que em algum momento sentiria.

Ela observou bem o local quando as luzes se acenderam e notou que o lugar era dividido em duas partes. De um lado tinham diversos objetos humanos dos mais variados tipos, do outro inúmeras gavetas e portas, como se houvessem coisas guardadas ali. Os rapazes se dividiram procurando coisas específicas, enquanto ela olhava atentamente todos os aqueles objetos sem saber o que fazer.

O primeiro a aparecer no campo de visão da garota foi Dankim segurando uma espécie de bolsa, de porte médio, que porém era muito diferente de qualquer bolsa humana que ela tivesse visto em toda sua vida. Era branca, e o  material parecia com plástico, embora não fosse. – Daquele lado tem mantimentos.  - Ele se referiu a uma espécie de comida, mais semelhante a uma razão que os Aurus tinham criado para os humanos. – Pegue o quanto for leve para carregar. E se desejar algum outro objeto.

Ela não tinha entendido exatamente porque deveria ser leve, mas seguiu a ordem. No começo foi difícil manusear a bolsa, já que não encontrará nenhuma abertura. Depois andou pelas prateleiras e parou diante de uma estante que chamou a atenção. Nela tinha muitos CD’s com canções e óperas famosas, alguns dispositivos de de áudio desde o ultrapassado disckman até o mais avançado mp8. Ela pegou um mp8 com um compilado de músicas e um fone de ouvidos. Nele tinha alguns pequenos vídeos e o objeto soava nostálgico. Ela caminhou por entre algumas prateleiras e deparou-se com Kayo que mantinha o cenho franzido com dúvida. Ele encarava duas roupas femininas, uma projetada pelos Aurus e um uniforme muito usado por geminis e outra um vestido da terra, mais precisamente um que Kalina costumava usar.

Ele enfiou os dois na pequena bolsa que portava e estava quase vazia. Parecia estar refletindo sobre algo, o olhar verde era perdido. Num instante ele virou-se para Stlevana que o observava e apenas sorriu.

— Você acha que ela vai gostar se eu levar um presente?  - Ele perguntou repentinamente.

— Ela quem?Desculpe. Sua irmã. Faz muito tempo que estão separados não é? Tem quase um ano que não vejo a minha.

— Começou depois do “incidente” - Ele comentou e seguiu pelo corredor para retornar a saída sendo seguido pela garota.

— Que incidente?

— Quase matamos os malditos dos Aurus. - Ele falou com naturalidade e riu. – Para quem não é humano eles me parecem muito medrosos.

Ele parou por um instante e levantou o braço focando o olhar num corredor ao lado dele. Kayo levou o dedo perto da boca e fez um sinal para que ela ficasse em silêncio, movendo-se devagar. Ele pendurou a bolsa nas costas e sacou a arma andando cautelosamente.

— Merda Dankim não apareça assim do nada. - Ele praguejou suspirando aliviado. E a garota não entendeu nada.

— Já temos tudo? - O rapaz oriental disse tranquilamente. – Vamos embora.

[...]

— Senhor Enor Stlevana não estava na cela quando os Metrons chegaram lá. - Um dos Aurus da supervisão alertou. A verdade é que 90% das instalações eram tomadas por Metrons, uma vez que a quantidade Aurus propriamente dita era pequena.

— Stlevana  é uma Gemini com 75% de sincronização igual ao Dankim. Então porque eles foram até ela? Tem algo que estamos deixando passar.

— E o que faremos senhor?

— Não temos alternativas. Na situação atual devemos evacuar, pois não da pra controlar efetivamente os Metrons sem energia. De qualquer modo, não acredito que eles consigam ir tão longe.

— Mas a fuga já está bastante avançada.

Enor chegou próximo de onde tinha um campo de força e observou o exterior da base. Ele tinha plena certeza de que os humanos não conseguiriam sair, talvez era muito provável que estivessem perdidos ou escondidos.

Enor conseguiu um comunicador portátil e logo a uma luz azul se acende revelando uma figura semelhante a ele. Era o irmão Erin responsável pelo complexo 14. – Estamos emitindo o alerta máximo. Reforce a segurança.

— O que está acontecendo Enor?

— Kayo fugiu e ainda não conseguimos contê-lo. Mantenha ela sob controle e ative a hibernação.

Erin concordou e ordenou aos outros Aurus que iniciaram os procedimentos. Kalina e Kayo para serem testados, eram mantidos acordados apenas em momentos diferentes do dia, embora o período que Kayo passasse acordado fosse muito superior ao dela. Já que ele tornara-se um experimento problemático ao longo dos anos que exigia quase sempre ser sedado a força em momentos inapropriados. Era por isso que quase todo o complexo sete fora adaptado para ele. Era por isso que Enor tinha certeza de que seria incrivelmente difícil deixar o lugar.

[...]

Os três geminis pararam diante de uma plataforma e quando Kayo olhou para baixo foi tomado por um calafrio ao constatar que todo o complexo sete era cercado por uma quantidade enorme de água. Não havia elevadores, passagens ou qualquer coisa que os levassem ao outro lado, o lugar era praticamente ilhado.

— Eu não podia prever isso. - Ele disse pensativo, porém era difícil saber uma vez que nunca fora levado para fora.

— Sabe prender a respiração? - Perguntou Dankim. – Porque o único jeito é atravessar nadando.

— Um poço de água? - Stlevana comentou abismada. – Se fosse água quente ou ácido faria sentido, mas porque eles fariam isso?

— Os Aurus querem apenas detê-lo e não matá-lo.

— Em outras palavras eles não vão me matar a menos que não tenham escolha. - Kayo deduziu. – Eu sei bem pouco sobre eles e o que querem de nós, mas sei que levaram muito tempo nos testando para obter alguma coisa. Não abriria mão disso tão fácilmente. Precisam de nós.

— Sim. Está pronto? - Dankim comentou e Kayo não entendeu.

No minuto seguinte Stlevana percebeu o rapaz de cabelos albinos levar um chute e ser jogado em direção a água. Kayo não sabia nadar e Dankim estava bem consciente disto.