À beira mar escrita por Jeniffer


Capítulo 5
Uma promessa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/708949/chapter/5

A casa de Sarah era suficientemente grande para comportar seis pessoas e se destacava na paisagem. Ela ficava à beira da praia, tão próxima do mar que pareciam ser partes de uma mesma coisa. Você só precisava sair pela porta de trás, descer uma escada curta, andar trinta e dois passos e a água já conseguiria alcançar seus pés.

— Difícil de encontrar a casa? – Sarah perguntou, ajudando-me com as malas. – Eu me perdi três vezes quando vim visitar pela primeira vez.

— Eu confiei no GPS.

— Sábia decisão.

A casa já estava mobiliada e ela disse que os donos deixam tudo pronto para receber turistas em qualquer época do ano. Casais em busca de descanso de seus filhos insolentes, escritores tentando escrever seu próximo best-seller e até grupos de adolescentes que não querem nada mais do que um final de semana sem os pais por perto. Ela me mostrou onde tudo ficava e então me levou até o quarto.

— O seu quarto é uma das suítes, então fique à vontade para descansar da viagem. A estrada até aqui é longa, não é? – ela riu, fechando a janela. – Eu vou tomar um banho e dormir. Meu turno começa cedo amanhã e eu realmente preciso descansar. Fique à vontade, Jane.

— Obrigada, Sarah. Eu realmente aprecio o que está fazendo por mim. – falei, tirando meus sapatos.

— Não precisa agradecer. – ela sorriu e então saiu do quarto, me deixando sozinha.

Fui até o banheiro e fiquei muito feliz em descobrir a banheira, que rapidamente enchi com água quente e sais de banho que encontrei no armário sobre a pia. Tirei minhas roupas e as joguei na cama, verificando no espelho os hematomas no meu pescoço, que já começavam a desaparecer. Então coloquei uma música suave para tocar em meu celular, deixando o volume baixo para não atrapalhar Sarah, e acendi um cigarro. Deitei-me na banheira e deixei a temperatura agradável da água eliminar a tensão em meus ombros por dirigir por tanto tempo, respirando devagar e me sentindo tranquila pela primeira vez em muito tempo.

Depois, deitada na cama, pensei em como era bom estar em um lugar que não me lembrava de Peter, onde nada era dele ou já fora tocado por ele. E mesmo assim, eu não conseguia dormir. No meio da madrugada, eu fui até a sacada de trás e sentei-me em uma cadeira, observando o mar. Logo em frente à casa de Sarah havia uma plataforma, quase como uma estrada, que se estendia por alguns metros sobre o mar, iluminada por luzes que ficavam no chão e criavam padrões geométricos de luz e sombra. Imaginei que pescadores utilizavam aquela plataforma para embarcar e desembarcar coisas de seus barcos, ou talvez aquela fosse a vista privilegiada de algum evento aquático. Pensei em ir lá, caminhar até o final da longa ponte e sentir como se estivesse no meio do mar, caminhando por sobre as águas.

— Merda! – ouvi Sarah dizer no corredor, junto com o som de algo caindo.

— Está tudo bem? – perguntei, quando cheguei na cozinha e vi Sarah preparando o café. Usei um roupão para esconder meu pescoço e não levantar nenhuma pergunta desnecessária.

— Está, sim.  – ela respondeu, sua voz agitada e impaciente. – Eu não estou acostumada com a casa, então vivo esbarrando nas coisas. Desculpe por acordá-la tão cedo, Jane.

— Tudo bem, eu já estava acordada. – falei, sem emoção alguma na voz.

— O que faz acordada tão cedo assim?

— Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta. – falei, olhando para o relógio na parede da sala, informando que eram 4h20 da manhã.

— Essa é fácil: vou trabalhar. Meu turno começa muito cedo hoje. – ela serviu duas xícaras de café quando a cafeteira terminou o processo. – Mas e você?

— Não consigo dormir. – confessei, disfarçando a gravidade das minhas palavras com o café.

— Desde quando?

— Desde... Peter. – me perguntei se minha voz conseguia ficar ainda mais baixa do que já estava.

— Jane, já se passaram semanas. – ela disse, sua voz um misto de preocupação amigável e interesse médico.

— Eu sei, é só... Não consigo. Minha cabeça não para, meus pensamentos estão desconexos e eu penso, penso, penso o tempo todo. – escondi meu rosto em minhas mãos, suspirando de maneira cansada.

­— Você não dorme há muito, é normal que sua cabeça esteja confusa. – olhei para Sarah, enquanto ela ponderava sobre algum dilema interno que parecia ser capaz de destruir um país. – Talvez eu possa te ajudar com isso.

— Como assim? – ela revirou a bolsa, encontrando uma cartela com comprimidos brancos, que mais pareciam aspirinas comuns encontradas em qualquer farmácia.

— Eu posso te dar uns destes, mas só se você prometer manter isso em segredo. – ela deixou a cartela sobre a mesa, exatamente no meio do caminho entre nós duas, como se eu fosse Neo e ela Morpheus.

— O que é isso? – questionei, não tocando nos remédios.

— É um remédio para dormir. Nós usamos no hospital de vez em quando, sem que ninguém saiba, é claro. Em alguns dias o seu turno é tão intenso que, quando você chega em casa, seu corpo está no limite da exaustão, mas seu cérebro ainda está em polvorosa. – Sarah explicou, bebendo seu café. – Então nós tomamos um destes. É um remédio muito forte, faz com que você durma rapidamente. E, acredite, quando você tem um limite de horas para dormir antes de voltar para mais um turno, o que você mais quer é dormir rapidamente.

— E por que ninguém pode saber disso?

— Você não tem acesso a este remédio sem prescrição médica. – Sarah disse, seu olhar de Morpheus ainda mais acentuado, como se me dissesse que o mundo que eu conhecia era uma mentira e minhas crenças eram poeira ao vento.

— Você é médica. – falei, como alguém tentando ser um escudo contra o vento. – Você pode prescrever o remédio.

— Não, não posso. – ela riu. – Ele é usado por neurologistas ou psiquiatras para tratar casos de insônia crônica. Isto está fora da minha alçada.

Sarah lavou sua xícara e fingiu esquecer-se dos remédios, enquanto eu os observava com curiosidade e expectativa. Eu adoraria ter algumas horas de sono, finalmente descansar mente e coração.

— Acho que posso testar e ver se funciona comigo. – falei, dando de ombros, tentando não dar importância.

— Um só é suficiente, Jane. Sério, não abuse. Quando eu digo que ele é forte, eu não estou brincando.

— Tudo bem.

— Bem, vou aproveitar que estamos aqui e eu ainda tenho alguns minutos para poder te mostrar o sistema de segurança. – Sarah disse, atravessando a cozinha até a sala, voltando com um tablet em mãos. – Todas as câmeras estão vinculadas aqui.

— Nós temos câmeras? – perguntei, tentando lembrar se tinha visto alguma quando cheguei.

— Você não as notou?

— Acho que não.

— Ótimo, a ideia é essa. – Sarah riu com satisfação. – Então, a casa toda tem alarmes para caso alguém tente invadir. Estão programados para se ativarem automaticamente à noite, pois eles são ativados por movimento. Durante o dia eles seriam acionados a cada passo nosso. E as câmeras cobrem a parte externa da casa.

Sarah tocou na tela do tablet e diversas imagens surgiram, transformando a tela em um retalho quadriculado. Ali, era possível ver tudo o que se passava lá. Fiquei muito tranquila com tudo aquilo, pois nada lá fora passaria despercebido pelas câmeras.

— As câmeras tem um mecanismo interessante. – Sarah capturou minha atenção novamente. – Quando algo passa por uma delas, elas tiram uma foto do momento e enviam para cá. Vou lhe mostrar.

Sarah percebeu minha confusão e por isso decidiu fazer uma demonstração. Apressou-se até a porta da frente e saiu, deixando-me sozinha. Em poucos segundos, o tablet emitiu um som parecido com um sino, uma notificação difícil de ser ignorada. No canto da tela, uma faixa dizia “sua campainha detectou um visitante”. Cliquei no aviso e uma foto de Sarah, acenando, preencheu a tela. A qualidade da imagem não era tão boa e o ângulo poderia ser um pouco melhor.

— Viu só? – Sarah perguntou, voltando para a cozinha. – Todas elas, inclusive os alarmes, tem uma bateria de emergência. Então, em caso de queda de energia, nós ainda temos algumas horas de segurança.

— Isso é muito legal. – falei, ainda olhando para a foto. – Meu prédio deveria ter algo assim.

— O dono desta casa é muito cuidadoso. – ela concordou, pegando sua bolsa. – Isso é tudo.

— Eu vou precisar assistir isso o dia todo? – perguntei, apontando para o tablet.

— Talvez você faça isso por algumas horas. Eu sei que eu fiz. – ela riu, procurando suas chaves. – Mas tente não dar muita atenção. Sempre tem algum animal por aqui, principalmente cachorros. Sério, ninguém por aqui prende os cachorros, não sei como eles não são atropelados o tempo todo. Então as câmeras podem avisar sobre absolutamente qualquer coisa.

— Talvez eles estejam acostumados. – não sei se eu me referia aos cachorros ou aos donos.

— Ok, eu preciso ir. Tem alguma dúvida sobre tudo o que eu disse?

— Não, nenhuma.

— Ótimo. Eu volto à noite. – ela seguiu para a porta, lançando-me um último olhar preocupado. – Tente descansar um pouco, Jane.

Fiquei alguns minutos parada logo após a saída de Sarah, olhando ao redor. Comecei a fazer uma pequena lista das coisas que eu mais achava estranho não encontrar por ali, como a minha caneca com a alça quebrada que eu consertei com cola e eu ainda conseguia sentir a rachadura quando a segurava. Para minha surpresa, eu até estranhava não ouvir o som dos saltos da vizinha de cima, caminhando para lá e para cá como se ensaiasse um desfile de moda.

Fui para o quarto, levando comigo a cartela de remédios como quem carrega uma promessa. Peguei um único comprimido, rasgando a embalagem com a unha e ponderei por alguns segundos sobre aquilo. Minha mãe teve um sério acidente quando eu era pequena e acabou se viciando em analgésicos e passando muito tempo em terapia, o que a fez sempre me manter longe de qualquer tipo de medicamento. Acendi um cigarro e fui até a janela, observando aquela ponte tranquila, planejando caminhar por lá mais tarde. Flexionei meus ombros, sentindo a tensão e o cansaço tomando conta de mim.

— Foda-se. – falei, para ninguém, apagando o cigarro na janela e jogando-o o mais longe que consegui. – Eu preciso dormir.

Peguei o comprimido que eu deixara no criado mudo e o engoli sem hesitação. Aconcheguei-me no travesseiro e esperei.

Respirei fundo e continuei esperando.

E então, rápido como uma bala, o sono me atingiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "À beira mar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.