Encounter escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 11
Uncertainty


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos pelas revisões e revisões ao Orphelin, meu carneiro-beta~



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Capítulo XI

So many choices but so few answers
My time slips away while thinking too much
Uncertainty – Stratovarius

***

Havia um rapaz de cabelos compridos apreensivo, um rapaz de olhos azuis que podiam ser verdes curioso e um rapaz de aparência imponente contemplativo.

Apesar de ter brincado com aquilo de sobreviver ao meu irmão, o fato era que Mu não fazia ideia de qual seria a reação de seu irmão. Nunca tinha apresentado nenhuma pessoa em quem estivesse interessado para ele – e nem teria apresentado Aiolia àquela altura, se pudesse, mas como tinha se esquecido de que o irmão iria voltar logo...

Sem opções, Mu havia feito as apresentações. E, embora os dois não tivessem se estranhado, como quando apresentara Aiolia para Shaka, também não tinham se cumprimentado.

O rapaz de aparência imponente olhava como se estivesse vendo através de Aiolia. Não estava analisando-o. Seu olhar somente parecia preferir se perder nele do que em outro lugar.

Aiolia não se incomodou. Estava ocupado observando que ele era tão bonito quanto esperava que um irmão de Mu fosse. Ele tinha até os sinais na testa!

— Shion? – a voz musical do rapaz de cabelos compridos se fez ouvir, trazendo os outros dois de volta a si.

O olhar de Shion vagou de Aiolia para o irmão. Pestanejou, como se estivesse acordando de um devaneio, e voltou a fitar Aiolia com uma atenção renovada até demais.

Um fluxo de sangue invadiu o rosto de Mu, que se retraiu, constrangido por ser óbvio o que Shion via: as manchas roxas em seus pescoços, o leve rubor em suas faces, as roupas desalinhadas... Não se atreveu a conferir, mas suspeitou que não tinha adiantado quase nada Aiolia colocar as mãos nos bolsos das calças jeans.

— Eu suponho – proferiu Shion em um tom que, na verdade, demonstrava certeza – que vocês não sejam apenas amigos.

— Ehrm... – balbuciou Mu, incerto sobre o que dizer ao vê-lo se aproximar do rapaz de olhos verdes-e-azuis.

Como Shion havia feito uma constatação, e não uma pergunta, Aiolia continuou quieto.

— Compreenda... Sou casado há dois meses, após um noivado de anos e um namoro mais longo ainda – explicou-se, com serenidade –, portanto, estou desatualizado sobre os tipos de relacionamento dos jovens de hoje. No meu tempo, eles se resumiam a namoro, noivado e casamento.

Os olhos de Aiolia se arregalaram, a luz do sol lhes dando um aspecto vítreo semelhante ao de bolas de gude. Shion não parecia muito mais velho do que Mu. Daria a ele, no máximo, uns vinte e poucos anos, mas... Anos de relacionamento? Jovens? Meu tempo? Caramba! Falando daquele jeito, ele soava como se tivesse séculos de vida.

— Surgiram alguns status intermediários... – Mu se aventurou a dizer, interpretando a estupefação de Aiolia errado.

— Exemplos – demandou Shion.

Aiolia reconheceu aquele timbre. Aiolos costumava usá-lo com ele quando era criança – continuava usando às vezes, vale acrescentar. Era uma entonação de comando impossível de desobedecer, capaz de fazer qualquer espírito tentar sair do reino de Hades antes de poder lembrar que estava morto.

Ficante – Aiolia arriscou e seguiu enumerando com os dedos: – peguete, caso, rolo, amigos com benefícios, amizade colorida... aaahn... espera, acho que esses dois são a mesma coisa...

Lançou um olhar inquiridor para Mu, que encolheu os ombros, demonstrando não ter a menor ideia do que dizer, o que fez Aiolia se lembrar de que ele não tinha se envolvido com ninguém e ficar tão satisfeito que quase se esqueceu de Shion.

Bastou o rapaz de aparência imponente dar um passo na sua direção para que lembrasse. A presença de Shion era impressionante. Aiolia não estava acostumado a se sentir pequeno.

Em todo caso, o único outro termo que conseguia pensar era foda-fixa e duvidava que seria apropriado dizê-lo. Pior, soaria insolente. Mordeu o lábio inferior e resolveu ficar em silêncio, apoiando o peso do corpo ora em uma perna, ora na outra. Se contendo para não sair caminhando para lá e para cá.

Percebendo que Aiolia era inquieto, como um felino durante a noite, Shion anuiu:

— Certo. – Sua voz mostrou-se suave e baixa, a expressão branda. Contudo, a autoridade pairava no ar ao indagar: – E em qual dessas situações vocês se encontram?

Sem condição nenhuma para pensar direito sob pressão, Aiolia estacou:

— Ahn...

Então, sentiu as mãos do rapaz de cabelos compridos tocarem seu braço, como se quisesse tranquilizá-lo.

E ele queria mesmo.

— Irmão, é o nosso quarto encontro... Estamos nos conhecendo... – argumentou Mu, esperando que ele compreendesse que não era uma boa ideia pressionar Aiolia tão cedo.

Tanto porque Aiolia poderia não querer continuar com aquilo quanto porque suspeitava que a tensão o deixaria irritado.

Se Shion compreendeu, não demonstrou, pois lançava toda a força de seu olhar em Aiolia.

— Hmm, acho que estamos em alguma posição acima de ficantes...? – Aiolia tentou, mais perguntando do que respondendo.

Acha?

— É... Sabe? Não posso decidir sozinho... – Deu de ombros. Suspeitava que nenhuma resposta que pudesse dar seria satisfatória, sem dizer que Mu e ele não tinham conversado sobre nada daquilo... mas apressou-se a garantir: – O que o Mu quiser, está bom pra mim...

À princípio, o rapaz de cabelos compridos ficou boquiaberto diante daquela saída pela tangente que jogava a decisão em suas costas. Acabou se conformando. Era seu irmão afinal de contas. Respirou fundo e afirmou:

— Eu quero continuar a conhecê-lo, sem pressa, Shion. Definições não são necessárias agora.

— E o que você quer, jovem Aiolia?

Feliz por enfim ter uma pergunta fácil, o rapaz de olhos verdes-ou-azuis nem hesitou em declarar:

— Quero o mesmo que o Mu!

E abriu um sorriso inocente que, na opinião de Mu, elevou a já imensa semelhança dele com Aiolos a níveis estratosféricos.

— Imaginei... – Shion relevou. – Quais as suas intenções para com o meu irmão caçula?

A sensação de Aiolia foi a de terminar uma prova e descobrir que, no verso da folha, tinha outras perguntas. Droga! Fez um muxoxo, considerando a questão. Não havia muitas saídas. Ficou, de novo, sem saber o que dizer. O que Aiolos diria? Algo filosófico que não esclareceria nada, supôs. Veio a lembrança recente das mãos de Mu desbravando suas calças e ele concluiu que suas intenções, naquele exato instante, não eram do tipo que se deve dizer ao irmão de ninguém.

— Suas intenções imediatas são notórias. – Shion adivinhou-lhe os pensamentos. – Estou me referindo ao futuro.

O que não ajudou em nada, pois, como tendia a agir por impulso, Aiolia não fazia planejamentos, de modo que permaneceu ruminando o assunto.

Okay... Shion era um irmão mais velho. Ele queria apenas o bem de Mu. Nem que isso significasse fazer mal à saúde de quem ousasse não tratar seu irmão caçula direito. Ou seja, era preciso garantir que cuidaria bem de Mu, mas não fazia ideia de como. Palavras não eram a dificuldade, fazer Shion acreditar nelas, sim. E por que acreditaria? Nem ele acreditava nas pessoas que rodeavam seu próprio irmão. E Aiolos era o mais velho! A droga era que Aiolos não... Opa, qual era a finalidade de tudo aquilo mesmo? Seus pensamentos estavam dando um nó cego... Ele sequer percebeu que estava gesticulando em agitação...

Por sorte, os deuses tinham resolvido ficar do seu lado. Pela primeira vez, Aiolia teve uma interrupção benéfica.

— Ahh! O cachorro! – tergiversou, quase suspirando de alívio, ao apontar para uma bola de pelos que se aproximava em alta velocidade, vinda pela porta que Shion deixara aberta.

Era um filhote de porte grande, castanho-alaranjado e peludíssimo, que ficou latindo, pulando e se rebolando ao redor de Aiolia.

— Oh, esse é o Hamal – Mu apresentou, admirado com o timing do cãozinho, estalando os dedos para chamar a atenção dele.

Sacudindo o rabo sem parar, Hamal olhou para o dono... olhou para o desconhecido... e voltou a se agitar.

— Quer dizer que você tem nome de estrela? – Aiolia abaixou-se e deixou que o filhote cheirasse o dorso de sua mão.

Foi tão surpreendente Aiolia saber aquilo – visto que ninguém nunca nem imaginava – que Mu sorriu para o irmão.

— Muito bem, o rapaz tem seus méritos – Shion assentiu para Mu, deixando claro que havia considerações a serem feitas e que ia querer a resposta. — Bom... Você parece contente, Hamal gostou dele e vice-versa...

Mu aquiesceu, observando o cãozinho deitado de barriga para cima, deixando que Aiolia o coçasse. Em menos de um minuto, haviam se tornado melhores amigos para sempre.

— Pode ficar com ele, Mu.

— Ehrm, Shion... – titubeou, esperando não soar nada além de gentil e educado. – Ele não é um gatinho que estou pedindo permissão para ter.

— Se fosse, eu não permitiria. Hamal gera trabalho suficiente.

Perplexo, Mu abriu a boca para esclarecer que aquele não era o ponto, mas desistiu. Em geral, lógica não se aplicava a Shion, que, inclusive, tinha se afastado flanando pelo jardim, a atenção voltada para as flores.

Sua própria atenção foi capturada pela risada de Aiolia.

— Aiolos faz dessas também. Dando ordens e conselhos, agindo como se eu fosse discípulo dele... Ainda que ele vá precisar treinar bastante pra chegar no nível do seu irmão...

— Nem me fale... – Mu suspirou, abaixando-se ao lado de Aiolia para brincar com Hamal.

— E o que foi aquilo de permissão?

O rapaz de cabelos compridos sorriu.

— É a maneira de ele dizer que não tem objeções.

Ao contrário de Shaka... Se bem que Mu não queria nem imaginar o que Shion diria ou faria após conhecer a fama de Aiolia.

*

Havia um rapaz com uma tatuagem de escorpião impaciente, um rapaz de vibrantes cabelos vermelhos ocupado e uma escrivaninha entre eles.

Milo soltou um longo suspiro. Tinha se cansado dos jogos em seu celular e de ficar vagando pela internet. Aiolia nem ao menos estava online para que pudesse se dedicar a um de seus passatempos favoritos: perturbá-lo.

— Vamos fazer alguma coisa, Camus! Sair, comer, sei lá...

— Em breve – replicou, num timbre monótono, sem levantar os olhos da tela do computador.

Outro suspiro, repleto de exasperação dessa vez.

— Você está com a cara enfiada nesse troço há eras!

O superlativo fez Camus soltar um mero resmungo.

Revirando os olhos muito azuis, Milo levantou-se da cadeira em que estivera sentado todo torto, alongando-se e dando voltas pelo escritório, em passos arrastados, prevendo que incomodaria Camus. Era o propósito.

— Se você ficar atrapalhando minha concentração, vou demorar para terminar.

— Você tem noção de que está me trocando por uma máquina?

— Não estou – Camus discordou, relembrando-o, pela décima vez, que tinha surgido um trabalho de última hora. Não havia nada que pudesse fazer. – Você não precisa ficar aqui me esperando terminar.

— Se eu não ficar aqui pra lembrar que existe vida no mundo real, aí que você não sai desse negócio mesmo. Ou vai daí pra um livro.

Camus assentiu, impassível, e continuou digitando.

— Agh! Eu estou enchendo seu saco... Briga comigo, Camus!

O som das teclas sendo pressionadas parou. Camus franziu de leve as sobrancelhas para a tela, ficando calado por tempo suficiente para Milo achar que acabaria ignorado. Outra vez.

— Por quê?

— Não sei... – Milo cruzou e descruzou os braços, coçou uma barba imaginária e deu de ombros. – Pelo sexo ardente de reconciliação depois?

— Hum – fez Camus, voltando ao trabalho. – Nós podemos ter sexo ardente sem que precise ser de reconciliação, não acha?

— Agora?

— Não.

O rapaz com a tatuagem de escorpião soltou o suspiro profundo dos eternos sofredores.

— Às vezes – comentou, com ar de reprovação –, você fala igual minha mãe.

Houve um ruído abafado que, se viesse de outra pessoa que não Camus, indicaria um riso sendo reprimido. No entanto, não poderia ter vindo de Camus – ele não sorria com facilidade, que dirá rir. Não obstante, Milo teve a impressão de que, apesar da expressão sisuda usual, os olhos dele brilhavam demais e ficou em dúvida, para garantir.

Pelo visto, Milo teria que usar sua cartada final. Ele se jogou de volta na cadeira, analisando o teto com falso interesse e disse:

— Ah, mas o Hyoga...

Abandonando o teclado para vasculhar uma gaveta da escrivaninha, Camus balançou a cabeça, dizendo, não sem certa surpresa:

— Chega a ser fascinante você sempre ter algo para reclamar sobre ele.

— Não tenho culpa se aquele pato bailarino... – Milo interrompeu-se ao notar o caderninho aberto e a caneta que Camus girava entre os dedos. – Ué, o que vai fazer?

— Anotar qual é o impasse, analisá-lo, entender onde é meu erro, onde é seu erro, e descobrir como podemos resolvê-lo.

— Você está sendo muito metódico, Camus...

— Você nega a eficiência do meu método?

Com pesar, Milo admitiu que não. Camus costumava fazer aquilo e funcionava.

— Mas você não é meu psicólogo! Eu sou seu namorado, não seu paciente. Namorado. Entende o que isso significa, Camus?

— Na atual conjuntura, reclamação personificada.

— ...

— Presumo que o caso atual tenha relação com o Aiolia, correto?

Uma fagulha de esperança se acendeu no interior de Milo. Camus estava com ciúmes?

— Estou fazendo uma constatação. Suas ideias tortas costumam ter relação com o Aiolia.

— Ah... – Milo desanimou. Ciúmes era um chamariz de brigas tão bom... – Hey, espera aí, como assim?

O rapaz de vibrantes cabelos vermelhos se limitou a bater a caneta algumas vezes no caderninho, indicando que queria uma resposta para a interrogação que havia feito primeiro.

Aí, Milo passou a resmungar palavras ininteligíveis. Sua intenção era comprovar a veracidade daquilo que Aiolia havia dito sobre Camus não participar das brigas, deixando-o discutir sozinho. Explicar isso soava tolo até para si mesmo, mas, como Camus estava esperando, teve que dizer.

Foi quase frustrante ver que Camus não ficou impressionado.

— Se seu objetivo é competir com o Aiolia nesse mérito, não vejo como.

— Não tem como. Conhecendo a calmaria eterna do Mu, o Aiolia será outro que vai brigar sozinho! – concluiu, em tom triunfal.

Camus ficou encarando o namorado, sem entender nada, perguntando-se se teria perdido alguma parte da conversa. Ou se ele teria ingerido alguma substância ilegal.

— Por outro lado... – Milo arregalou os olhos. – Se tem alguém com capacidade para aborrecer até mesmo o Mu, esse alguém é o Aiolia.

Foi aí que Milo surtou, dizendo que não podia permitir que aqueles dois brigassem, uma vez que, se chegassem no nível de Mu se irritar, era porque a coisa estaria feia ao ponto de eles até se separarem.

— E isso afetaria você? – Camus tentava acompanhar o monólogo alheio.

— Lógico! Quem você acha que teria que aguentar o Aiolia daí? Ele anda meio calminho nessas últimas semanas, desde que começou a sair com o Mu e tal. Se eles terminarem, ele vai voltar a ser do jeito que era, se não ficar pior!

Em sua agitação diante daquela perspectiva terrível, Milo saltou da cadeira, pegou o celular e discou enquanto andava em círculos, esperando ser atendido.

O rapaz de vibrantes cabelos vermelhos também se levantou, deu a volta na escrivaninha e tirou o aparelho das mãos de Milo, desligando-o.

— Hey! Eu tenho que mandar o Aiolia não brigar com o Mu!

— Pare e pense: se falar assim, ele pode achar que motivos para brigar e vai acabar causando alguma confusão.

Devagar, Milo caiu em si e concordou.

Camus escorou-se na mesa, deixando o celular sobre ela, e massageou as têmporas. Por que a maioria das conversas que tinham acabava em nonsenses?

— Sei lá... Talvez porque você esteja trocando minha gloriosa companhia pra ficar com essa bagaça aí...

— Eu nã-... – Camus calou-se, desistindo de tentar se explicar, e informou em seguida: – Terminei.

— Opa! – Milo se aproximou tanto e tão rápido que foi parar entre as pernas dele sem que ele piscasse. – Já posso ter meu sexo ardente sem brigas?

— Acho que não – ponderou, com uma inflexão de voz que insinuava estar propenso a se deixar convencer.

Antes que Milo pudesse tentar, seu celular tocou, vibrando sobre a mesa. Por reflexo, ele olhou para a tela. Inflamando-se de indignação, afastou-se de Camus com um muxoxo e atendeu a ligação:

— E você insiste que sou eu quem atrapalho! Eu... quê? Sim, eu sei que acabei de te ligar, mas, mesmo assim... Você não estava com o Mu agora, né? Ora... Eu sei por hoje ser domingo e vocês só saírem às sextas, à noite, e aos sábados... Quem você está chamando de stalker?! Você me contou isso!

Vendo Milo perder o foco, engajando-se numa conversa absurda com Aiolia, Camus abriu mão de um pouco de toda a sua característica fleuma. Preferindo ser prático, endireitou a coluna, mantendo-se sentado na mesa... e, fitando Milo com seriedade, levou as mãos ao primeiro botão da camisa que vestia.

Foram três botões abertos antes de Milo olhar para ele e captar o que acontecia.

Engoliu seco e se despediu com um depois a gente se fala apressado, tendo a presença de espírito de se lembrar de que se encerrasse a chamada sem falar nada... Aiolia poderia retorná-la.

Sua situação por fim estava melhorando. Não podia desperdiçar um segundo que fosse.

*

Havia um rapaz com uma pintinha charmosa tomando chá, um rapaz de apelido duvidoso quase dormindo ao lado dele, um rapaz com uma cicatriz na testa olhando desconfiado para a própria xícara e um rapaz de olhar solene intrigado com todos eles.

Estavam no jardim da casa de Afrodite, para o programa habitual das tardes de sexta, e Shaka ponderava por que tudo tinha mudado tanto. Ele havia iniciado o processo de se conformar com a presença de Máscara da Morte – que tinha o costume de surgir sem ser convidado, pulando o muro –, porém, a ausência de Mu era estranha.

Pensando melhor, estranho mesmo era o rapaz com uma cicatriz na testa estar ali.

— O que você está fazendo aqui, Ikki? – interrogou, vendo-o fazer uma careta ao provar do chá. – Achava que você aparecia em algum lugar somente quando seu irmão chamava...

— Posso abrir exceções para seres prepotentes com complexo de Deus, como daquela vez que levei você ao festival de bandas.

Shaka não tinha chamado ninguém. Aquilo só podia ser obra de Afrodite, o que era digno de suspeita, pois ele tinha um interesse ínfimo pelo que não era ele mesmo. Entretanto, questionar as razões de Afrodite para convidar Ikki seria tão inútil quanto questionar as razões dele para ter aceitado o convite. Antevendo que eles não diriam, seu único comentário foi:

— Se é assim, ajoelhe-se e me venere.

— Sonhe.

— Cadê o Mu? – Máscara da Morte cortou em voz alta, tentando se manter acordado.

— Tinha um compromisso agora à tarde – Afrodite comunicou. Viu Shaka vincar o cenho e acrescentou: – Não tem nada a ver com o Aiolia, se é o que está pensando.

— O que tem de errado com o Aiolia? – Ikki perguntou para ninguém em específico, empurrando a xícara para longe. – Acho incrível a habilidade que ele tem de invocar o terror e a admiração aonde quer que vá, sem nem precisar fazer nada.

— Você acha incrível por serem da mesma laia – admoestou o rapaz de olhar solene. – A violência é o último refúgio dos inábeis.

O rapaz com uma cicatriz na testa o fulminou com o olhar.

Observando-os, Afrodite esboçou um sorrisinho maldoso, típico de quando se deleitava com algum divertimento particular, e interrompeu:

— Desista de se preocupar, Shaka. Aiolia e Mu estão naquela fase em que tudo é algodão-doce e flores... – Franziu o nariz levemente arrebitado, aquilo era um tédio. Então, pestanejou, e concluiu com certa animação: – Essa fase persiste há mais de um mês, logo, a qualquer momento virão as discussões inflamadas, as revelações chocantes, as viradas teatrais...

— Esse – Shaka pontuou com severidade – é o problema.

Ele compreendia que discussões e desentendimentos faziam parte de todas as relações, só que, no caso, aquele rapaz poderia partir para a violência física. E não adiantava relembrarem que Aiolia não batia nos amigos porque amizade era diferente de interesse amoroso.

— As pessoas perdem a noção no calor das emoções.

Com preguiça de relembrar aquilo que todos sabiam e haviam dito a Shaka, sobre Mu estar apto a se cuidar sozinho, Afrodite deixou que ele continuasse a falar.

— O que é que o Mu sabe sobre o tal Aiolia? E o que garante que o pouco que descobriu é verdade?

— Aiolia não consegue mentir – Ikki e Afrodite contestaram ao mesmo tempo.

Houve uma troca de olhares carregados com contrariada admiração mútua e suspeita infinita.

O rapaz de olhar solene fez uma pausa, sem querer se convencer por completo. Desgosto à parte, teve que aceitar. Para aqueles dois terem a mesma opinião sobre algo, tinha que ser real.

Por não ser uma pessoa tranquilizadora, Afrodite acrescentou na sequência:

— Não conseguir mentir pode ser ruim. Excesso de sinceridade pode causar grandes estragos...

Máscara da Morte bocejou, deu um tapa no próprio rosto e aproveitou para se intrometer na conversa.

— Não teve nada de algodão-doce e flores quando começamos a sair, Dita.

— Hmm... Teve rosas.

— Teve espinhos, meu bem – corrigiu, envolvendo os ombros de Afrodite com um braço. – Até hoje tem.

Afrodite contorceu o rosto em uma expressão que deixava claro tudo o que ele pensava sobre ser chamado de meu bem. Todavia, esboçou um sorriso falso e retrucou com uma polidez desdenhosa:

— Você merece cada um, querido.

Foi nessa hora que Shaka e Ikki se entreolharam em um acordo tácito de que era melhor saírem, deixando os dois sozinhos.

O rapaz com a pintinha charmosa os observou partir, pensativo. Tão pensativo que não reagiu na hora em que Máscara da Morte afastou-lhe os cabelos ondulados e afundou o rosto na curva entre seu pescoço e ombro, aspirando seu perfume.

— Tem algo errado nessa preocupação do Shaka...

— Vai ver ele é a fim do Mu – o rapaz de apelido duvidoso sugeriu, colocando uma das pernas de Afrodite sobre as suas.

— Não é isso. Ele teria dito ao Mu se... O que está fazendo? – Aborreceu-se ao sentir os dentes dele se afundarem na sua garganta. – Detesto ser marcado.

— Azar o seu... Quero sexo.

A risada de Afrodite preencheu o ar. Com um gesto amplo, ele passou a listar as razões para aquela atividade ser desagradável ao ar livre.

Máscara da Morte – que jamais conseguiria se lembrar de um item que fosse, se lhe perguntassem o que Afrodite tinha dito – levantou-se, puxando-o junto, e saiu arrastando-o para dentro da casa.

Perdendo-se em novos pensamentos, Afrodite não protestou. Duvidava que fosse mera preocupação com o bem-estar físico de Mu, o que Shaka sentia. E se o que o incomodava não era ciúmes, o que seria? O lado emocional?

Era algo bastante tedioso para se preocupar, em sua opinião, já que quebrar a cara e o coração eram consequências naturais na maioria dos envolvimentos amorosos. Não adiantava querer poupar Mu daquilo.

Se fosse para acontecer, aconteceria. E se não fosse para acontecer... bem, de duas, uma: as imensas diferenças os fariam se desgastar em uma relação problemática, ou se complementarem.

De uma forma ou de outra, Afrodite ia querer ver de perto como Shaka reagiria.

Continua...

 


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Notas finais do capítulo

Dessa vez eu quis focar um pouco nos demais personagens (só não teve Aiolos e o Clube dos Cinco porque ficaria imenso o capítulo) durante essa passagem de tempo, daí no próximo o foco volta mais para o Aiolia e o Mu :3

Bem, como o Aiolia disse, o nome do cãozinho vem de uma estrela: Hamal é a estrela mais brilhante da constelação de Áries, uma gigante alaranjada (por isso o cãozinho é de porte grande com pelagem castanha-alaranjada)... Eu e meus personagens originais... e.e'

Que tal esse capítulo? ^^

Meus leitores são os mais fofos, obrigada pelas reviews: Raquel Ohara, Kass, arianinha, Diana Lua, Ysoga, Bakanda, reneev, Sakykah, Orphelin, Suh, Bloody Rose e Svanhild ♥