Um Cãoto escrita por Nathalia Schmitt


Capítulo 11
Epílogo




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A idade já estava pesando sobre minha bacia. Ao menos era o que parecia, considerando a dor que eu sinto todos os dias. Já faz uns meses que praticamente não levanto do colchãozinho que pai e mãe fizeram pra mim, bem fofo, é um almofadão gigante! Charlie, a filhotinha — sim, é uma menina! Mas só fui descobrir isso depois que decidi conhecê-la — está bem triste por mim. Até dorme comigo e me mima um pouco. Ouvi pai e mãe dizerem a umas visitas no Natal que ela era da raça King Charles Spaniel — daí o nome. Ela é uma fofa! Me lembra a Pipa, às vezes.

Porém, essa dor não me permite mais brincar com ela. Nem com nada. Minha bolinha velha ficou de herança para Charlie, mas ela diz que não é a mesma coisa. Algumas vezes aconteceu de ela dormir com a bolinha perto de mim.

De acordo com o moço da sala fria, tenho displasia coxofemural. Diz que meus ossos não são mais os mesmos e é uma doença que passa de mãe para filho, “hereditária” foi a palavra que usou. No início, minha mãe chorava, porque tentaram cadeira de rodinhas, fisioterapia na piscina, injeções para dor; mas nada resolveu. Agora ela não chora mais, mas continua me dando comida todos os dias e o pai me pega no colo e me coloca no sofá próximo à janela pra eu olhar a rua e tomar um sol. É a minha parte favorita do dia, já que não consigo mais passear.

Também engordei muito. Me sinto uma bolota. Mãe diz que eu estou um porco de tão gostoso! Então, deve ser verdade!

Mas essa dor também me dá dores de cabeça, então eu durmo muito. Está cada vez mais difícil de respirar também, não sei porquê.

Na última consulta, o moço da sala fria disse que eu não tinha mais chances de melhora. Que era para eles me darem tudo que eu queria (mãe tem feito até um patê de carnes com tempero que é maravilhoso, mas eu não podia comer porque ela dizia que “faz mal”) e me deixar o mais confortável possível até o dia do adeus. Não sei o que significa, mas não parece boa coisa. Não quero me despedir de ninguém. Não de novo.

E esse dia é hoje.

Mais cedo, pai e mãe começaram com o café da manhã. Me entupiram de porcarias, ração pra gato, hambúrguer, chocolate, ovo cozido, biscoitos e bolachas; e eu comi, é claro! Eu amo comer!

Também me deram sorvete e batata frita. EU AMO BATATA FRITA!

Foi a melhor manhã da minha vida!

Agora estavam arrumando o carro pra minha viagem até o moço da sala fria. Acho que eu vou morar lá, estavam colocando várias coisas minhas. Queria ir até a janela, mas não conseguia muito mais do que me arrastar um pouco no meu almofadão. Chorei, mas ninguém ouviu.

Tentava abanar a cauda, mas doía muito toda vez e eu não conseguia impedir ela de abanar.

Quando finalmente pai me pegou no colo e me levou até o carro, mãe veio com a minha cama junto. Prendeu com os cintos e pai me colocou no carro que já estava adaptado para mim, com os bancos de trás deitados para me dar mais espaço. Tinha meus brinquedos, minha velha bolinha e o bichinho de pelúcia que ganhei no último Natal, que eu adorava usar de travesseirinho.

Prenderam minha coleira ao cinto adaptado para mim e me levaram até lá. Durante o caminho, abriram a janela para eu encostar a cabeça, mas eu não conseguia mais. Fiquei olhando as árvores e os prédios passando, era o máximo que dava.

Na clínica, ficamos um pouco na sala de espera até sermos chamados. Mãe estava com olheiras profundas e, como eu dormia na sala, não sei se ela dormiu bem essa noite. Não parecia animada como de costume. Ela e pai não disseram uma palavra durante o tempo todo.

Daí fui chamado e pai me pegou novamente no colo, me levou até a sala e me colocou na cama que mãe tinha levado junto.

Ajeitaram meus brinquedos ao meu redor. Cumprimentei o moço como de costume e enquanto mordia meu travesseirinho e tentava sorrir pra eles, o moço conversou com os pais.

— Não se preocupem, é sempre triste, mas é o melhor para ele.

Mãe não tirava os olhos de mim. Não me importaria de morar lá, desde que me visitassem. Ia sentir muita falta deles.

Então começou. O moço encheu uma seringa com alguma coisa e aplicou. As dores foram diminuindo aos poucos e eu fui me sentindo melhor. Ele comentou que isso me faria sentir mais à vontade.

E fez, mesmo! Ainda doía, mas bem menos! Já conseguia abanar a cauda de uma forma decente.

Depois de algum tempo interagindo com pai e mãe que brincaram comigo, ele aplicou outra coisa. Essa ardeu! Mas ele disse que eu ia dormir bem agora. Nossa… quanto tempo fazia que eu não dormia bem! Como eu agradeci ele por isso! Até dei umas lambidas pra ele entender o recado.

E eu nunca lambia o moço!

O sono foi batendo e ficando cada vez mais difícil de lutar. Decidi que era melhor dormir, mesmo, aproveitar a chance. Quando eu acordasse, provavelmente me sentiria melhor e poderia dar atenção aos pais.

E dormi.

 


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