O sonho de Steve escrita por Agnar


Capítulo 1
Capítulo 1 - Passado




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O silêncio flertava com a canção dos grilos, que tocavam para as estrelas na esperança de que elas pudessem ouvi-los. Steve estava deitado sobre a sua cama, com os olhos fixos no teto, mas com a visão em seu passado, que, por diversas vezes parecia sempre ser o melhor momento de sua vida. Em suas mãos havia um retrato. Levou em direção a sua visão, não precisou se esforçar para enxergar, visto que apenas a luz natural da lua perfurava a escuridão, mas a luz das lembranças iluminava mais do que a própria lua "Fotografias absorvem a essência do sentimento para que sempre possamos sentir o que já não existe" Pensava Steve enquanto analisava novamente o retrato. A foto não merece ser detalhada nessa história, visto que minhas palavras não conseguiram transmitir a mesma sensação que o rapaz estava sentindo naquele momento. Mas para aqueles que a mente anseia pelo concreto, era apenas uma fotografia de um casal, abraçados, olhando diretamente para a câmera enquanto sorriam, aquele casal que desaparece quando aprendemos os tons de cinza que existem na vida, que os ventos do acaso corroem. Pode-se encontrar tamanha felicidade em rostos apaixonados, principalmente naqueles que vivem o primeiro amor, pois corações novos não conhecem o cinza.
 Colocou o retrato sobre o peito, seus olhos fecharam-se enquanto a mente se mantinha aberta. Eis que os umbrais de se quarto tornaram-se um lindo céu azul, seus olhos estavam abertos e ele observava um lindo campo verde, sentia o ar puro e a paz que dançava nos ventos. Não ousou questionar onde estava, pois tamanha paz já não era sentida há anos em sua vida, tanto tempo que o caos havia se tornado cotidiano.
 Os curtos segundos de serenidade foram quebrados por uma rouca voz
 - Mas olha só, já faz tanto tempo..
 Steve deparou-se com um senhor de mesma estatura, o seu olhar das cores da terra passava uma sensação de nostalgia, assim como o sorriso e os suspiros repetitivos que o senhor sempre dava. Suspirava, olhava para o céu, sorria, suspirava, olhava para o céu, sorria...
 O homem sentou no chão
— Se aproxime, quero lhe mostrar algo
O garoto titubeou por alguns instantes, mas concedeu ao pedido. O velho olhou para as palmas de suas mãos como se segurasse algo, e eis que pequenos cristais vinham de todos os lados em direção as mãos do homem. Em sua dança eles sempre se encontravam ficando cada vez maior. Steve admirou-se com tamanha beleza e percebeu algo vindo de dentro daquele cristal que já possuía o tamanho de uma maçã
— Espera, esse sou eu no meu aniversário de oito anos
O velho riu
— Sim! Você lembra que a sua mãe fez uma festa surpresa para você e...
— Convidou todos os meus amigos, inclusive a menina que eu gostava – Completou Steve surpreso e ao mesmo tempo feliz, aquela lembrança era como vagalumes que acendiam uma parte já obscura em seu coração. O gosto doce da infância alfinetava o seu paladar.
— Mas como você sabe disso? – Não pôde deixar de perguntar
— Eu sei de muitas coisas, olhe esta – Os cristais explodiram em milhares de pedaços, rodopiaram no ar e se juntaram novamente mais belo e mais brilhante. Steve aproximou seus olhos e viu. O garoto estava sentado em uma calçada, era tão jovem, dezesseis. Ao seu lado havia uma garota, de cabelos escuros e a pele morena, de uma boca convidativa demais para alguém de sua idade. Eles se encaravam e nada dizia, o coração do menino pulsava como se lutasse para sair, a sua mente agora era apenas um papel branco. Quando ela sorria, seus olhos iam para o chão, quando ele olhava para o chão, mais próximo ela se aproximava. Eis que houve o primeiro toque de mãos, aquele em que fazemos a nossa primeira promessa, que não precisa utilizar as palavras, em que sentimos o calor não do corpo, mas do sentimento, ele segurou com força, seus olhos já sabiam que era a hora de fechar, a sua respiração cessou, o toque de outros lábios era uma união. Duas pessoas ocupando o mesmo corpo, trocando a alma, criando amor. E somente as pessoas que realmente souberam aproveitar o curto relance que o amor lhe proporciona, saberá o que se passava na cabeça do Steve; nada.
 Boquiaberto e com o coração inquieto, o rapaz encarou o velho enquanto lágrimas vinham fazer parte da história. Nada disse, não fora necessário, o homem sabia que Steve queria mais, queria reviver cada momento feliz de sua vida, como se o passado escondesse a felicidade, e o presente era a verdadeira tortura. O velho concedeu.
 No mundo dos sonhos não existe tempo, por isso deixarei você imaginar por quanto tempo Steve ficou satisfeito em viver o passado ao lado daquele velho. Mas, o deposito de lembranças é algo limitado, e quem proporciona o material é a fabrica do presente
— Quero ir embora, foi bom reviver cada momento com você
— Foi bom reviver – Respondeu o velho, sorrindo, suspirando, olhando para o céu...
— Você lembra que a sua mãe fez uma festa surpresa para você e ..
— Sim, eu lembro – Interrompeu Steve – Não estava muito animado para aquela festa, pois o meu pai não iria comparecer, eu gostaria que ele estivesse por lá.
 Foi então que ele percebeu, o cristal não revelava toda a lembrança, apenas os momentos bons, dando uma ilusão de que sim, o passado proporcionava a felicidade. Fixou o olhar no cristal enquanto lembrava “Quando o passado se fazia presente, não lhe dava tanto valor simplesmente por ser o presente, por ser o que eu tenho naquele exato momento. O passado é apenas um item que você só poderá ver, mas nunca tocar, reutilizar, apenas apreciar. E neste armazém da memória, o que é considerado inútil aos retratos do passado é descartado. Todos os tons de cinza, na maioria das vezes, são substituídos por aquarelas irreais. Dessa forma a felicidade se torna opaca, a essência pode-se desfazer e o presente sempre será apenas materiais para a sua ilusão de alegria” O cristal parou de brilhar, e ele viu rachaduras que se escondiam na luz
— A verdadeira lembrança
Foi puxado para o céu
— Adeus! – disse o velho ainda sorrindo e olhando para o garoto
A paisagem sumiu, tudo voltou a escurecer a medida que subia, já não sabia se estava ou não subindo para algum lugar, a escuridão dominou o garoto, a escuridão sempre o dominava.


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