Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 46
O céu em seus olhos


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura...



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P.O.V ARMIN

Depois que Annya se foi, eu continuei no centro do salão, paralisado. Em compensação, meu coração praticamente dançava dentro do peito.

Ela disse que me amava. Pela primeira vez, ela disse que me amava!

Eu queria ir atrás dela, dizer pela milésima vez que sentia o mesmo, mas, de repente, seu humor pareceu mudar. Seu olhar era quase melancólico quando ela me pediu para ficar. Eu odiava deixá-la sozinha, principalmente à noite. Pensei  em questionar e insistir que ela me contasse o que estava sentindo, mas eu já havia visto aquela expressão antes... no espelho. 

Lembranças ruins iam e vinham à tona o tempo inteiro e nem mesmo toda terapia do mundo conseguiria apagá-las da minha memória. Elas simplesmente surgiam e, muitas vezes, eu não conseguia evitar. O medo, o desespero, a ansiedade, o desânimo... Annya também sentia isso. Já era horrível saber que eu não podia fazer nada para acabar com a minha dor, mas saber que ela também a sentia... me machucava ainda mais. Talvez ela só precisasse de um tempo sozinha.

Rosalya e Alexy surgiram ao meu lado e esbarraram em mim. Meu irmão já estava um pouco alterado, mas a animação de Rosalya era totalmente pura. Zero álcool. Nem parecia a mulher em pânico que conversou comigo há algumas horas. 

—Você se casou com o Leigh ou com o meu irmão?—Brinquei, quando ela me tirou para dançar. 

—Por quê?

—Porque você passa mais tempo com o Alexy do que com o seu pobre noivo.

Alexy passou o braço por cima dos meus ombros e falou, em tom de sermão:

—É porque eu sou o primeiro marido dela, entendeu? Ele veio depois.

Eu ri e o afastei. Rosalya me girou como se eu fosse uma dama e riu quando eu troquei os pés. Eu realmente não estava acostumado a ser a pessoa guiada da dança.

—Eu vou passar o resto da minha vida com o Leigh, Armin, acho que posso deixá-lo sozinho por uma noite. Aliás, já que tocamos no assunto...

—Qual assunto?

—Amor eterno, claro.

Eu balancei a cabeça, rindo.

—O que tem ele?

—Eu vou jogar o buquê em alguns minutos. Onde está a sua amada?

—Ela saiu para pegar um ar.

—Então vá buscá-la agora mesmo, porque sem ela eu não jogo esse buquê!

Franzi o cenho.

—Por quê?

—"Por quê"?! Porque se for para ir em mais uma festa de casamento esse ano, tem que ser a de vocês!

—Rosalya, sem buquê ou com buquê, eu vou me casar com Annya. Você pode ter certeza diss...

Eu me calei, engolindo em seco. De repente, senti meus pulmões gelarem. Eu não conseguia respirar. Eu soltei as mãos de Rosalya e levei ao pescoço, lutando para afrouxar minha gravata.

—Armin? O que foi?

Pisquei várias vezes tentando me recompôr, mas eu simplesmente não conseguia. Eu sentia... desespero. Pânico.

—Pare de brincadeiras, irmãozinho. Está começando a nos assustar!

Tentei dar um passo, mas todo o salão pareceu girar. As pessoas ao meu redor não possuíam mais rostos. Tudo estava embaçado. As luzes estavam fortes demais, vibrantes. Eu tropecei nos meus próprios pés.

—Armin!—Alexy me segurou, antes que eu alcançasse o chão. Minha garganta pareceu se abrir, quase rasgando.—Armin, o que está sentindo?

—Eu... e-eu não sei.

Eu tirei o cabelo dos olhos, voltando a respirar. Minhas pernas doíam como se eu tivesse corrido numa maratona. A música parou, por um segundo...e então eu ouvi: foi um único tiro... seguido pelo pior som que meus ouvidos já escutaram em toda a vida. Era a voz dela. Era o grito dela.

Annya.

Não sei como aconteceu, mas em alguns segundos eu já estava no jardim,  com o peito ardendo pelo ar gelado. De repente, aquele lugar parecia um cenário de pesadelo. Annya estava caída no chão, arquejando de dor e gemendo. Havia sangue por todo o seu vestido. Seus dedos estavam sujos de terra e agarravam a grama desesperadamente. Eu corri ate ela e me ajoelhei.

—Annya!

—Ah... v-você me ouviu.—Ela sussurrou, parecendo aliviada.—Oi...

—O que... o que aconteceu? Quem fez isso?!

—Ra...chel...

Os olhos dela se reviraram e começaram a se fechar.

—Não, não, não! Annya, fique acordada!—Eu me debrucei sobre ela e segurei seu rosto nas mãos, acariciando suas bochechas com os polegares. Ela abriu os olhos e arquejou, como se quisesse chorar. —Meu amor... você precisa ficar acordada, está bem? Aguente só mais um pouco!

Eu queria colocá-la nos ombros e correr até o hospital, mas não podia. Minha visão estava embaçada, tudo que eu conseguia ver era sangue. Seu vestido, seu cabelo, seu pescoço... eu não sabia onde estava o ferimento. Não podia arriscar movê-la.

—N-não se preocupe comigo... eu vou ficar bem. 

—Cale a boca, pare de fazer esforço!

—Pelo menos... consegui te avisar.

Seu semblante se alternava o tempo inteiro entre expressões de dor, sorrisos nervosos e choro. Sua respiração estava pesada. Tentei estancar o sangue em sua barriga, mas tive medo de pressionar e machucá-la ainda mais. Eu nem mesmo sabia onde estava o ferimento. Ela tremia. Eu tirei o meu blazer e a cobri, mas não parecia suficiente.

Nada parecia suficiente.

As pessoas começaram a sair do salão de festas, curiosas, mas ninguém se dispôs a ajudar. Eu olhei ao redor, esperando que alguém tomasse alguma providência, mas todos continuaram parados observando, horrorizados. Pensei ter visto alguém filmando, mas não tive ânimo para discutir.

De repente, uma figura branca abriu caminho pela multidão e parou, boquiaberta.

—Rosalya! Preciso de uma ambulância.—Pedi, exasperado, mas ela permaneceu parada, em choque.—Rosalya, agora!!

Ela arregalou os olhos e se afastou, correndo. Castiel se ajoelhou ao meu lado e respirou fundo, arrancando o paletó. Ele parecia trêmulo.

—No que você se enfiou agora, garota?—Resmungou, também cobrindo-a com a roupa e acariciando sua cabeça. Ela olhou para ele por um segundo, sorrindo, e então se voltou para mim. Seus olhos voltaram a se fechar. Eu segurei suas mãos e as beijei, desesperado.

—Amor? Annya, você precisa ficar acordada, entendeu?

—Eu não a-aguento mais... está doendo...

—Só mais um pouco. Conte as estrelas, as constelações... isso pode te acalmar. Olhe, Sagitário, Órion...—Eu arquejei, nervoso. Talvez eu estivesse tentando me acalmar.—Você... você consegue ver o céu?

Ela olhou dentro dos meus olhos, suspirou e... sorriu.

—Acho que consigo.

Eu não consegui mais me segurar. Desatei a chorar como uma criança, soluçando, tremendo. Eu precisava fazer alguma coisa. Eu não podia ficar ali, olhando, enquanto a mulher que eu amava se despedia de mim.

—Você precisa... chamar... a polícia... ela vai vir atrás de você...

—Eu não me importo!

—Armin, eu preciso que você fique bem, m-mesmo que...—Ela deslizou a mão pelo meu maxilar, devagar, e me puxou para perto, tocando nossas testas. Ela também estava chorando.—M-mesmo que eu não esteja.

—Não diga besteiras, você vai ficar bem! Annya, eu preciso que você fique comigo... fique comigo... por favor.—Sussurrei, sentindo meu coração doer.—Eu não posso te perder outra vez...

O som de uma sirene começou a crescer, vindo de bem longe. Eu apertei os olhos, tentando guardar cada detalhe da sua voz. 

—P-pare de chorar... você não v-vai se livrar de mim tão fá...

Eu abri os olhos buscando os dela, mas eles já estavam fechados.

—Annya? Annya, acorde!!

As luzes vermelhas começaram a iluminar o gramado e logo fui obrigado a me afastar dela, para que pudessem levá-la. Eles a imobilizaram numa maca e eu precisei discutir com meia dúzia de enfermeiros até finalmente me deixarem entrar na ambulância com ela.

O trajeto até o hospital era curto, mas o caminho pareceu o mais longo de toda minha vida. Eles colocaram respiradores em seu rosto, cortaram seu vestido para avaliar o ferimento, examinaram sua cabeça, tentaram reanimá-la de diversas formas... talvez eu não devesse ter entrado ali. Nada funcionava, nada a trazia de volta... eu estava começando a surtar.

Quando chegamos ao hospital, toda a equipe desceu apressadamente e a levou para dentro. Eu tentei acompanhá-los, mas desabei na primeira cadeira que encontrei na sala de espera. Meus joelhos tremiam. Minhas mãos estavam encharcadas de sangue.

Parecia um pesadelo. Aquele era o pior pesadelo de todos e eu precisava acordar. Eu não conseguia acreditar que aquilo era real. Não podia ser. Eu não podia perdê-la outra vez!

Duas enfermeiras que passavam por ali perguntaram se eu precisava de ajuda e eu as dispensei, apesar do meu medo. Eu não queria ficar sozinho. Eu temia que alguém sussurrasse o número do quarto de Annya em alguma conversa perto de mim porque isso me faria ir até lá para gritar com o cirurgião; ordenar que ele a trouxesse do mundo dos mortos se fosse preciso!

Mortos.

De repente, a palavra não parou mais de ecoar na minha mente.

Eu encarei a parede branca à minha frente pelas próximas duas horas, sem notícia alguma dela. Minha cabeça latejava de dor. Nesse tempo, meus amigos e toda a minha família já haviam chegado.

—Armin, nós vamos até a cafeteria.—Alexy avisou. Eu continuei imóvel, fazendo-o suspirar.—Vai querer alguma coisa?

—Não.

Minha voz ainda estava embargada. A qualquer momento poderia explodir de novo.

—Ela vai ficar be...

—Eu sei.

Não notei quando ele se foi. Não tirei meu olhar da maldita parede branca. Não sei quanto tempo se passou até eles voltarem, mas dessa vez estavam acompanhados de um médico. Eu me levantei, apressado.

—Você deve ser o Armin.—Ele estendeu a mão e eu estiquei a minha para apertá-la, mas estava suja de sangue. A coloquei no bolso e o cumprimentei com um aceno de cabeça.

—Como ela está?

—A Anastasia está bem. Está estabilizada. Você já pode entrar para vê-la, mas...

—Ela está acordada?—Perguntei, interrompendo-o. Uma sensação de alívio começou a tomar conta de mim.

—É sobre isso que precisamos conversar.

Ela não estava acordada.

Ela sofreu alguma sequela.

A cirurgia havia dado errado.

Eu balancei a cabeça, tentando me acalmar, e olhei por cima do ombro dele: minha família e amigos esperavam impacientes na frente do elevador. Por um momento, eu havia me esquecido de que eu não era a única pessoa que me importava com Annya.

—Podem ir vê-la. Eu vou depois.—Murmurei, logo voltando meus olhos para o médico.—Ela está sedada?

—Sim.

—Mas está tudo bem? Por que havia sangue na cabeça dela? A bala perfurou apenas o abdômen, não é?

Ele olhou para o lado.

—Quer se sentar?—Perguntou, indicando a cadeira.

—Não, quero que me responda.

—Certo... as balas foram o menor dos problemas. Elas atingiram apenas o baço.

As... balas? Quantos tiros ela levou? Eu ouvi apenas um.

—Foram dois. Nós retiramos o baço e ela está reagindo bem quanto à isso. O pior foi a queda, ela bateu a cabeça e... tivemos que colocá-la em coma induzido. O coma induzido é uma sedação, basicamente...

—Eu sei.

Ele respirou fundo.

—Se ela estivesse acordada, o corpo não teria energia suficiente para a recuperação e ela estaria sentindo uma dor insuportável. Fora o fato de que os exames apontaram um provável traumatismo craniano, então... o senhor está bem?

Eu me sentei na cadeira e levei a mão à testa.

—Continue falando, por favor.

O doutor se sentou na cadeira ao meu lado.

—Um traumatismo craniano pode afetar certas atividades cerebrais. O paciente não consegue mandar, por exemplo, mensagem para seus pulmões simplesmente... funcionarem. Por isso, ela precisou de ventilação mecânica.

Eu concordei com a cabeça, sem olhá-lo.

—Se estivesse acordada, o corpo dela poderia conflitar com a máquina. Por exemplo, ela tentaria inspirar enquanto a máquina desejasse expirar e... 

—Ela vai ter sequelas?

—Por enquanto, não há motivos para que isso aconteça, mas não posso te dar certeza.

Senti uma única lágrima quente deslizar entre meus dedos e logo me recompus. Respirei fundo diversas vezes, mas o desespero parecia prestes a tomar conta de mim outra vez.

—Para ser sincero... quando recebemos a informação de uma garota baleada e com um possível traumatismo craniano... não tínhamos muitas esperanças de que ela chegaria aqui com vida.—O médico falou, de repente, fazendo com que eu me virasse para ele.—Mas ela está aguentando. Acredite em mim, estar em coma não é tão ruim levando em conta tudo que ela sofreu... é quase um milagre.— Ele sorriu.—Fique calmo, rapaz. Ela é mais forte do que aparenta.

Eu suspirei pesadamente.

—É. Eu sei.

Depois de um tempo, ele me deixou sozinho. Quando todos deixaram o quarto, chegou a minha vez de encontrar Annya. Eu estava dividido entre correr até ela e me arrastar até o andar de cima. Eu queria vê-la, mas saber que ela não retribuiria o meu olhar era a pior sensação de todas.

Quando abri a porta, tentei não me abalar com o que encontraria ali. Eu já sabia o que estava prestes a ver, mas ainda assim, não adiantou de nada. Havia aparelhos ao seu redor, todos presos à ela de alguma forma. Sua cabeça estava enfaixada, havia sondas e tubos por toda parte. Eu puxei uma cadeira para perto dela e desabei. Todas as lágrimas que eu estava segurando surgiram de uma só vez, embaçando a minha visão. 

—Annya... o que ela fez com você...?—Sussurrei, segurando a palma da sua mão contra o meu rosto e beijando-a.—Por favor,  aguente... não me deixe aqui sozinho, eu preciso de você. Não faça isso comigo... por favor.

Eu queria acreditar que ela estava dormindo. Ela estava apenas dormindo e a qualquer momento iria acordar. 

Eu deitei a cabeça sobre o colchão, observando o aparelho ligado ao seu lado. De repente, me lembrei da noite que passamos no Zoológico.

"Promete que não vai deixar desligarem meus aparelhos?", ela brincou, quando se sentou no ponto mais alto do portão.

Eu enxuguei as lágrimas, mesmo sabendo que elas não parariam de vir, e acariciei sua mão. Enquanto Annya estivesse de olhos fechados, aquelas máquinas iriam permanecer ligadas, nem que eu precise brigar com meio mundo para isso.

Minha visão começou a escurecer aos poucos e eu adormeci ali, ao lado dela.  Eu tinha esperanças de que, pelo menos nos meus sonhos, poderia encontrá-la acordada.


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Notas finais do capítulo

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