Start escrita por Queen Of The Clouds


Capítulo 30
Castigo eterno


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.
Por favor, leiam as notas finais do capítulo.



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Anastasia

Meu pai me colocou na cama pela terceira vez e me cobriu. Eu tirei o cobertor e me sentei.

—Eu já disse que não estou com sono.

—E eu já disse que está na hora de dormir.

—Como posso dormir se não tenho sono?

Ele suspirou, cansado, mas sorriu. Um raio iluminou meu quarto, fazendo com que eu pulasse para o colo dele num piscar de olhos. Eu nem esperava mais pelo estrondo para me esconder. Ele voltou a me colocar na cama.

—Annya, eu não vou viver para sempre. Você precisa se acostumar com as tempestades.

O trovão fez a casa estremecer. Eu olhei assustada para a janela e depois para o meu pai.

—Se os piratas têm medo de tempestades eu também posso ter.

—Nem todos os piratas têm medo de tempestades.

—Não foi o que você me contou.

Seus dedos tamborilavam seu lábio inferior enquanto ele me observava, pensativo.

—Então eu ainda não te contei a história da grande bucaneira Anne Dieu-le-Veut?

—Existiam mulheres piratas? Você sempre fala de homens.

—Bem, como você sabe, naquela época as mulheres não podiam subir à bordo dos navios...

Eu franzi as sobrancelhas, irritada.

—Porque os homens diziam que as mulheres traziam azar.

—Exato. Mas Anne Dieu-le-Veut era diferente... os marujos diziam que ela trazia sorte!—Ele ergueu o punho, animado.—O marido de Anne foi assassinado por um pirata famoso chamado Laures de Graaf e para vingar o seu amor, ela desafiou o pirata para um duelo... mas ele recusou. Disse que jamais poderia lutar com uma mulher! Mas enquanto de Graaf se recusava a desembainhar sua espada...

Eu o olhava, atenta à cada uma de suas palavras. Meu pai fez um gesto como se sacasse duas armas da sua cintura e apontou os dedos para mim.

—...Anne sacou sua arma e apontou para ele!

Meus olhos se arregalaram.

—E o que ele fez?!

—Laures ficou assustado.—Meu pai fingiu uma expressão exagerada de surpresa, me fazendo rir.—Ele era temido por todos, mas Anne não demonstrou nem um pingo de medo! Ele se apaixonou rapidamente pela sua bravura e força e a pediu em casamento. Eles começaram a viajar juntos e se tornaram parceiros inseparáveis! Todos os sete mares conheciam Anne Dieu-le-Veut, a pirata mais corajosa e implacável do mundo!

Ele se aproximou de mim, como se fosse contar um segredo:

—Inclusive... ouvi dizer até que ela era a única pirata que não tinha medo de tempestades... nem mesmo as ondas mais ferozes dos oceanos mais azuis e profundos poderiam assustá-la! Os trovões e os raios não eram nada para ela!

Assim que ele falou aquelas palavras, outro raio iluminou o meu quarto. Eu olhei para o meu pai, mas não pulei em seus braços. O trovão orquestrou sua sinfonia aterrorizante, mas eu apenas fechei os olhos. Quando os abri, meu pai sorria para mim, orgulhoso.

—Acha que consegue dormir agora, Annya Dieu-le-Veut?—Perguntou, erguendo o cobertor. Eu me deitei e deixei que ele me cobrisse. Ele riu e beijou minha testa.—Tenha coragem, minha Anastasia. Você é maior do que qualquer tempestade. Eu amo você.

Eu acordei num sobressalto e olhei a escuridão ao meu redor. Meu pai não estava ali.

Foi apenas um sonho.

Abracei meus joelhos de encontro ao peito. A única luz no quarto vinha do meu notebook. Ele ainda estava ligado, mas o filme que eu estava assistindo já havia acabado. Eu devia ter cochilado na metade dele.

Eu respirei fundo, olhando meus pés. Eu me lembro de muitas histórias de pirata, mas não lembrava dessa memória. Devia estar guardada no fundo do baú, debaixo da minha pilha de lembranças ruins. Eu sentia tanta saudade do meu pai. Eu queria tanto correr para os braços dele agora... ele era o meu refúgio para tudo. Foi ele quem me ensinou a ser corajosa e não abaixar a cabeça para as outras pessoas.

Mas ele estaria decepcionado se me visse agora.

Eu deslizei para fora da cama e me levantei no escuro. Não demorou muito para meus pés se enroscarem no tapete e eu tropeçar. O lado esquerdo do meu corpo bateu no espelho e eu atingi o chão com toda força. Uma foto deslizou pela moldura e caiu ao meu lado. Eu já sabia o que era e não queria ver aquela imagem.

As lágrimas logo chegaram aos meus olhos e minha visão se tornou turva. Eu já havia desistido de tentar segurá-las. Alcancei o meu limite. Na verdade... eu já havia desistido de tudo.

Eu peguei a maldita fotografia e a olhei. Alexy a tirou no dia que estávamos jogando futebol. Armin havia acabado de errar um chute que seria perfeito e estava correndo tanto para recuperar a bola que não conseguiu parar, entrando no gol e dando de cara comigo. O clique foi no momento exato que ele me abraçou. Eu conseguia ver a felicidade estampada no rosto da Annya de dois meses atrás. Armin estava rindo também, com os braços ao meu redor.

Meu corpo arquejava enquanto as lágrimas corriam pelo meu rosto. Eu não conseguia respirar. Meu coração já havia terminado de se despedaçar há semanas, mas o vazio em meu peito ainda doía.

Eu me sentia mal só de pensar que Armin e Lily estavam a algumas quadras dali, felizes. Por mais que eu quisesse negar, imaginá-lo ao lado dela ainda me machucava. 

Eu olhei a foto mais uma vez antes de rasgá-la no meio e jogá-la no chão. Voltei para a cama e me cobri por completa com o lençol.

O que eu fiz de errado para merecer tudo isso?

Por que toda vez que eu estou bem, algo me derruba? Minha vida parece um amontoado de erros e acidentes. A minha mãe que me carregou por nove meses preferia que eu não tivesse existido. O meu pai, meu melhor amigo, foi arrancado de mim. Eu nunca tive amigos de verdade. O meu namorado era tudo de ruim que poderia existir numa pessoa só. Agora eu... perdi a pessoa que eu amava para outra e afastei os únicos amigos que conquistei.

Aquela briga com Armin foi... a gota d'água que faltava para eu desistir. Eu cansei de tentar ser feliz. É como se eu não devesse existir. Como se eu fosse um erro no programa. Minha mãe tinha razão, eu nunca deveria ter nascido, eu nunca fui desejada. É por isso que todas as minhas escolhas terminavam numa caminhada solitária, eu não era digna de companhia porque eu nem deveria estar aqui.

Talvez seja essa minha punição eterna: viver isolada. Porque sempre que quebro essa regra... sou castigada.

Já faz um tempo desde que parei de ir à faculdade. Nos primeiros dias eu pedia a matéria a Alexy e Rosalya, mas depois só deixei de me importar. Eu não queria incomodá-los. Eu me tranquei em casa e não saía há semanas, parei até de contar os dias. Minhas janelas estavam sempre fechadas porque o mínimo sinal de luz fazia minha cabeça latejar. Meu rosto doía de tanto chorar.

Infelizmente, eu era covarde demais para dar um fim definitivo à tudo aquilo. Minha autodestruição acontecia de uma forma tão lenta que eu nem vi quando ela começou a se aproximar. Eu quase não estava me alimentando, mas quando sentia fome a última coisa que eu buscava comer era algo saudável. Eu passava metade do dia dormindo e quando não estava dormindo tomava remédios para isso. Eu estava acostumada a sempre andar pela cidade, mas agora minhas pernas doíam por qualquer coisa, como se estivessem enferrujadas. Minha garganta arranhava o tempo inteiro e minha voz falhava até mesmo para murmurar um "obrigada" aos entregadores que batiam na minha porta. Os seios da minha face doíam e meu corpo sempre alternava entre sentir frio e morrer de calor. Eu provavelmente estava doente. Eu tomava banhos de madrugada, acordava à noite... estava tudo errado e eu sabia disso. Mas quando meus avós ligavam eu limpava a garganta, fazia um esforço e dizia que estava tudo bem. Eu não queria preocupá-los outra vez.

Quando Alexy e Rosalya tentaram me procurar eu agi de forma fria e rude. Tratá-los mal foi como uma tortura, mas eu preferia saber que eles me odiavam do que saber que eles estavam preocupados comigo. Eu queria jamais ter aparecido na vida deles. Lily estava certa, eu havia causado problemas demais.

Eu ainda acreditava na minha capacidade de superar tudo aquilo. Eu sabia que tinha força para levantar, sacudir a poeira e começar tudo outra vez. Eu já havia feito isso centenas de vezes antes, mas... eu também já havia caído centenas de vezes... e eu não queria me sentir em outra queda livre, sem ter aonde me segurar. Eu estava tão cansada. Já me peguei desejando que um daqueles remédios me trouxesse um sono eterno.

Talvez assim, eu teria paz.


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Notas finais do capítulo

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada 45 segundos, uma pessoa tira a própria vida em algum lugar do mundo.

Se você ou alguém que você conhece se encontrar numa situação parecida e estiver pensando em suicídio, procure o Centro de Valorização da Vida.

O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.

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