Humanidade escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Cara, faz tanto tempo que eu não posto algo aqui que tô me sentindo meio enferrujada.

Por outro lado, estou bem orgulhosa desta coisinha aqui :3



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Com o braço direito apoiado ao encosto da cadeira onde Mona estava sentada, Hanna observava a garota trabalhar. Ambas estavam caladas e tensas, praticamente imóveis. Hanna não entendia os movimentos que os dedos de Mona faziam sobre o teclado daquele laptop, e tampouco suas consequências, mas ela sabia que algo não estava indo de acordo com o que quer que Mona tivesse planejado. Ela suspirou, frustrada, assim que a morena também o fez.

— Eu não consigo – Mona alegou, gaguejando sutilmente e suspirando por uma segunda vez. – Sinto muito. Eu realmente gostaria de poder ajudar você. De poder ajudar todas vocês.

   Antes que pudesse dar por si, Hanna dirigiu a palma direita ao ombro esquerdo de Mona em um carinho. Seus lábios curvavam-se em um sorriso singelo e triste, enquanto lágrimas umedeciam seus olhos por uma razão ainda desconhecida por ela.

— Você tem sido um anjo da guarda, Mona – as palavras simplesmente escaparam, numa dose de maciez que a surpreendeu. – Não só nos últimos dias, mas desde... – ela pausou, não sabendo ao certo se era apropriado mencionar o trauma que parecia pertencer a uma vida passada – desde muito tempo. E eu sei que nenhuma de nós realmente parou para te agradecer nesse tempo todo. Acho que temos memória curta para certas coisas. De qualquer jeito, muito obrigada por ontem. Por ter tirado o carro do Rollins do bosque e por ter notado a minha pulseira embaixo do banco do motorista.

   Hanna pausou mais uma vez. Foi como se o real significado da segunda metade daquela última frase a tivesse atingindo pela primeira vez. Se, naquele exato momento, Hanna estava no loft de Lucas e não na cadeia, era por causa de Mona e de sua aparente onipresença. Ela tocou as costas da mão esquerda da morena em uma outra carícia.

— Eu sei que não devemos nos acostumar com isso, mas obrigada por aparecer sempre que precisamos de você – concluiu, arrancando da garota um sorriso emocionado.

   Mona ajeitou sua mão na de Hanna e a encarou suavemente.

— Eu tenho uma dívida perpétua com você, Hanna.

  A morena não falava mais no plural, e Hanna sabia por quê. Então, com o peito apertado, a loira devolveu o olhar profundo. Não havia nada além de um distante, porém enorme arrependimento naquele pequeno oceano castanho. A garota parecia já ter desistido de tentar pedir desculpas, talvez por acreditar que suas desculpas jamais seriam suficiente.

— A vítima fui eu – Hanna afirmou um tanto secamente, não que Mona precisasse ser relembrada de tal fato. – Cabe a mim decidir se você me deve eternamente ou não.

   Hanna puxou a cadeira ao lado de Mona e sentou-se de frente para a morena, sem largar a mão dela; fechou o laptop e empurrou-o para o lado em dois movimentos rápidos. Por um segundo, Mona pareceu assustar-se, porém Hanna logo deixou que suas feições se suavizassem.

— Eu estou longe de querer que você se puna pela eternidade.

   Mona franziu levemente as sobrancelhas, como se não tivesse entendido tais palavras, ou como se pensasse que não merecia tamanha complacência. Hanna tomou a mão direita de Mona em sua esquerda também.

— Você errou, como nós – Hanna prosseguiu, docemente –, e foi punida, como nós.

   A loira deslizou o polegar esquerdo pela parte interna do pulso direito de Mona. Ela com certeza sentia-se culpada em admitir para si mesma que gostava de sentir aquelas cicatrizes, provocadas pelos choques elétricos de cinco anos antes, sob seus dedos. Aquelas linhas sinuosas e, agora, esbranquiçadas, lembravam-na de que Mona era, antes de qualquer coisa, humana. Levara um certo tempo, mas fora um alívio sem tamanho para Hanna voltar a perceber tal coisa depois de –A; isso porque foram inúmeras as vezes em que Hanna pensara que Mona não era de fato humana, que ela não era feita de carne, sangue e alma.

— Aliás – Hanna voltou a falar –, o que aconteceu ontem me lembrou de como somos parecidas, eu e você.

   Mona sacudiu sutilmente a cabeça, estreitando da mesma forma os olhos.

— Não se atreva – ela murmurou.

— É verdade – Hanna insistiu. – Eu nunca pensei que estaria no mesmo lugar em que você esteve um dia, oito anos atrás.

— Não se atreva a se comparar a mim – Mona levantou o tom de voz e pôs-se de pé, soltando as mãos da loira. – Você não é igual a quem eu fui, Hanna. Você não quis atropelar o cara. Foi um acidente.

   Hanna também levantou-se.

— E quem disse? – ela alfinetou.

— Eu – Mona respondeu simplesmente, sorrindo e aproximando-se da loira devagar, com os olhos agora visivelmente úmidos.

— Você não estava lá comigo. Nem naquele carro e nem naquele lugar. Você não faz ideia da dor nem da raiva que eu senti – era a voz de Hanna que, agora, começava a tremular.

   Mona deu mais um passo na direção de Hanna. Parecia que a morena estava incerta quanto a tocá-la. Por fim, sorriu, olhando nos olhos de Hanna outra vez depois de vacilar por um segundo.

— Sei que não faço. Mas eu conheço você. Não importa o quão forte tenha sido a sua dor e a sua raiva, elas nunca teriam se transformado em vingança dentro de você – Mona estava a ponto de deixar o choro vencê-la. – Porque você é melhor do que eu. Você é boa.

   Hanna de repente não tinha mais forças para replicar; num impulso, envolveu o corpo tenso de Mona e o puxou para si. A garota finalmente expirou com tranquilidade, abraçando-a de volta. E assim que Hanna sentiu o aperto moderado dos braços de Mona ao seu redor, fechou os olhos. Uma onda de nostalgia fez as fibras que compunham seu corpo vibrarem, dos pés à cabeça.

   Era como se as duas estivessem de volta ao antigo quarto de Hanna, aos treze anos, e Mona estivesse lhe assegurando que ela era linda e iria continuar sendo, mesmo se não quisesse emagrecer; era como se a velha melhor amiga de Hanna estivesse novamente entre os braços dela, acreditando no valor dela de um jeito que ela mesma jamais conseguiria.

   Hanna também lembrou-se de quando Mary Drake a resgatou e a levou do bosque até a casa de Spencer, há alguns dias. Hanna havia se fechado para seus amigos e até mesmo para sua mãe de uma maneira rude e egoísta; pedira a eles por diversas vezes que a deixassem sozinha, não quisera que eles a abraçassem, que perguntassem se ela estava bem ou se precisava de algo, não quisera nem ao menos que eles a tocassem. Deus, como ela havia estado errada!

   Mona estava sendo a primeira pessoa para quem Hanna baixava a guarda em uma aparente eternidade. Alívio era a palavra. Ela estava aliviada por saber que não havia perdido sua própria humanidade.

— Senti tanta falta disso – sussurrou, enquanto suas palmas iam e vinham pelas costas de Mona. E de fato a saudade era imensurável. Saudade de receber carinho, de se sentir segura, de ser aquecida pelo calor de outro corpo colado ao seu, de contar as batidas de outro coração em sincronia com o seu.

— E eu sinto a sua falta todos os dias – Mona informou no mesmo tom, ao pé do ouvido de Hanna, que sentiu um doce sorriso em meio a tais palavras e não pôde evitar arrepiar-se.

   Assim que as duas lentamente desengancharam-se uma da outra, Hanna pregou seus olhos nos da garota novamente e foi como se, pela primeira vez, ela percebesse que Mona não era mais uma garota, mas sim uma mulher crescida; uma mulher a quem Hanna quase não conhecia mais. Eram novas roupas, um novo corte de cabelo, um novo perfume. Tudo contrubuía para que a ideia de que as duas haviam sido adolescentes há eras não saísse da mente de Hanna.

   De repente, a possibilidade de, um dia, não conhecer mais Mona em nenhum aspecto realmente a assustou. Então ela inclinou-se em direção aos lábios da morena, que afastou-se antes que eles pudessem se tocar.

— Han... – Mona começou, suavemente – você está ainda está sobrecarregada e vulnerável. Não sei se isso é algo inteligente a se fazer.

   Hanna suspirou, esforçando-se para não revirar os olhos. Vulnerável. Ela não queria que Mona fosse mais alguém a pensar nela como uma coitadinha de saúde mental frágil.

— Se eu não tivesse acabado de atropelar um britânico psicopata, você me beijaria?

   Mona baixou o olhar e riu baixinho, corando visivelmente, porém não parecia que ela iria de fato responder.

— Ei – Hanna encaixou a palma direita à bochecha esquerda de Mona, tentando trazer o rosto da morena para si.

   Mona, que ainda não se rendia ao contato visual, tocou brevemente as costas da mão de Hanna como se em uma tentativa de insistir que aquilo não era uma boa ideia. Hanna entendeu o gesto e deu meio passo para trás, provando o gosto amargo da rejeição.

— E daí? – ela incitou enquanto uma lágrima rolava, sabendo que sua frustração era audível. – E daí que eu estou vulnerável? E daí que eu sou a mais burra desse esquadrão classe B?

— Não se atreva – Mona repetiu pela terceira vez, em tom de repreensão, agarrando os pulsos de Hanna e puxando-a para perto de si novamente. – Você, Hanna Marin, é a pessoa mais teimosa, mais corajosa e mais brilhante que eu já tive o prazer de conhecer.

   Hanna deixou-se derreter pelos elogios e pelo sorriso aberto que Mona a lançava; com as duas mãos apoiadas à cintura da morena, fez com que as costas dela ficassem rentes ao encosto do sofá. Quem dera ela pudesse se sentir aquecida daquele jeito pelo resto da vida.

— Essa é primeira vez, desde tudo que Rollins fez comigo, que eu não me sinto oca – Hanna confessou. – Não quero que esse sentimento me deixe. Por favor...

   Ela deixou as reticências no ar. Implorar por carinho não a deixava nada confortável, mas àquela altura ela sentia que aquilo era seu último recurso. E então notou os olhos de Mona encherem-se de lágrimas e compaixão; sentiu a palma esquerda da morena em sua nuca e aqueles lábios fartos tocando o canto de sua boca.

   Hanna fechou os olhos devagar e correspondeu com um cuidado tremendo, como se temesse que qualquer movimento brusco fosse desfazer aquele momento; afinal, a mais leve das brisas é capaz de ruir um castelo de cartas. Os movimentos de ambas, aliás, seguiram extremamente cautelosos, como se estivessem aprendendo a beijar novamente.

— Qual é a sua cor favorita? – Hanna sussurrou contra os lábios de Mona, sentindo um sorriso travesso alongar os seus próprios.

   Mona franziu as sobrancelhas.

— Como é?

— Sua cor favorita, qual é e por quê?

   Mona riu baixinho outra vez.

— Da onde está vindo isso?

   Hanna enlaçou-a pela cintura e diminuiu ainda mais a distância entre seus corpos.

— Eu quero te conhecer de novo – explicou-se, um tanto afoitamente. – De dentro para fora, como te conhecia quando éramos pequenas.

   Foi a vez de Mona fechar os olhos brevemente, como se a sensação de quadril com quadril tivesse tirado-a de seus eixos.

— Vermelho-escuro – ela informou –, porque é a cor da maioria das flores de hibisco. Você devia ter lembrado disso.

   O olhar no rosto de Mona era do tipo travesso também, não estava realmente cobrando-a de maneira alguma, porém Hanna sentiu-se culpada. Ela devia ter se lembrado. Mona tinha descendência havaiana e as flores de hibisco eram um dos maiores símbolos do Havaí; consequentemente, eram suas flores favoritas também.

— Eu sei, me desculpe – Hanna murmurou entre beijos mais afoitos, que serviam, em parte, para que ela pudesse se redimir.

   Mona deu-lhe a redenção facilmente, enlaçando o pescoço de Hanna com os braços e permitindo que a loira a guiasse até o sofá.

   Deitaram-se as duas ali, então, espremidas, e continuaram, por tempo indeterminado, a saciar uma a carência da outra, entregando-se àquele sentimento – que se diferenciava de paixão – sem culpa alguma, e enchendo cada vez mais uma à outra de humanidade.


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