Voz escrita por apple pie


Capítulo 4
Capítulo 3: Sorriso azul


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaaaaaaaaaaaa

Queria dizer que essa fic foi escrita em diferentes momentos da minha vida, então tem muita coisa aqui num estilo mais garotinha sonhadora, e outras coisas do tipo menina muito emo e muito gótica (ok, talvez nem tanto).

Eu sou uma leeeesma pra escrever, então sim, demoro meses pra escrever um capítulo, e ele acaba virando um misto de todas essas "eus" que vão aparecendo conforme a minha vida me deixa mais fofinha ou mais rabugenta.

(No momento estou mais rabugenta. Muito mais rabugenta do que quando escrevi esse capítulo. Mas vai passar. Acho.)

Entãaaao, sem mais enrolação inútil, vamos ao capítulo.

Boa leitura :)



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I hate to see your heart break
I hate to see your eyes get darker as they close
But I've been there before

Anna Taylor parecia mais saudável hoje. Talvez ela tivesse comido alguma coisinha. Aipo, não é? Já a tinha visto lendo revistas recomendando o aipo. Eu até havia procurado na Internet. O aipo [...], além de um vegetal muito saudável, rico em vitaminas,minerais e fibras, tem propriedades diuréticas  e depurativas, tornando-se o ingrediente ideal para qualquer dieta de emagrecimento. Isso explicava bastante. Ela também costumava a beber muita água. Sua garrafinha estava sempre cheia, e Anna Taylor seguia com ela por todo lugar. Eu me perguntava quanto tempo demoraria até que alguém percebesse o que estava acontecendo com a garota.

Eu poderia dizer algo.

Não. Quem era eu para falar qualquer coisa?

Eu havia lido bastante sobre anorexia. Notava sua palidez, seu cansaço, suas mãos nervosas. Às vezes ela precisava se apoiar em algum lugar, esperando que ninguém notasse. Mas eu notava.

Eu notava.

Mesmo assim, eu me irritava com os pequenos detalhes que eu perdia. Não sabia quanto Anna Taylor pesava ou se ela comia fora da escola. Não conseguiria pensar em um motivo melhor para sua anorexia a não ser estética. Mas seria isso mesmo? Droga, eu não conhecia aquela garota.

Quem eu conhecia?

— Bom dia, garota da biblioteca!

Assustei-me. Aaron Santoro estava encostado bem em meu armário, barrando completamente a passagem para mim. Ele nunca, nunca havia dirigido uma palavra a mim fora da biblioteca. Lá era o meu porto seguro, e era ali onde ele me visitava.

Visitas.

Era isso o que eu tentava me convencer a acreditar. Ele era apenas um visitante. Ele não modificava nada em minha vida. Apenas visitas. Não ficaria ali.

Ao longo dos dias, as visitas daquele garoto pareceram-me mais frequentes, e, talvez, menos desconfortáveis. Mas, mesmo assim, eu não podia deixar de pensar que ele era um intruso ali. Sempre com seus sorrisinhos, suas perguntas aleatórias, seus monólogos sobre coisa nenhuma. Intruso.

— Preciso pegar minhas coisas aí. Dá licença?

Ele levantou as sobrancelhas e batucou no cadeado de meu armário. Deixou a cabeça pender em minha direção, como se fosse me contar um segredo.

— Com que frequência você observa o céu, Binda?

— Eu não... O quê? - Aaron Santoro adorava me ignorar.

— Veja bem, eu disse observar, sabe? O ato de observar é diferente do de apenas ver. Porque você vê, mas não percebe de fato o que está bem diante dos seus olhos. Você já parou por um momento e se desprendeu de si mesma, olhou para o céu, e percebeu o que era aquilo?

Não respondi. A verdade era que eu não gostava de olhar para coisas tão inconstantes como o céu. Porque ele de fato era não era constante, mas de um jeito silencioso. Ninguém reparava, mas as nuvens nunca pareciam as mesmas, e as estrelas nem sempre estavam lá. Víamos o brilho de estrelas que ao menos existiam mais. Como poderia saber se tudo aquilo era real? Estava tudo tão... longe de mim. Eu nunca me sentia perto o suficiente para poder observar aquela imensidão. Não conhecia detalhes, não sabia o que era e o que não era real. Isso me sufocava.

Aaron bagunçou seus cabelos. Seu rosto era limpo.

— Acho que eu e você deveríamos sair para uma aventura. O que acha, hein? Sem patins dessa vez.

— Talvez eu esteja ocupada.

— É mesmo? Fazendo o quê, exatamente?

— Evitando você.

Ele fechou os olhos e deu uma risadinha. Começou a dar pequenos pulos no mesmo lugar, feito uma criança hiperativa. Balançou as mãos freneticamente.

Completamente louco.

— Vamos lá, Binda! - chamou, mas continuava pulando. - Não me deixa na mão aqui.

— Você tá louco? Sai da frente do meu armário.

— Diga que vai sair comigo. Vamos, vamos, eu tenho aula de Biologia agora.

— E se eu disser não?

Ele parou de pular. Inclinou-se em minha direção. A droga do sorriso ainda estava ali.

— Diga não.

Por que ele não parava de me desafiar? Eu estava farta disso.

Não.

— Ótimo, vou te esperar na saída para irmos, ok? Tchau, Binda! - Deu uma trombadinha amigável em meu ombro e saiu andando, sem me dar oportunidade de reagir. Aaron Santoro simplesmente não tinha freios. E, em meio à sua loucura, ele me levava junto.

Para onde íamos?

+ + +

Uma aula. Apenas mais cinquenta minutos, e tudo estaria acabado. Depois de três aulas sem intervalos, eu já não conseguia mais respirar o ar de dentro daquelas salas. Elas tinham cheiro de risadas, talvez fofocas... adolescência. Era impossível andar por ali sem tropeçar em alguma conta matemática perdida, restos maquiagem, embalagens de balas... Bagunça, bagunça. Sufocante.

Ignorei o amontoado de adolescentes parados em frente à porta do banheiro com a mesma intensidade que eles me ignoravam. Cogitei até mesmo dar alguns pulos e soltar alguns gritinhos, só para me certificar de que não era totalmente invisível. Não o fiz. Entrei no banheiro, silenciosa como sempre fui.

Não me surpreendi ao ver Sofia Biddle e Kylie Johak sentadas no chão do banheiro, gargalhando como se fossem as únicas no universo. E talvez fossem. Tentei não reparar nos novos brincos de pérola de Kylie. Tentei não encarar a trança arrumada de Sofia. Tentei não escutar a conversa das duas.

Ignorá-las era difícil. Ignorar a mim mesma era insuportável.

— Bem, não fiquei surpresa. Eles provavelmente iriam terminar de qualquer forma. Você já viu o quão chorona Alissa estava nos últimos dias? Com certeza estavam brigando.

Liguei a torneira. Bati o pé.

Não queria ouvir nada daquilo.

— Claro que brigavam. Evan estava dando em cima de Holly o tempo todo. Sinceramente, Sofia, se eu fosse Alissa, já teria terminado com aquele otário há tempos.

Apertei freneticamente o botão, esperando o sabão líquido escorrer para minhas mãos. Concentrei-me na textura, no cheiro.

— Evan não é um otário. Ele é um gato. Se fosse meu namorado, nunca o deixaria escapar.

— Ai, por favor. Ele é ridículo. Não namoraria alguém como ele nem em um milhão de anos.

— Tanto faz.

Por um momento, o silêncio se instalou entre ambas, e permiti-me suspirar, aliviada. Iriam parar de falar.

O silêncio, enfim.

Encarei a imagem translúcida refletida no espelho. Eu. E, ao fundo, duas garotas que ao menos sabiam quem eu era. Frágil, frágil.

Tudo se quebrou.

Sofia voltou a falar.

— Você soube que aquele tal de... Como era mesmo o nome dele? Ah!, sim. Aaron. O filho da coordenadora, lembra-se dele, Kylie? - Trocaram olhares. Abaixei o olhar para minhas mãos, ainda debaixo da torneira. Fechei-a. - Ouvi dizer que alguns alunos o encontraram ontem, em frente ao portão da escola, completamente drogado.

Minha exclamação foi encoberta pela de Kylie. A garota parecia surpresa, mas nada além disso. Nenhum traço de maldade, mas também nenhum de preocupação. Simplesmente não se importava.

De repente, quis gritar. Jogar palavras sobre elas. Quis dizer que Aaron não era aquilo, que estavam erradas. Não o conheciam. Ele estava comigo ontem, sem drogas, sem nada. Não poderia. Não havia como. Quis abrir os braços, quis ocupar aquele banheiro inteiro, a escola, o mundo; crescer até não sobrar nada mais.

Mas as palavras continuavam em minha língua. Passeavam por todos os cantos da minha boca, mas não sairiam. Eu sabia disso. Conformei-me. Aquelas garotas não sabiam nada sobre Aaron.

Mas o que sabia eu?

+ + +

Quando alcancei o carro de Aaron, não vi ninguém por perto. Dei alguns passos, a esmo, me aproximando do carro. Vi sua cabeleira alourada, os olhos fechados. Não havia nada em sua expressão. Não saberia dizer se estava dormindo, meditando, ou até mesmo morto.

É claro que não.

Com os olhos ainda fechados, Aaron Santoro sorriu. Esticou o braço e, pela janela aberta, puxou meu casaco.

— Vamos logo, garota da biblioteca. Você está me atrasando. - Sua voz era morna, como se estivesse na mais completa paz. Soltei uma risada baixa, observando sua mão que ainda segurava a manga de meu casaco. Tudo parecia tranquilo.

Ele abriu um olho só, fazendo uma careta para me espiar.

— Você nunca mais vai sair daí?

— Nunca mais.

Riu, e seus dois olhos se abriram. Eles pareciam diferentes, só que eram iguais. Iguais a tudo o que eu conhecia, ao que conhecíamos. Mas eram distantes.

Inconstantes. Talvez fôssemos todos.

Assim que sua mão me soltou, contornei o carro e sentei no banco do passageiro. O carro tinha cheiro de batatas fritas. Como não pude notar isso antes? Impregnava o ar inteiro.

O garoto ao meu lado permanecia em silêncio.

— Para onde estamos indo, Aaron Santoro?

— Isso é uma ótima pergunta, Binda May. - fez uma pausa. - Hum.

— O que é?

— Gosto de como o seu sobrenome soa. May, May, May. Maio.

Olhei para ele. A chama estava ali. Fraca, mas sempre ali. Afinal de contas, aquele era Aaron Santoro. Ele estava ali. Estávamos ali.

— Maio é um péssimo apelido.

— Que tal Maionese?

Sorri para mim mesma. Coloquei a cabeça para fora do carro. As ruas estavam vazias, e Aaron dirigia rápido o suficiente para que o vento fizesse com que meu cabelo voasse para todos os lados. Meu rabo de cavalo se desfez, e não me importei em refazê-lo. Músicas tocavam em minha cabeça, e Aaron estava ali, o cheiro de batatas fritas. A rua vazia, o vento, os pensamentos explodindo em minha cabeça...

Eu poderia voar agora.

O momento me invadiu, e eu não sabia como parar. E talvez não quisesse. Talvez eu ouvisse as risadas de Aaron Santoro, talvez estivéssemos em silêncio. Talvez o garoto tivesse buzinado, talvez tivéssemos gritado. Mas minha cabeça estava inclinada, o asfalto estava ali, e eu me sentia bem. Inteira. Meus olhos pareciam fechados, mas eu via tudo. Meu coração estava por todo lugar, minha essência impregnava tudo.

Parei.

Não gritei. Estava tudo intacto, mas eu não. Minhas mãos apertavam o banco no qual eu estava sentada, meus olhos fechados, a janela aberta. Mas o mundo não mudara após minha explosão silenciosa.

Nem ao menos um pouquinho.

+ + +

Tudo estava na escuridão. Eu sentia o chão sob meus pés e as mãos de Aaron em meus ombros. Estava frio. Talvez ele fosse me assassinar ali mesmo, e eu ao menos enxergaria minha morte. Existiam modos mais dignos de se morrer.

— Posso abrir meus olhos?

Ele fungou na minha nuca, mas não disse nada. Percebi que era a segunda vez em que Aaron me guiava por aí. E, surpreendentemente, eu confiava nele.

Paramos. Assustei-me com a voz do garoto tão perto de minha orelha.

— Um... Dois...

— Três.

Abri os olhos. Estávamos numa sala. Diversas fileiras de poltronas inclinadas estavam distribuídas em um círculo. No centro encontrava-se um aparelho que eu não conhecia. Minhas pernas tremiam, e preferi acreditar que eu estava com frio, não nervosa.

Aaron passou a mexer no aparelho enquanto eu perambulava por aquilo que parecia ser um auditório. Lancei uma olhadela para o lugar onde o garoto estava parado. Sua franja cobria seus olhos, então eu mal podia vê-los. Ligeiramente deslocada, dei alguns passos a esmo até sentar na beirada de uma das cadeiras da fileira da frente.

Ele apertou alguns botões, e o lugar escureceu.

— Não sei muito bem o que estou fazendo. - Riu fraco, ainda apertando botões.

— Hum... Aaron? Que lugar é esse?

O teto acima de nós começou a brilhar. Eram diferentes tons de azul que ondulavam por todo o local até então apagado, e pouco a pouco, aquela imensidão hipnotizou-me. Não percebi quando Aaron Santoro sentou-se ao meu lado. Ele me cutucou.

— Vem aqui, Maionese, você está toda torta. Essas cadeiras estão inclinadas por um motivo, sabe? - Ao olhar para ele, percebi que estávamos azuis. Deslizei na cadeira até chegar ao seu lado, e pude enfim ver seu sorriso de dentes azuis. Ele tinha um controle remoto em mãos. - Bem, estamos olhando para o céu. Quero dizer, não o céu que eu de fato queria ver. Mas acho que não podemos ter tudo, não é? De qualquer modo, Binda, esse é o céu. Céu, esta é a Binda. - Cutucou-me.

Pigarreei, sentindo-me um pouco boba:

— Muito prazer, céu.

— O prazer é todo dele. Bom, a apresentação já está programada, então vamos ter que assisti-la na ordem que foi imposta. Felizmente, somos especiais, então tirei o som. A partir de agora, tudo o que você ouvirá sairá de minha boca. Sei que você vai adorar, não é? - Ele estava sendo sarcástico, então tentei me chatear ao menos um pouco. Não consegui. Aaron adquiriu uma voz de narrador um tanto debochada. - Veja, o céu é algo que deve ser apreciado com cuidado. Temos de aceitar que ele é inatingível. E, bem, também é completamente indefinido, inconstante. Digamos que ele é apenas in. - Riu de si mesmo. Sua voz voltou ao normal. - Se me atrevo a dizer, diria que é mais indefinido do que qualquer outra coisa, mais do que o mar ou até mesmo o próprio ser.

Ajeitei-me na cadeira.

— É, vou ter que discordar. Sinceramente, Aaron, eu não acho que possa haver algo mais indefinido ou inconstante do que o ser. Entendo que o céu pode não ser uma constante, mas o que é? Quem é? Olhe para nós. Somos todos únicos, mas quem pode nos definir? Se olharmos para dentro de nós, o que haverá de definitivo?

— Binda, isso vai muito além de qualquer um de nós. Isso não é sobre o ser humano, não é sobre você nem eu. Pare por um momento. Saia de si mesma. Como eu disse, o céu é algo a ser apreciado com cuidado. Tire o "eu" de sua cabeça. - Ele se inclinou em minha direção e esfregou minha testa com o dedo indicador, como se de fato pudesse tirar algo de lá. Não pude evitar um sorriso. - Vamos observar o céu.

O azul voltou a oscilar, agora escurecendo. Uma a uma, diversas estrelas foram aparecendo. Passei o olhar por todo o teto, maravilhada.

— Bem, está vendo essa imensidão? Não é só o céu. Não conseguimos ver todas essas estrelas a olho nu. Acredito que é grandioso demais. Bom, então vamos lá. - Ele apertou botões em seu controle remoto. - Ah!, aqui está. - Um conjunto de linhas interligou algumas estrelas. Fiquei imaginando o que poderia ser aquilo. - A pomba Columba. Já ouviu falar? - Neguei com a cabeça. - Bem, Columba foi a pomba que deu a notícia a Noé de que o dilúvio tinha acabado. Bastante importante, não é? Talvez a humanidade inteira dependesse de Noé naquele momento. Gosto de pensar que Columba poderia ser uma grande, grande boa notícia.

Desviei o olhar de Columba para encarar Aaron.

— Sempre achei a história de Noé muito fora do que vivemos hoje em dia; todos os homens são pecadores, todos deverão sofrer as consequências de seus maiores pecados, como o de nascer. Então Deus dá uma chance a um cara que é virtuoso, inocente. E é isto, adeus para todos os outros. Isso me parece uma grande negação.

— Mas acho que a história passa uma sensação de esperança, não? Como se não importasse o quão fodido o mundo estiver, sempre vai ter aquele cara que vai pegar os animais dele e salvar o resto da humanidade. É reconfortante.

— É frustrante. Não podemos reconhecer que somos o que somos e não vamos ser sempre puros, inocentes. Se nascer for o meu pecado, e daí? Prefiro ser considerada uma pecadora a simplesmente recusar minha própria essência. E me desculpe ser isso é egoísmo demais para você, Aaron, mas é a verdade. É cansativo receber ordens de como condicionar a mim mesma para que eu faça a coisa certa sempre.

Surpreendi-me comigo mesma. Pela primeira vez, percebi que de fato queria fazer algo além de assistir. Além de fazer o que fui mandada. Eu estive aprisionando a mim mesma por todo esse tempo e ao menos percebi.

Aaron Santoro deu um sorrisinho.

— É sério que nossa primeira briga foi por causa da Arca de Noé?

— Nossa primeira bri... Não estamos brigando! É só... Não é nada de mais.

Permiti-me respirar e relaxar na cadeira. Estávamos ali vendo estrelas.

— Então tinha esse cara holandês. - continuou Aaron com voz calma, como se nada tivesse acontecido. - E... bem, está vendo essa constelação aqui? - Ele apertou o controle remoto, e um conjunto de linhas formou uma nova constelação logo ao lado de Columba. - Essa é a conhecida como Cão Maior. Enfim, o holandês separou a Columba do Cão Maior porque... bem, ela não se agrupava à grande Cão Maior. Columba não é a única constelação a ser considerada vizinha de outras maiores. E... isso é incrível. Olhe só para isso, Binda. É imenso. Talvez infinito. Quantas são as estrelas que ainda não conhecemos?

Havia uma imensidão acima de nós. Eram para aquelas mesmas estrelas que tantas outras pessoas olharam, sonharam, fizeram pedidos. Estavam ali, sempre intactas, ou talvez não. Cada uma com sua própria história. E, quanto mais pensava na proporção de todas aquele infinito, de todo aquele universo, menor eu deveria me sentir. Mas meu peito estava cheio. Eu mesma carregava aquelas estrelas em meu peito.

A apresentação acima de nós rodopiava, e as coisas pararam de fazer sentido por um momento. Éramos eu, Aaron, o céu; nenhum de nós. Até tudo parar.

Aaron Santoro me encarava com um sorrisinho. Ele estava azul novamente.

— Bastante impressionante, né? Você deveria ver sua cara. Completamente deslumbrada. - Eu não tinha certeza se ele conseguia me ver corar, mas desviei o olhar. - De qualquer modo, bem-vinda ao planetário do meu pai.

Surpreendi-me.

— Seu pai é dono disso tudo?

— É, bem... foi assim que meus pais se conheceram. Minha mãe... - Seu rosto se contraiu. Era evidente que ele não queria falar sobre a mãe, muito menos sobre o romance de seus pais. Aaron evitava o assunto com todas as suas forças, e não seria agora que eu o pressionaria a falar. Por isso, realmente acreditei que ele encerraria o assunto bem ali, no meio de uma frase. Mas as palavras deslizaram por sua boca. - Minha mãe sempre gostou de saber mais do que era esperado. Ela ia à todas as palestras que eram apresentadas aqui. Uma hora ou outra ela e ele tiveram que acabar trombando um no outro. Meu pai era completamente apaixonado por ela.

Era.

Ele suspirou, e sua respiração falhou. Achei que fosse chorar. Encarei seu rosto, sempre tão limpo, tão cheio, tão maravilhoso. Eu reconhecia seus sorrisos, suas risadas, suas piadas para quebrar o silêncio, e era eternamente grata por tudo isso. Acreditava naquele garoto. Mas também sabia que meu amigo não estava bem. Sempre soube, mas ambos ignorávamos isso. Sempre, sempre.

E percebi que queria vê-lo bem. Eu não conhecia o Aaron de antes, mas queria-o de volta. Nem se isso custasse o que tínhamos agora. Nem se ele voltasse ao seu mundo de antes e esquecesse quem era eu. Odiava ver seus olhos doces tão escurecidos, sua respiração tão falha quanto tudo à nossa volta.

Pela primeira vez, estendi a mão.

Alcancei seu pulso, sem nenhuma intenção a mais, nenhuma a menos. Senti sua pulsação, seu eu inteiro na palma de minha mão. Não olhávamos um para o outro. Meus olhos estavam nas estrelas acima de mim, nas estrelas dentro de mim. Aproximamos nossas cabeças. Seu cabelo espetava minha testa, e, pouco a pouco, sua respiração se acalmou.

— Onde você estava neste tempo todo, Binda May?

E, quando olhei em seus olhos, jurei ver neles as mesmas estrelas que eu sentia em mim mesma.


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Notas finais do capítulo

*timidez intensifies*

Gente, vocês já sentiram um negócio meio de arrependimento, orgulho e vergonha, tudo ao mesmo tempo? Sou eu quando escrevo alguma coisa. Eu termino, gosto, me orgulho, e aí... vou mostrar para os outros e sinto que aquilo foi a coisa mais vergonhosa que eu poderia ter escrito. Faz algum sentido?

Essa história é melosa ao quadrado mas eu não consigo evitar (can't stop won't stop). O Aaron é a encarnação das coisas fofinhas desse mundo. Simplesmente não dá pra mudar esse homem.

Mas de qualquer jeito, obrigada por ter lido até aqui.

Xx ♥



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