Páginas sobre a chuva escrita por Miss Houston


Capítulo 3
Não há distância para as lembranças




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Alguns reportes de uma revista a seguiram pelo aeroporto, mas Maya tinha consciência que talvez isso acontecesse. Ajeitou os óculos de sol no rosto, apressando os passos em direção ao portão de embarque. Nenhum segurança fez questão de escoltá-la, já que se tratava de uma sub-celebridade. Quando sentiu um flash contra seu rosto e ergueu uma mão, impedindo que mais alguém a fotografasse.

Por dentro sabia que o motivo de todo esse alvoroço era seu escandaloso divórcio que, infelizmente, a fez ganhar primeira página em revistas de fofoca. Não como a famosa Maya Kincaid, escritora de mistério impactante, mas como Maya Kincaid, ex- esposa de Darren Hendrix, um pequeno empresário do ramo musical. Eles eram visto como o Brad e a Angelina da música e da escrita. Maya trazia fascinação em suas obras e Darren tinha grandes expectativas nos artistas que investia.

Entretanto, o casamento não deu certo. E o que mais doía na mídia era ter apenas especulações, por isso era óbvio que eles fariam qualquer coisa para descobrir o que tinha causado a separação. Maya não tinha privacidade e isso a frustrava, tanto que os cigarros não estavam dando conta de conter suas emoções. Ela teve que enfrentar seu pior inimigo, o assassino que fez seu pai ser enterrado a sete palmos da terra. O álcool.

Seus passos não eram trôpegos pelo chão escorregadio do aeroporto e ela sentia que o sol queimava seus olhos. Todas aquelas vozes faziam com que ela quisesse arrancar suas orelhas. Sentindo o calor da raiva tomando conta de seu rosto, não conseguiu se conter quando um homem parou na sua frente e apontou a câmera diretamente para seu rosto. O flash a deixou bamba e somado a quantidade significativa de uísque que tinha bebido, foi impossível impedir seu ato impulsivo de acontecer.

Quando se deu conta, os seguranças que deveriam a estar protegendo estavam empurrando seu corpo magro em direção a uma cabine. Ela não embarcaria naquele vôo e teria que enfaixar a mão pela força do soco que tinha dado.

                                                           *********

Maya suspirou ao rever o vídeo de dois meses atrás. Seu soco no rosto do fotógrafo tinha sido tão certeiro que sentiria orgulho senão fosse trágico. Um pequeno jornal local estava reprisando sobre a sua carreira e vida pessoal antes de anunciar a notícia da chegada de um novo livro e era óbvio que aquele incidente seria mostrado.

Fechou a tela do notebook e se ajeitou na poltrona desconfortável do avião, esperando que seu vôo não demorasse a pousar. Ainda tinha lembranças recentes com aquele vídeo pelas consequências que geraram. Foi a última vez que tocou em um copo de bebida, foi a última vez que tentou viajar para algum lugar preferindo a reclusão e também foi a última vez que viu Darren. Quando ele entrou na sala em que mantiveram Maya presa, estava afobado e apreensivo. Uma esperança cresceu aos poucos no peito da escritora, apenas para ser destruída quando Darren a culpou de afundá-lo junto com ela.

— As notícias nos vinculam. O que você faz acaba se tornando responsabilidade minha. — ele murmurou raivoso.

Por mais que dissesse que não era culpa dela, não adiantaria. A bebida a tinha deixado culpada.

Felizmente, diferente da vez anterior, nenhum repórter atreveu-se a abordá-la. Talvez bater no fotógrafo não tivesse sido de todo um mal. Ela finalmente tinha o espaço que desejava. Poucas pessoas a pararam para pedir um autógrafo ou uma foto, mas eram fãs. E Maya amava os seus fãs.

Sentiu alguém cutucar seu ombro e embriagada pelo sono não conseguiu focar no rosto da aeromoça por poucos instantes. Quando seu cérebro a relembrou do local onde estava e o motivo de estar nele, ficou reta na cadeira prestando toda a atenção no que era lhe dito.

— Já vamos pousar, senhora. Pode colocar o cinto, por favor? — pediu.

Maya assentiu, obedecendo e levantou a persiana. O céu estava azul brilhante, por mais que a previsão do tempo tivesse alertado que não ficaria assim por muito tempo. Observou os prédio se aproximando aos poucos e o mar aberto de Miami. Os olhos de Maya brilharam diante da beleza daquele local e pensou que Lisa realmente tinha razão sobre ela viajar. Praticamente conseguia enxergar os casais se apaixonando na cidade.

Talvez escrever romances não fosse tão difícil.

                                               **********

Maya bufou tirando os fones de ouvido e se levantando da cadeira da escrivaninha. Estava sentada ali fazia quase duas horas e não tinha conseguido digitar uma palavra sequer. Era como se seu talento tivesse escorrido ralo abaixo junto com seu matrimônio. Quando ainda estava casada cogitou a ideia de se arriscar em um gênero diferente, mas o mistério e o suspense estavam tão entranhados nela que era quase uma segunda pele.

A casa de verão de Lisa era agradável, com um pequeno jardim a rodeando e cercas pintadas de branco. O tipo de casa que combinava com Lisa e seu jeito monótono de dona de casa. Desde nova a amiga sempre revelou o desejo incondicional de ter filhos e casar, fantasiava até que Maya e ela fizessem um casamento duplo. Como escritora, Maya poderia imaginar aquela casa sendo o cenário perfeito para que as fantasias de Lisa se tornassem realidade.

Enquanto isso, Maya tentava preencher a vida com cigarros e prazos impossíveis. Se ela fosse sincera em uma das entrevistas que raramente concedia, todos entenderiam o motivo de ela não se aprofundar nos romances. Seu passado impedia que isso acontecesse e estava bem implícito em seu bloqueio.

Seu celular tocou e ela sentiu um alívio. Pelo menos até ver que se tratava de Gerry.

— Como está a minha escritora de romance favorita? — gracejou.

Maya passou os longos dedos por seus cabelos escuros, sentando-se na beirada da cama.

— Estou pensando nas maneiras menos dolorosas de suicídio. — murmurou. Sabia que seu agente estava revirando os olhos pela demonstração exagerada de descontentamento. — Você viu que fizeram um apanhado da minha vida? E reprisaram aquele maldito vídeo. Tanto esforço para construir uma carreira e em apenas um erro me tratam como a Lindsay Lohan.

Gerry riu.

— Não se preocupe, Maya. Em um ou dois anos garanto que todos vão ter esquecido. — garantiu. — De qualquer maneira só liguei para ver se tinha chegado bem. Não quero mais te atrapalhar. Boa sorte. — desligou.

Claro que Maya sabia que era mentira. Essa era a pior parte de ser reconhecida. Depois de cometer um erro, o público nunca esquecia. Por mais que o tempo passasse, seus erros estavam marcados na sua bibliografia. Gerry também sabia disso, mas preferia manter seu emprego dando apoio para sua agenciada. Maya se levantou aproximando-se da janela e viu que a previsão do tempo talvez estivesse certa.

O céu tinha escurecido e estava preenchido por nuvens cinza. Assim que seu dedo roçou no vidro, a primeira gota atingiu a janela. Atraída, Maya abriu a janela sendo recebida por um forte vento contra o seu rosto e o cheiro de chão molhado. Respirou fundo, impressionada como curto tempo que demorou para a simples garoa se tornar uma chuva acompanhada de raios. Era como se os deuses estivessem furiosos com sua presença.

Se isso tivesse ocorrido de dois a três meses atrás, ela teria respondido agraciando Dionísio ao erguer um copo de bebida. Mas, naquele momento ela só pode ficar parada olhando para a chuva caindo sentada na beirada da janela com um cigarro aceso entre os dedos. No ângulo em que estava conseguia ver o quintal do morador do lado e percebeu imediatamente o contraste. Era vazio e seco, como se o dono não tivesse nenhum interesse de mantê-lo. Maya lamentou. O terreno era visualmente maior do que o de Lisa e poderia ter um resultado maravilhoso se tratado com carinho.

Sua calmaria foi brutalmente substituída por preocupação quando ela escutou o primeiro grito vindo do vizinho. Era cru e doloroso, como um animal sendo torturado. Maya desceu da beirada, apagando o cigarro no batente e se inclinou para frente escutando o segundo grito. Dessa vez era acompanhado de objetos se quebrando. Pegou o celular, discando o número de Lisa.

— Lisa, acho que seu vizinho está sendo morto. Devo ligar para a polícia?

— Meu vizinho? — perguntou confusa. — Anthony voltou do exército?

Maya bateu o pé frustrada com a falta de resposta de Lisa.

— E a parte de ele estar gritando e quebrando a casa? — perguntou à amiga. Como se estivesse esperando o momento promissor, outro grito foi ouvido acompanhado do barulho de algo se estilhaçando. — Lisa, vou ligar para a polícia. — decidiu.

— Não! — Lisa gritou com urgência. Pigarreou e gaguejou algumas vezes, como se procurasse as palavras certas para explicar a situação. Um barulho maior foi escutado e Maya suspeitou que o vizinho tivesse acabado de quebrar uma das janelas. — É complicado. — finalmente disse em um triste sussurrar. — Mas, Maya, não importa o que aconteça, não chame a polícia e nem vá até lá. Escutou?

Sim, Maya tinha escutado, mas sua curiosidade falou mais alto. Em meio aos protestos de sua amiga desligou o telefone, preparando-se para enfrentar uma situação desconhecida. Caminhou com determinação até o imóvel ao lado – ignorando veementemente todos os gritos e os objetos quebrados que a faziam encolher – e bateu na porta.

Um silêncio mórbido preencheu o local, entretanto Maya não sairia até ter certeza que seu vizinho não estava em uma luta mortal com um bandido. Ou, até mesmo, que ele fosse o bandido. Passos foram escutados e o clique antecedeu a abertura da porta.

Quando Maya viu seu vizinho, ela perdeu o fôlego.  


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