Sem-Coração escrita por Ju Do


Capítulo 1
Capítulo 1: A Rainha




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Capítulo 1: A Rainha

 

Era uma a vez a Princesa de um reino distante. Ela vivia com o Rei e a Rainha num castelo e seus pais governavam o reino, que era grande e próspero.

Até que um dia um dragão atacou o reino e começou a destruir cidades e a aterrorizar a população, devorando quem ousasse se interpor em seu caminho. O Rei vestiu sua armadura brilhante, pegou seu escudo inquebrável e sua espada mágica, convocou a Ordem dos Cavaleiros, o grupo de melhores guerreiros do reino a seu serviço, e partiu para enfrentar o dragão. A Rainha e a Princesa permaneceram no castelo, esperando ansiosamente por notícias.

Semanas depois, chegou um mensageiro. O dragão tinha sido morto. Mas, durante a batalha, havia conseguido matar cada um dos Cavaleiros. E, por último, antes de morrer, havia soltado um jorro de chamas em cima do Rei, que morrera das queimaduras horas depois. O mensageiro trouxera, a seu pedido, a armadura brilhante, o escudo e a espada de volta para a esposa e a filha.

O reino inteiro vestiu luto pela morte do Rei, mas ninguém o chorou mais do que a Rainha. Ela parou de comer e não falava mais com ninguém, vivendo reclusa em seu quarto no castelo. Algumas semanas depois, morreu durante a noite.

E foi assim que, no outro dia, nossa Princesa foi coroada Rainha.

 

 

A nova Rainha fora a única que sobrara para governar o reino. Ela o fazia com responsabilidade e diligência e, durante o dia, mantinha-se ocupada com os afazeres reais. Mas, quando a noite chegava, e ela se via sozinha em seu quarto, a Rainha não conseguia dormir. Ela se deitava na cama e, olhando para o teto, lembrava de sua família. E as lembranças a enchiam de dor, e ela ansiava por parar de lembrar e, ao mesmo tempo, temia esquecer. E então ela lembrava e lembrava a noite toda, com lágrimas rolando por seu rosto, até o sol nascer e ela ter que colocar sua máscara de Rainha novamente.

O reino prosperava, mas a Rainha enfraquecia. Seus olhos estavam sempre vermelhos e suas olheiras se alongavam. Ela emagrecia e emagrecia, até que seus ossos começaram a aparecer por baixo da pele.

A Rainha sentia como se fosse morrer a qualquer momento. Mas ela tinha um reino para governar, e se não fosse ela a fazê-lo, quem faria? Então, uma noite, enquanto aguardava, insone, o dia nascer, ela tomou uma decisão. Pegou sua capa, cobriu o rosto com um capuz e saiu do castelo na calada da noite, procurando a Bruxa.

Agora, você pode pensar que isso seria uma má ideia, procurar uma tal de Bruxa na floresta no meio da noite, sozinha. A maioria das pessoas do reino concordaria com você. Mas a Rainha havia alcançado o limiar do desespero e não pretendia abandonar sua vida sem antes lutar por ela. Ela tentaria de tudo.

Enquanto avançava pela floresta escura, ela se lembrava de uma conversa que tivera com sua mãe, quando era criança.

“Nunca vá à floresta depois do anoitecer,”, a mãe falara, “pois lá vive a Bruxa, e quando o sol se vai, ela acorda.”

“O que é a Bruxa?”

“Ninguém sabe o que a Bruxa é. Ela assume a forma de uma mulher, mas é antiga demais para ser uma mera humana. Ela estava nesse mundo antes mesmo de os homens existirem, e por ser antiga, tem grande poder.”

“Ela é má, mamãe?”

“A Bruxa não é má nem boa, mas isso não a torna menos perigosa. Ela não compreende nossos conceitos de Bem ou Mal e, portanto, ninguém sabe quais são suas intenções. Tenha sempre cuidado com criaturas que você não pode compreender. Cuidado com a Bruxa.”

A Rainha tremeu ao avistar uma cabana de ossos no meio da floresta, com uma fogueira ardendo na frente e um vulto encapuzado sentado perto do fogo. Ela quase voltou atrás. Mas as lembranças a fizeram continuar em frente.

Ela foi em direção a fogueira e se sentou também junto ao fogo, aguardando, quieta. Levou quase um minuto para que o vulto se voltasse para ela. Seu rosto estava encoberto pelas sombras do capuz, mas a Rainha conseguiu distinguir algo que se assemelhava com olhos que brilhavam, negros como o céu sem lua.

— Você é a Bruxa? - ela indagou.

— Eu sou a Bruxa. - a velha confirmou, a voz grave e rouca. - O que você busca?

— Eu quero não sofrer mais - a Rainha pediu.

A Bruxa a encarou por um longo momento antes de falar novamente.

— Não é possível ter o doce sem o amargo. - ela declarou.

— Eu não me importo. - a Rainha respondeu, sua voz tremendo. - Só quero que a dor pare.

A Bruxa pareceu pensar por uns instantes. Então se levantou.

— Como quiser. - ela disse, e entrou na cabana.

A Rainha aguardou por longos minutos antes que a Bruxa voltasse, com uma faca de osso na mão.

— Aqui. - ela entregou a faca. - Com a mão direita, enfie a faca no lado esquerdo de seu peito, fazendo um corte vertical. Com a mão esquerda, enfie a mão no buraco e arranque seu coração. Você não vai sofrer mais. Mas cuidado! Seu coração vai ser sua vulnerabilidade. Se alguém tomar posse dele, você voltará a sentir, mas essa pessoa terá seu maior ponto fraco nas mãos. E, uma vez arrancado, seu coração nunca poderá ser posto novamente no peito.

A Rainha assentiu e agradeceu. A Bruxa não disse mais nada, voltando a sentar na frente da fogueira. A Rainha estremeceu brevemente e voltou para o castelo.

De volta a seu quarto, ela sentou na beirada da cama, olhando para a faca de osso. Não sabia se deveria confiar na Bruxa. Mas, por outro lado, o que mais ela poderia fazer? Não poderia continuar do jeito que estava. Era melhor morrer. Com esse pensamento, ela desabotoou os botões do vestido. Pegou a faca com a mão direita e a enfiou no lado esquerdo do peito.

Não houve dor. A Rainha aguardou um momento, olhando para a faca enfiada em seu corpo. Não saía sangue. Com um movimento rápido, ela fez um corte vertical e tirou a faca.

Com cuidado, colocou a mão esquerda no corte e tateou até sentir o próprio coração. Delicadamente, tirou-o do peito.

O corte fechou, deixando apenas uma cicatriz prateada. Ela olhou para o próprio coração em sua mão. Estranhamente, não sentiu mais medo. Colocou a faca e o coração na cabeceira de sua cama e deitou-se. As lembranças vieram, mas ela descobriu que não sentia dor com elas. Tranquila, a Rainha adormeceu.

No outro dia, ela pediu para que o ferreiro real construísse uma caixa de aço com um cadeado impossível de ser quebrado, e lá colocou o seu coração e o trancou. Agora, nada nunca poderia machucá-la. Com isso resolvido, ela voltou a governar e sua saúde melhorou. O reino prosperava novamente. E, ao longo de todo o mundo, ficou-se sabendo daquele reino tão grande e rico, governado pela Rainha Sem-Coração.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Como deu pra notar, a história é baseada nos contos de fada que eu lia quando menor, principalmente nas histórias dos irmãos Grimm.
Espero que todos se divirtam ao ler, tanto quanto eu me diverti em escrever. Perguntas? Elogios? Críticas? Todos serão bem recebidos.
=) Até o próximo capítulo!



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