Aquele não foi o primeiro beijo.

O primeiro beijo havia sido milênios atrás quando eles eram outras pessoas e até o fato de respirarem o mesmo ar era um pecado.

O primeiro beijo havia sido também o último, um beijo certo dado na pessoa errada quando eles nem mesmo sabiam quem de fato eram, especialmente quem eram um para o outro.

O primeiro beijo havia sido também depois do reencontro, no calor do momento. Explosivo e cheio de saudade, no desespero de encurtar uma distância de duas existências, no êxtase ao descobrir que a morte havia sido superada, antes da realidade e todas suas complicações tomarem importância, antes do calor do impulso passar.

De fato, aquele não havia sido o primeiro beijo, mas era a primeira vez que não havia culpa.

Quando os braços dele a envolveram, ela soube que aquele era o lugar ao qual ela não foi destinada, mas havia escolhido estar. Pois o destino podia ditar cada aspecto central de suas vidas, mas não aquilo, aquilo era só deles.

Quando ela pressionou o corpo contra o dele e ele pôde sentir cada curva do corpo dela, o quão acelerado batia seu coração, ele soube o quão real ela era. Mais que a reencarnação de uma Deusa, mais do que uma princesa de um reino distante ou uma guerreira lendária, ele, naquele momento, só conseguia enxergar a mulher a sua frente, sem ser erguida em pedestais além de seu alcance, de carne, osso e sangue e não a criação disforme de idealizações.

Quando ele afundou o rosto na curva de seu pescoço e ela foi invadida pelo perfume dos cabelos dele, ela quase chorou pois soube que havia finalmente encontrado a fonte de um perfume que por muito tempo assombrava suas lembranças, mas parecia perdido há tanto tempo que ela havia se convencido de que não era real. As notas de sândalo, bergamota se misturavam a algo que era somente dele a encheram seus pulmões a intoxicando e a entorpecendo melhor do que qualquer droga que havia provado em sua longa demais vida.

Quando seus lábios finalmente se tocaram e ele soube que jamais encontraria nada que se comparasse à sensação macia e quente dos lábios cheios dela contra os dele. E naquele momento ele quase se perdoou pelos erros do passado, pois compreendeu o quão fácil seria desistir de tudo que ele amava e acreditava ser correto para reviver aquela sensação repetidas vezes.

Quando ela aprofundou o beijo, partindo os lábios dele com os seus próprios e escorregando a língua pelo céu da boca de seu amante sentindo a onda de pura eletricidade atravessar seu corpo fazendo com que ela buscasse um contato ainda mais profundo junto a ele, ela soube que aquilo valeria a pena. Não seria fácil. Se ela havia aprendido alguma coisa com tantas falhas, era de que a história deles dois sempre seria complicada, mas as coisas eram diferentes agora, eles eram diferentes agora e tinham completa consciência disso e de quem eram.

Aquele não havia sido o primeiro beijo, mas foi o primeiro em que eles eram equivalentes, o primeiro em que não havia nada entre eles, o primeiro que eles poderiam compartilhar sem medo de que fosse o último.