As Teias de Chawon escrita por BiakaSantos


Capítulo 4
Dance comigo


Notas iniciais do capítulo

The L Brothers, muito, muito obrigada pela recomendação ♥



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Entre todos os feriados de Chawon, os festivais comemorativos das estações de ano eram os mais importantes. Os mais desejados. Os que os comerciantes mais idolatravam. A primavera havia chegado naquele pedaço de terra. Era motivo de alegria.

Lukas descobriu assim que chegou no centro da festa que aquele evento era especial para aquelas pessoas. Quatro vezes por ano, eles se uniam por cinco dias e esqueciam as diferenças. Eram três aldeias comemorando a aliança começada há mais de cem anos. Sua paixão por história era um dos efeitos colaterais de viajar no tempo. Um ótimo efeito colateral. Era difícil não se apaixonar por eventos do passado quando se tinha a capacidade de visitá-los quando desejasse.

Quatro vezes por ano, três aldeias afastadas do centro do mundo se uniam nas antigas ruínas de um vilarejo a alguns quilômetros de distância. A comemoração durava o dia inteiro, então havia a possibilidade de dormir nas ruínas para quem não quisesse fazer toda a caminhada de volta às aldeias no final do dia.

— Onde você arranjou essas roupas? — repetiu.

A menina da floresta abriu um sorriso torto. Lukas franziu a testa. Será que ela não era quem ele pensava ser? Será que, na verdade, ela era filha de alguém importante para uma das aldeias? Afinal, de onde mais ela teria tirado vestes tão elegantes?

— Você não me disse o seu nome.

— Você não me perguntou.

Por favor, não seja Diana.

— Bem, considere isso uma pergunta.

A menina da floresta o encarou por alguns segundos antes de continuar andando por entre as ruas das ruínas do antigo vilarejo.

— Pra que você quer saber tanto?

Lukas deu de ombros. Tentou disfarçar o nervosismo na voz.

— Curiosidade só.

— É Diana. E o seu?

As pernas de Lukas perderam a vontade de se movimentar. O barulho da festa noturna desapareceu. Era como se toda a energia do universo tivesse se extinguido num estalar de dedos. Ele mal sentia o chão sob seus pés. A sensação era semelhante a de acordar após um sonho muito bom. Um sonho do qual não se quer sair. Não ter certeza se aquela menina era mesmo Diana estivera fazendo bem a Lukas, mas ele só percebeu isso naquele momento. Aquele momento que parecia ter congelado a circulação do sangue em suas veias e artérias. A sua respiração, o seu corpo. Lukas sentia as pessoas felizes ao redor, mas não parecia real. Viu com seus olhos azuis paralisados a menina fazer uma pergunta. Não parecia real. Não podia ser real.

Mas era.

— Não vai me dizer o seu nome?

O momento de paralisia podia ter durado apenas uma fração de segundo, assim como trinta minutos. Ele nunca saberia.

A menina Diana mexeu os lábios numa outra pergunta e Lukas se esforçou para destravar a audição.

— ... bem? Parece que viu um fantasma.

Ele lutou para encontrar as palavras.

— É...  Só... — Vamos lá, cara. Foco. — Hã... — A língua dele estava mole. Todo o seu aparelho fonador parecia ter esquecido como funcionava. Se fosse possível ter um derrame aos dezessete anos, estando saudável e forte, Lukas ficaria preocupado. Seria o primeiro pensamento de quem olhasse por fora, assim como aquela Diana fazia naquele instante.

— Você tá bem, cara?

Antes que ele tivesse a chance de tentar novamente, um rapaz passou correndo pelos dois, chamando atenção de todo mundo com seus gritos empolgados e aleatórios. Lukas foi o único que não conseguiu olhar para o maldito. Ouviu algumas pessoas rindo e tentou se concentrar nisso.

Visualizou as palavras fugitivas e brigou com o seu corpo na intenção de retomar o controle.

— Sim. É só um pouco de cansaço. E fome.

Aquela Diana revirou os olhos castanhos e riu.

— Você realmente parece estar morrendo de fome.

Ela puxou o braço dele e liderou o caminho até as ruínas de um prédio bem no meio do vilarejo. A maior parte dos muros estava destruída, como se um tornado insistente tivesse feito uma visita ali. Apesar da falta de paredes, as pessoas dançavam ao som de uma balada cantada por três mulheres e um homem num palco improvisado. Nos cantos das paredes inexistentes estava a comida.

Apesar do embrulho no estômago, Lukas escolheu alguns salgadinhos de peixe das profundezas do mar. Sabia que se arrependeria mais tarde se não tentasse forrar o órgão com alguma coisa. O cheiro de alho vinda da mesa encheu sua boca de saliva.

Ele demorou alguns minutos para perceber a ausência daquela Diana ao seu lado. Olhou ao redor ainda bebendo suco de melancia e engasgou. No meio do salão sem paredes, mexendo o corpo no ritmo da música, estava Diana. Naquele momento Lukas aprendeu mais uma coisa sobre sua futura acompanhante de viagens: ela só não era mais agitada do que aquela música porque era fisicamente impossível.

A menina sentiu os olhos de Lukas nela e esticou a mão. Ele ergueu as sobrancelhas e Diana sorriu, chamando-o com os dedos. O rapaz balançou a cabeça e ela rodopiou sem sair do lugar. Os movimentos dela eram sensuais, apesar da letra não condizer com eles. O quadril e as mãos eram as partes de seu corpo que mais se movimentavam. Aquela característica em Diana não mudaria nada; Lukas lembrava-se desse detalhe em sua Diana.

Quantos anos separavam as duas? Ele queria muito entender, principalmente naquele instante, o que o pirata gorducho quisera dizer por “ano das festas”.

Ele teve uma ideia. Talvez ela já soubesse o significado daquele mistério. Ano das festas. Lembrava-se da Diana do futuro comentar sobre ele ter segredado-lhe a data, mas a bendita amnésia o impedia de saber mais. Talvez “ano das festas” fosse apenas uma informação básica que ele não possuía.

Lukas se afastou das mesinhas de comida. Uma nova música começara a encher o salão das ruínas e ele sentiu seus pés acompanharem o diferente ritmo instintivamente. Diana ria de braços cruzados. Alguns casais se reuniram na pista de dança para aquela música em especial.

Antes que ele pudesse formular a pergunta, a voz dela encheu seus ouvidos.

— Ah, então você é das lentas.

— O quê?

Diana revirou os olhos e puxou-o para perto de si. Sem nenhum dos dois perceber, já estavam dançando.

— Você recusou os meus convites para a música mais agitada. — Um casal que dançava ao lado deu espaço a eles. — Então começa uma lentinha e você aceita. Ou você é um idiota ou um preguiçoso.

Ela não estava brava. Lukas sorriu sem graça e retrucou.

— Talvez eu só não esteja a fim de dançar.

— Mas tá dançando essa.

— É.

Ele deu de ombros. A vontade de desvendar o mistério feito pelo pirata gorducho era real, mas servia apenas de fachada. Na verdade mesmo, ele estava era com medo. Medo de qual seria sua reação ao ficar tão perto daquela Diana. Fisicamente e emocionalmente. A imagem do corpo mutilado no navio destroçado não saía de seu subconsciente. Lukas não sabia se sobreviveria àquilo mais uma vez.

No entanto, era difícil resistir. Havia química ali e ele sentia que era o único a senti-la. Quem olhasse por fora, veria que os dois eram o centro de vários olhares. Algumas moças da idade de Diana cochichavam sobre os belos olhos do novo garoto. Faziam apostas de com quem ele aceitaria namorar. Alguns dos rapazes espalhados pelo salão cogitavam a possibilidade de Diana aceitar outro par de dança.

Lukas não estava ciente de nada disso. Só conseguia pensar numa coisa: aquela podia ser uma segunda chance.

Estaria ele encarando a chance de reviver todas as lembranças roubadas? Poderia ficar para conhecê-la. Poderia passar por tudo novamente, como se fosse a primeira vez. E, no final, em um número de anos que ele desconhecia, perdê-la para uma bomba.

Ou poderia recusar. Sumir da vida de Diana naquele momento seria perfeito também. Num momento em que eles mal se conheciam. Num momento em que ele seria apenas mais uma pessoa aleatória na vida dela. Recusar aquela segunda chance... Ele seria um desconhecido qualquer que preferia as músicas lentas para ela. Para ele, restaria torcer para esquecer de Diana com o passar dos anos.

Das duas formas, ele a perderia.

Lukas murmurou alguma coisa sobre cansaço e saiu da pista de dança. Ele precisava pensar. Precisava fazer uma escolha da qual, com certeza, se arrependeria. Em alguns dias ou anos. O arrependimento chegaria e disso ele não duvidava. O arrependimento chegaria e disso ele não duvidava. Com Diana por perto ficava difícil ser racional em relação aquele dilema. A Diana que poderia, um dia, tornar-se aquela morta há poucas horas. Num futuro que ele talvez tivesse como mudar.

Muitas pessoas adorariam ter a habilidade de viajar no tempo. De poder mudar escolhas estúpidas que fizeram. Erros que cometeram. Lukas sabia que não era tão simples assim. Ele odiava do fundo do coração ter essa habilidade. Não entendia o porquê de ter nascido daquele jeito. Odiava em especial as viagens que ele não controlava.

Como aquela.

Poder reviver tudo mais uma vez, como se fosse a primeira vez? Tentador e doloroso. Desaparecer da vida daquela Diana e torcer para superar com o passar do tempo? Igualmente tentador e doloroso.

De súbito, ele soube o que tinha que fazer. A resposta estava ali o tempo todo...

No mesmo instante, um comerciante adentrou o salão sem paredes. Gritava alguma coisa sobre terem roubado algumas de suas roupas à venda. Diana agarrou o braço de Lukas quando o comerciante esbravejou sobre vingar-se de uma ladra.

— Ladra? — murmurou Lukas incrédulo para aquela Diana. Ela ria.

— Você é bonito e parece inteligente, — falou ela enquanto puxava-o para fora do salão, sem chamar atenção das pessoas. — então pensa aí numa forma da gente não ser preso.

— Da gente?! Você é quem roubou!

Diana encarou-o sob a fraca iluminação da lua minguante.

— E você é quem tá vestindo a roupa roubada. Anda logo! E fale mais baixo. De lerdo aquele comerciante não tem nada. Assim que ele acalmar, vai se lembrar do meu nome. E aí ferrou pra gente. Pra gente, sim! — resmungou em resposta à careta de Lukas.

— Sua fama é tão grande assim?

Ela abriu um sorriso sarcástico.

— Eu nunca disse que era santa.

Lukas queria era rir de toda a situação. Finalmente vencia o pior dilema de sua vida até então e, de repente, acontecia aquilo! Parecia uma piada de mau gosto.

— Eu tenho um jeito de te livrar disso. Tente não ficar assustada.

Diana olhou para ele, confusa. Lukas aproveitou o breve momento de silêncio, agarrou as mãos dela e fechou os olhos. Concentração. Visualização. Materialização. Era apenas mais uma viagem pelo espaço.

Lukas soube que dera certo ao ouvir a exclamação de Diana. Abriu os olhos.

As ruas estavam desertas. Eles não estavam mais nas ruínas de um vilarejo perdido no passado distante. Aquela era a cidade Quatro Reis. A maior cidade de Chawon. Mesmo à noite, podia-se ouvir vozes alegres dentro das casas e prédios ao longo das ruas. As lojas fechadas. A escuridão só não tomava conta daquele lugar por causa das janelas abertas.

— O... Quê?! Que... Lugar... Quê?! — Diana olhava em volta, extremamente atordoada. Ela se abaixou e tocou o chão de pedras de um tom escuro de azul.

Lukas pigarreou e ela ergueu a cabeça, sem conseguir fechar a boca tamanha a surpresa.

— Cidade Quatro Reis... Diana. Diana... Cidade Quatro Reis. — Ele estava nervoso. Tinha que agir logo. — Aqui é bastante diferente das aldeias. Cidade grande, sabe. É aqui que a família imperial mora. A moeda local é o arian. Eu... — Ele catou o dinheiro que possuía no bolso da nova calça e estendeu a ela todas as moedas da cor bronze. — Você vai precisar delas.

— Como... Assim? — Ela se ergueu meio tonta.

Os lábios de Lukas tremeram.

— Eu... Não posso ficar. Sinto muito.

Diana piscou os olhos.

— Quem é você? — A voz saiu num sussurro. Mesmo baixa, ecoou pelas ruas desertas da cidade Quatro Reis. Ela estremeceu e apertou os braços contra o corpo.

Dessa vez, o sorriso de Lukas refletiu toda a sua tristeza.

— Só um garoto que dançou contigo uma música muito boa.

Risadas vindas de uma das janelas abertas atraíram o olhar de Diana automaticamente. Ela examinou as crianças alegres numa das casas por um momento e voltou a olhar para a frente. Suspirou, frustrada.

Estava sozinha.


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Notas finais do capítulo

Falta só um capítulo para aqui ficar atualizado com a história no Wattpad. A quem se interessar, estou participando do #Wattys2016. Se puderem, votem, comentem e compartilhem a história de lá tbm! ♥



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