Os de azul não dançam bem escrita por Ped5ro


Capítulo 5
A Lebre e a Tartaruga


Notas iniciais do capítulo

Preciso que vocês segurem minha mão nessa hora (quem ainda está me acompanhando!), vamos superar isso juntos galera, vamo lá! hahaha espero que cês gostem :3



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Tinham acontecido tantas coisas depois do funeral. Foi uma maluquice.

Todos os irmãos do meu pai conseguiram chegar a tempo do enterro, assim como meus primos. Pelo menos no funeral. Foi uma sensação estranha ver o caixão do vovô descer por aquele buraco, ouvir o som das pás de terra, uma por uma, sepultando um corpo que um dia já me abraçou tão forte. Embora, mais tarde, finalmente tenha compreendido, que o vô Guido não morreu de verdade, não pra mim, não enquanto eu pudesse me lembrar dele, das brincadeiras, das danças em cima da mesa nas festas, a risada que parecia ficar cada vez mais alta de acordo com as horas. Se eu deixasse permanecer isso tudo dentro de mim, ele nunca morreria de verdade. Ele deixou uma cicatriz no mundo, no meu, no meu tempo. Isso não pode ser pouca coisa.

E no dia seguinte, todos foram seguiram para o sítio. O clima era pesado, eu podia sentir, embora não quisesse compartilhar dele. Queria chegar lá como meus primos, que riam e se empolgavam cada quilometro mais distante de casa e mais perto de chegar. Todos eles eram mais novos do que eu ⏤ todos os quatro ⏤, sendo o Augusto o mais próximo da minha idade, acho que só uns 3 anos mais novo. Ele era também de quem eu mais gostava. Filho único do meu tio Hugo, ele morava em outro estado, por isso tínhamos muito pouco contato, salvo as raríssimas vezes em que ele, inesperadamente, me ligou ou dos poucos e-mails que começamos a trocar recentemente. Tudo meio sem assunto, já que ele ainda tinha um certo espírito infantil, mas fazia de tudo para escondê-lo de mim. Mal sabia ele que eu achava isso muito bonito, me fazia lembrar de mim, embora muito mais novo. Talvez fossem as lembranças de infância que me enchiam a cabeça a maior parte do tempo, dos jogos que inventamos, eu e ele, juntos, essas coisas e muitas outras. Eu nunca disse isso a ele porque tinha medo de que ele não me compreendesse bem ou que me ouvisse, coisa que ele sempre faz com mais atenção do que eu gostaria, mas fingisse uma compreensão que só me decepcionaria. Um dia eu poderia vir a dizer essas coisas à ele, mas só quando fossemos capaz de recordar os mesmos sonhos passados.

Um pouco mais pela tarde, na hora em que a leitura do testamento começou, eu não fazia ideia do motivo de pedirem minha presença na sala, sendo que todos os meus outros primos estavam lá fora, correndo, se escondendo ou dormindo, não sei. Meu pai ficou às minhas costas, segurando meus ombros com mãos firmes, de uma maneira que parecia ter medo que eu caísse. Eu não caí, mas quase.

— Eu, Giuseppe Bernardi Fin, também deixo minha propriedade, o Sítio Calmaria, para meu neto mais velho, filho de Yvan e Regina. Mas se, na ocasião do meu falecimento, for ele ainda menor de idade, a propriedade ficará sob a responsabilidade de Theo… - o resto eu não entendi ou não escutei bem. Quer dizer que o sítio é meu?

Aquilo me deixou apavorado, mais ainda depois que eu escutei sem querer a discussão do meu tio Hugo com a mulher, o ser mais esnobe e orgulhoso da família. A vovó não gostava muito dela. Eu não conseguia pôr na cabeça o porque alguém tão simples e inteligente como tio Hugo, tinha se casado logo com aquela maluca.

— Mas como é possível Hugo? Deixar uma casa enorme pra um moleque, porque não para o nosso filho? Por acaso ele era o favorito? Eu não entendo, NÃO! - ela falava cada vez mais alto, mesmo com a porta fechada, dava pra escutar bem.

— Fale baixo, se não percebeu, meus irmãos estão aqui. E você faria muito bem em respeitar os desejos do meu pai, que importa a casa? Ele repartiu tudo que tinha igualmente entre todos, inclusive deixou dinheiro mais do que suficiente para a educação do Augusto.

— Mas porque não vender a casa e repartir o dinheiro? Deve ter algum jeito de anular essa parte do testamento. - ela tentava argumentar, ainda tinha raiva na voz, mas era mais contida agora.

— Você ficou maluca? Anular essa parte do testamente seria o mesmo que invalidar todo o resto. Meu pai ainda estava são quando escreveu e o advogado aprovou, não vejo motivo pra reclamar disso e espero que você não mencione nada disso com ninguém. Essa casa é do garoto e só cabe a ele decidir o que fazer com ela. - ele respirou fundo e foi caminhando em passadas pesados porta a fora. Me escondi antes que a mão dele girasse a maçaneta.

Aquela conversa tinha sido surreal. Pensei em contar para meu pai ou minha mãe, mas era melhor deixar do jeito que estava, só eu saberia. De que serviria contar se eu estava ouvindo atrás da porta? Não queria que pensassem que eu era do tipo que “ouve coisas atrás das portas”, eles poderiam muito bem negar tudo. De qualquer maneira, não faria diferença pra mim. Ainda doeria pensar naquele espaço todo sendo meu, na solidão que ele agora carregava com a partida do vô e da vó.

Sem pensar, meus pés me levaram para meu quarto, esse que eu dividia com o Augusto e o João, gêmeo da Alice - filhos do tio Roberto, ou Beto como eu preferia chamar -, que ficava em outro quarto sozinha porque era menina e ali no sítio os meninos dividiam um quarto e as meninas outro, mas sendo ela a única, dormia só.

Deitei na minha cama que ficava de frente para a janela que ocupava grande parte da parede. A paisagem do lado de fora era de grama recém cortada até certo ponto do terreno, depois, bem distante, começava a capinzal, alto, selvagem, com umas árvores aqui e ali, a maioria de frutas completamente orgânicas.

De repente a porta do quarto se abre, achei que pudesse ser meu pai, minha mãe ou Theo, mas era o Augusto. Ele era quase da minha altura, poucos centímetros mais baixo, tinha os cabelos muito pretos e que caiam até o pescoço magro e um tanto bronzeado, numa confusão entre liso e ondulado. Ele ficou alguns instantes parado no batente, até que fechou a porta e tirou do bolso de trás do macacão jeans um cordão. Puxou os cabelos pra trás, prendendo numa rabo-de-cavalo curto e desleixado. Os cabelos que ficavam mais embaixo, na nuca, eram curtos, então ficavam caídos, sem destino. Essa era uma das coisas que eu achava muito bonita nele e que chegava a me fazer sorrir, visto que mostrava uma meninice que ele sismava de querer perder. Mas as coisas não funcionavam bem desse jeito.

— Posso ficar aqui com você? - ele perguntou, com os olhos grandes e castanhos, baixos. Coçou a perna com um pé descalço, uns fios de cabelo grudados com suor na testa, as bochechas meio afogueadas; ficando cada vez mais novo nos meus olhos.

— Claro. - respondi ainda deitado. Ele sentou na cama aos meus pés. Olhando pra mim como se não quisesse falar nada, mas que precisava muito.

— Você é dono daqui agora?

— É, parece que sim. Não agora, quem vai tomar conta é o tio Theo. - ele abriu a boca um pouco, como se fosse dizer algo, mas sufocou e demorou ainda alguns minutos antes que voltássemos a falar.

— Minha mãe não tá nada feliz com isso. - ele sorriu.

— Eu sei.

— Você sabe?

— É, eu sei, eu ouvi. - então ele pareceu tomar um pouco de coragem respirando fundo e deitou ao meu lado. Colocou a cabeça no meu peito e enlaçou minha cintura. Foi muito estranho no início, eu sentia aquelas mãos meio pequenas e meio grandes na minha barriga e o cheiro de xampu, suor e grama do cabelo, as pernas dele entrelaçando nas minhas.

— Parece tão diferente agora, você não acha? Eu sei que o vô Gui parecia um fantasma na maior parte do tempo, mas pelo menos antes eu podia ver ele, sabe? Agora não tem mais nada e essa casa é sua. As coisas saíram fora do lugar tão de repente.

Eu só consegui grunhir em concordância. Aquele contato dele me tirava o ar, e eu não entendia porque, ele me despertava, naquela hora, do torpor e meu coração já batia mais acelerado do que em muito tempo. Uma quentura vinha dos meus braços, que eu pus em volta dele o melhor que pude sem parecer desajeitado e surpreso demais, e meu estômago flutuava para minha garganta.

— Seu coração tá tão rápido. - e ele levantou a cabeça, estava sorrindo, então pôs a mão no meu peito, sentido ele subir e descer e bater-bater-bater-bater, como numa montanha russa. Os olhos dele me puxavam e por um momento achei que fosse ser sugado, eu sentia ele cada vez mais perto, mas estava acontecendo de verdade, aquilo era real, ele estava se inclinando para mais perto do meu rosto e teve uma hora que eu quase senti um planeta se chocando contra uma estrela. Os lábios pequenos e vermelhos dele se encostando timidamente contra os meus. Augusto se afastou um pouco após o primeiro contato, agora sério e com um outro tipo de brilho nos olhos, percebi que ele ajeitava devagar a cintura contra a minha, pressionando um pouco mais o corpo contra o meu, depois se inclinou de novo e pressionou novamente a boca contra a minha, dessa vez com mais força e mais certeza. Aquele era o primeiro beijo dele, tentei adivinhar: a boca fechada, os olhos abertos, a curiosidade, tudo o denunciava. E eu paralisado, não acreditando que aquilo estava mesmo acontecendo, que a boca dele se abria devagar junto da minha e que ele pressionava cada vez mais forte a cintura contra a minha, que eu sentia ele duro e que eu já começava também a ficar. Levantei o mais rápido que eu pude e saí correndo do quarto, deixando ele ali abandonado na cama. Corri o mais rápido que pude para o capinzal, ignorando os gritos de atenção da minha mãe, subi a primeira árvore que eu avistei e escalei até onde minha prudencia deixou que meus pés fossem. Ali fiquei até anoitecer, quando eu voltei para o jantar. Avisei a minha mãe que ia tomar um banho e que ia dormir, não estava com fome, mas a verdade era que eu não queria ver o Augusto e queria estar dormindo quando ele entrasse no quarto. Ela insistiu dizendo que eu precisava comer alguma coisa e iria levar um lanche pra mim no quarto. Depois que tomei meu banho, peguei um dos livros infantis que tinha na estante do quarto, um dos meus preferidos “A Lebre e a Tartaruga”. Era meu preferido porque eu adorava histórias com moral e aquela edição era especialmente ilustrada pelo tio Theo, toda em aquarela. Ele disse que eu podia levar o livro pra casa, já que gostava tanto dele, mas eu não quis, acho que ele só fazia sentido naquela fresta da estante, daquela casa, acho que ele só seria capaz de existir aqui. Então assim que minha mãe me trouxe “umas coisinhas pra comer”, no que consistia em dois mistos-quentes, 2 bananas, uma maçã e um copo enorme de suco de amora, tentei comer pelo menos metade e apaguei as luzes. Achei que teria dificuldade pra pegar no sono, já que não me sentia nenhum pouco cansado, mas pensando no estresse daquele dia, os músculos dos meus braços e das minhas pernas começaram a latejar e doer. Acho que fiquei muito tempo naquela árvore. Adormeci e só acordei na manhã seguinte, com meu pai me sacudindo e dizendo que já era hora de irmos pra casa.


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Notas finais do capítulo

Eai? Peguei meio pesado? Ou vocês acharam fofinho? Conversem comigo, me falem o que cês gostaram, não gostaram e que esperam



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