Os de azul não dançam bem escrita por Ped5ro


Capítulo 2
Quanto mais você cresce, menores ficam as moedas


Notas iniciais do capítulo

bom, esse é o segundo (não, quinto idiota! dãã), espero ter agradado até agora, só queria fazer duas observações: 1ª) eventualmente deixarei notas no fim do capítulo, seja de traduções ou relacionada a outras coisas. 2ª perdoem meu francês de principiante, espero trabalhar mais nisso posteriormente.



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Eu gosto muito das noites de quinta e sexta no bar. Particularmente as sextas. Tem uma certa expectativa nas sextas que me deixa nervoso, mas de uma maneira agradável, um tipo estranho de ansiedade. Depois de um tempo trabalhando no bar, vendo tantas pessoas, na maioria jovens, se percebe que tudo é quase mágico numa sexta, possibilidades são infinitas. Muitos passam por ali antes de alguma festa ou fazem festa ali mesmo, tem sempre o grupo que quer relaxar depois da semana de aulas, os que querem só conversar com alguém que gostam discretamente e os amigos de longa data que tem suas “tradições”.

A exata sexta-feira daquela semana foi interessante. Eu estava ajudando a servir as mesas, como quase sempre faço, o bar estava cheio, até chegar um grupo de rapazes e ocupar o resto do espaço livre que tinhamos. O interior do bar não era exatamente grande, ele foi destinado à “transposição da personalidade do lugar”, como dizia minha mãe. A decoração era bem jovial, a atmosfera era intimista, com uma iluminação indireta e vários objetos, fotos e coisas que minha mãe trazia das viagens e colocava ali. No interior tinham poucas mesas, que no máximo cabiam 4 pessoas, o movimento ficava mesmo era do lado de fora. A parte de fora era um tanto bistrô como meu pai queria, bem iluminado e fervendo de conversas. Ficar ali pra mim era quase contagiante.

Assim que todos os garotos que haviam chegado se sentaram, Camila, uma das garçonetes, anotou os pedidos enquanto eu atendia outras mesas. Até que depois o Ben (apelido de Benício), nosso barman, me chamou e pediu que eu servisse um Baccarat naquela mesa. Meu pai sempre trazia ideias de drinks internacionais para o bar, sendo o Baccarat, servido no Bar du Crillon em Paris, um dos “não tão baratos”, era à base de champagne rosé, suco de limão, Grand Marnier e algumas essências aromáticas. Sempre que saia um pedido desses, era eu que sempre servia. E o motivo pra se pedir um desses podia ser: a) impressionar alguém, b) bom gosto ou c) comemoração. Vendo aquela mesa de longe eu chutaria c).

— Qui a demandé un Baccarat¹? – falei assim que cheguei na mesa. Eu sabia muito bem francês, minha mãe praticamente me obrigou a me alfabetizar em francês. Minha avó materna era descendente direta de europeus, então na infância minha mãe também fora obrigada a aprender.

— Oh mon Dieu! Ce est moi, ce est beau²!. – um rapaz, devia ter uns 23 anos, com os cabelos em largos cachos caindo nos olhos, sorriu pra mim, estendendo uma mão para pegar o drink enquanto com a outra jogava o cabelo pra trás. – Je espère que le goût est meilleur que l'apparence³.

Não fiquei tão surpreso que ele soubesse falar francês, o que me surpreendeu foi a ótima dicção e a pronúncia perfeita. Tentei rapidamente calcular de onde ele poderia ter vindo, a pele era morena clara, os olhos ligeiramente puxados, as sobrancelhas bem marcadas, apesar de não serem muito grossas, e os olhos castanhos. Parecia ter alguma coisa de indiano, mas a linha do maxilar era dura demais e o queixo meio quadrado, tinha mais cara de italiano. Achei impossível dizer de imediato, já que, com o nível de miscigenação, raramente se pode dizer exatamente a origem de alguém numa cidade grande.

— Ótimo francês! – eu cumprimentei.

— Que nada, é que eu já viajei bastante, então é de se esperar. – deu uma risada. Enquanto todo mundo da mesa conversava, numa olhada rápida vi que, dos 7, conhecia 5. Mochileiro, será? Provavelmente deve ter a árvore genealógica mais bagunçada que a minha.

— Alguma comemoração? Se é que posso saber.

O cara logo a minha esquerda respondeu, tentei por tudo lembrar o nome dele, mas não conseguia.

— Aaah, o Giovanni – e olhou para o rapaz do drink. – e o Carlos estão voltando para o curso de Arquitetura.

— Não, quem tá voltando é o Giovanni. O Carlos é calouro! – outro deles respondeu. Giovanni concordava enquanto tomava o primeiro gole do Baccarat, e um dos que estavam ao lado do Carlos lhe falou alguma coisa ao ouvido e depois bagunçou seu cabelo. Ele tinha mesmo cara de calouro. Se reconhece um calouro só pela maneira de andar ou - deus sabe que é verdade!— até pelo jeito de pedir informação. De tanto ver universitários acabei pegando certas manias, como tentar adivinhar de que curso a pessoa era pelo jeito de se vestir, parece preconceituoso, mas é divertido e na maioria das vezes existe mesmo uma espécie de “marca”, mesmo que nada impeça alguém de quebrá-la se quiser. Fico sempre pensando que vou ser um desses que ninguém vai saber o que faz, onde mora ou com quem fala, afinal, realmente não faço ideia do que eu quero ser. Existe esse certo “conforto” na minha vida que me permitiu experimentar muitas coisas, conversar com pessoas tão diferentes e estar em lugares tão incomuns. Meus pais sempre me arrastaram com eles pra qualquer lugar que fossem, o espirito aventureiro era deles, já que por mim ficaria em casa.

Com o tempo o bar foi enchendo mais, eu só podia cumprir horário até 00:30h, mas esticava até 01:00h quase toda vez. Nesse meio tempo continuei servindo os rapazes da mesa e Giovanni continuou trocando algumas frases em francês comigo, e bem antes de eu render minha posição de garçom, eles pediram a conta. Imaginei que a noite deles não acabasse ali, esse é outro lance dos universitários na sexta: “a festa só acaba no sábado de manhã, se tiver bom senso.”

— Foi legal falar contigo! Você trabalha há muito tempo aqui? – Giovanni perguntou quando foi pagar a conta.

— Oh, ããnh, mais ou menos. Na verdade, o bar é do meu pai. – tentei explicar meio sem graça.

— Sério? – ele ergueu uma das sobrancelhas e naquele tom de descrença amena disse: - Você não tem cara de quem tem idade pra trabalhar num bar.

— O que? Como assim? – ri, com mais vergonha ainda.

— Não importa! Aposto que a gente se encontra por aí. – apertou minha mão e saiu. Mas que cara engraçado!

***

De bicicleta, no caminho pra casa, a noite ainda parecia no início, mas confesso que já estava cansado e queria descansar logo pra no dia seguinte não ficar vegetando na cama. Enfim era sábado e tinha tanta coisa que eu queria fazer.

Assim que eu deixei a bicicleta no canto da garagem e entrei na portaria, Gomes, nosso porteiro, veio me avisar que meus pais já tinham chegado. Enquanto esperei ansioso o elevador, meu raciocínio tentou montar todos os cenários possíveis para uma volta tão rápida e sem avisos, evidentemente não era uma surpresa, já que não tinham se importado de calar o Gomes. Em geral, meus pais sempre relutavam em voltar pra casa, viajando juntos ou não, esticavam as viagens 4 ou 5 dias além do combinado, tanto que eu nem esperava que realmente aparecessem no sábado de noite com as malas enormes passando pela porta, enquanto riam despreocupadamente. Incrível que eles quase toda vez se hospedavam de graça, por conta dos amigos que tinham espalhados pelo mundo, talvez uma das vantagens de ser um humano sociável e fazer muitos amigos.

Abri a porta e escutei a voz do meu pai ao telefone, andei até o escritório e parei na porta. Meu pai estava sentado com o telefone grudado na orelha, a cabeça baixa, as respostas monossilábicas e a minha mãe ao lado dele, lhe acariciando as costas. Não foi a recepção mais alegre que eu tinha visto, mas de longe a mais preocupantemente triste.

— O que aconteceu? Porque voltaram antes e não me falaram? – minha mãe notou que eu estava ao lado dela e me abraçou de leve, deu um sorriso cansado e me levou pra fora do escritório. Meu pai nem levantou os olhos pra me ver.

— Querido, senti sua falta. Como tem passado? Você parece mais magro. – ela falou se sentado no sofá me fazendo sentar junto dela, o tempo todo me interrogando e escorregando os dedos pelos meus cabelos ruivos que eu havia cortado recentemente na altura da testa, sempre deixando pra trás.

— Eu tô bem, meu peso tá o mesmo de sempre! Mas o que aconteceu? Com quem o pai tá falando no telefone? Ele tá estranho. – disse mais alto que ela, exigindo alguma resposta.

— Aaah meu bem. Infelizmente as notícias não são boas. – ela pousou as mãos no colo, alisando os vincos da saia florida. – Antes de ontem, teu tio Theo ligou pro seu pai, disse que seu avô está muito doente, foi para o hospital, os médicos disseram que provavelmente ele não vai resistir.

Vovô Guido. Fazia tempo que eu não visitava ele. Quase 4 meses. Porque eu não fui visitar ele antes?

— Ninguém sabe dizer quanto tempo ele ainda tem, mas ainda resiste. Seu pai e eu nos encontramos numa das conexões do voo e viemos direto pra cá. Amanhã a gente vai no hospital ver como ele está, quer ir? – ela disse depois de um tempo em silêncio. Vovô Guido.

— Sim. Quero. – dei um beijo na bochecha dela e disse que ia dormir logo.

— Já comeu!?

— Já! Ben fez aquele sanduíche pra mim. – gritei do banheiro. Precisava mesmo de um banho antes de ir dormir, era muito boa a exaustão no fim do dia, fazia meu sono mais agradável. Parecia até que meu corpo se assentava melhor, meus braços e pernas se acomodando no colchão, minha cabeça ao mesmo tempo que caia pesada no travesseiro, tinha mais facilidade de voar leve nos sonhos.

Acabei sonhando com o Vô. Ele era meu avô preferido, o que eu mais tinha contato, principalmente depois que a Vó morreu. Eu era pequeno ainda, não entendia muito bem o que era essa coisa de morrer, ficava me perguntando se morrer doía, meu pai acabou me falando que antes da morte algumas pessoas podiam sofrer, mas que no fim das contas, tudo acaba antes da pessoa se dar conta que já morreu. Mas aí o Vô me disse que a Vó tinha morrido enquanto dormia, achei isso bom porque sabia que no seu fim ela não tinha sofrido nada. Fiquei um tempo com isso na cabeça, me apeguei a ideia de que iria morrer dormindo, igual a vovó, sereno. Vô Guido sempre tirava uma moeda grande da minha orelha toda vez que a gente se encontrava, muito tempo depois eu descobri como ele fazia, mas continue fingindo que não, porque achava legal, com o tempo ele teve que diminuir o tamanho das moedas porque os dedos dele estavam ficando enferrujados, como ele dizia. Um dia perguntei onde estavam as moedas grandes, sendo que valiam mais que as pequenas.

— Quanto mais você cresce, menores ficam as moedas. E ainda vai chegar o dia que talvez eles sumam, é o ciclo.

Naqueles tempos eu já sabia como ele fazia o truque, mas escondi aquela verdade tão fundo na minha cabeça, que acabei por esquecer. Só o que ficou foram aquelas moedas. Aquele era o nosso cumprimento, as moedas escondidas atrás da orelha. Porque eu não fui visitar ele?


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Notas finais do capítulo

¹ Quem pediu um Baccarat?, tradução livre.
² Oh meu Deus! Foi eu, como é bonito!, tradução livre.
³ Eu espero que o gosto seja melhor do que a aparência., tradução livre.


O que cês acharam do Giovanni? Muito artificial, okay ou não sei, não posso opinar? hahaha



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