Os de azul não dançam bem escrita por Ped5ro


Capítulo 10
"Você tem que aprender a lutar"


Notas iniciais do capítulo

bom querides, tenho algumas observações inúteis para fazer. essa história ficou parada um certo tempo, certas coisas evaporaram da minha cabeça, mas pretendo seguir com o que já estava previsto nos rascunhos, então me perdoem se tiver lapsos temporais muito grandes e/ou incongruências em partes da história. o que me leva a última obs. que é: cansei de procurar betagem. estou contando apenas com a cara boa vontade de vocês pra me atentar quanto aos erros (desde os básicos: ortográficos, gramaticais, até os mais chatos como erros de continuidade), pq apesar de ler e reler os caps. várias vezes, sempre deixo passar um coisa ou outra. no mais, espero que continuem curtindo ;)



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No dia seguinte eu não fui a aula. Mal levantei pra tomar café de manhã. Quando sentei a mesa, meu pai já tinha saído e minha mãe estava conversando com alguma amiga no telefone e eu só queria muito que ela ficasse muda por um segundo. O jantar da noite anterior tinha sido horrível.

Primeiro ela reclamou das minhas roupas, como sempre faz. A questão toda é que ela quer que eu ande de camisa e bermuda social pra cima e pra baixo como se fosse um filhotinho de cachorro com sua madame. Tenho meu estilo, apesar de ser do tipo “qualquer coisa que consiga encontrar limpa no armário”, cultivo um certo apego as roupas que tenho. Tem as camisas que eu e a Duda compramos juntos aleatoriamente, dos lugares que eu já visitei com meus pais, algumas que meu tio me dava, minha preferidas eram com frases aleatórias da internet. Tudo sempre confortável. Nada disso era velho ou gasto — argumentos que ela dava na tentativa de deixar que me vestisse do jeito que queria —, a maioria das peças tinha uma história e eu não preciso de cem ou mil camisas diferentes pra me sentir bem. Depois quis me obrigar a vestir uma camisa que ela tinha comprado numa dessas lojas de pai e filho, pedi socorro ao meu pai, mas ele se esquivou da gente e disse que não iria intervir em favor de ninguém por medo de retaliação.

— Retaliação? Isso aqui é uma retaliação. – eu disse já querendo acabar com a discussão, eu só queria jantar e voltar pra casa, voltar pros meus pensamentos e só.

— Como você fala assim com sua própria mãe? Eu só quero que você esteja bem vestido no jantar, com essas roupas o que nossos amigos vão pensar, “nossa olha como o filho da Regina anda todo desleixado, será que ela não presta atenção no próprio filho, tão magro, será que ela alimenta ele direito”. – um casal de amigos dos meus pais, que eu não fazia ideia de quem eram, tinha sido convidado e esse foi o motivo inicial de toda a briga.

— E porque você acha que ele vão pensar isso? Você acha que eles se importam? Você acha que EU me importo com o que eles pensam? – ela ficou sentida, eu meio que gritei na cara dela e isso eu sei que foi exagero, mas era a verdade. Ela saiu da sala e foi pro quarto pisando duro e falando sozinha.

— Filho, não aconselho você a contrariar a sua mãe desse jeito. Sabe como ela é sensível e que gosta muito de você, quando você fala assim com ela é muito pior. – meu pai falou sentando ao meu lado.

— Pai, qual é? Não sou obrigado a ouvir ela falar mal das minhas roupas como se não fosse comigo. Eu não fico metendo o dedo no que ela veste.

— Eu sei disso. Sei que você é cheio de personalidade e que tem seu jeito próprio de vestir, mas vou apelar pro seu lado mais compreensivo, sabe… eu só quero jantar, tomar vinho, quem sabe rir um pouco, voltar pra casa e descansar. Não é isso que você quer também? – ele pôs o braço envolta dos meus ombros e me apertou contra ele, beijou minha cabeça e, desse jeito, fui obrigado a engolir meu orgulho “punk rock” e trocar de roupa. Eu sabia que não teria paz até acabar com toda a situação.

Coloquei as roupas mais decentes que eu tinha e, mesmo assim, minha mãe continuou agindo da mesma forma. No restaurante a coisa piorou com os amigos dos meus pais. Fui disposto a permanecer calado e calmo, o máximo possível, mas aí eles vieram com aquele papo babaca de “meus filhos fazem isso, meus filhos fazem aquilo” e minha mãe forçando a barra, me comparando com eles de uma maneira nada saudável ou gentil. Quando chegamos em casa eu descarreguei, eu precisava.

— Tá satisfeita agora? Agora que você me queimou para aquele bando de porcos esnobes. – vociferei da sala, meu pai levou um susto e ela só continuou me olhando do mesmo jeito de quem pedia “pra passar o sal” no restaurante. Fui para o meu quarto e não saí de lá até todo mundo ter ido dormir. Em geral costumo esquecer essas brigas com uma boa noite de sono, mas assim que deitei minha cabeça no travesseiro concluí que dormir não era uma opção, parar de pensar não era uma opção. Então fiquei acordado pesquisando sobre a tal exposição de fotografia que o Giovanni tinha falado e quando deu 4:30 da manhã me rendi ao cansaço e adormeci sem lembrar porque estava com tanta raiva.

Não que eu tenha o costume de esquecer tudo muito rápido, mas desde pequeno, meu pai sempre foi meu exemplo de paciência. Em quase qualquer situação ele respirava fundo, até se retirava se fosse necessário – em casos extremos –, e avaliava toda a situação de longe. Sempre me disse que a racionalidade e poder de escolha é uma das poucas coisas que nos diferencia dos outros animais.

— Eu simplesmente escolho não ceder a raiva. – dizia com uma expressão transparecendo um fio de alívio. O mundo é um caos 24h por dia, frequentemente me deixei levar por essa onda de raiva, mas não era algo que me fizesse bem ou as pessoas a minha volta. Aos poucos eu procurava me afastar dessa influência negativa e pesava mais as consequência, embora não tivesse me aperfeiçoado por completo.

Tomei meu café da manhã tranquilamente. Assim que mamãe desligou o telefone, levantou-se da mesa, beijou minha testa com afabilidade e começou a falar sobre banalidades comigo e Cecília. Esse era o jeito que ela tinha para me pedir desculpas.

Pouco depois do café, senti uma vontade enorme de pedalar pela cidade. Já fazia isso com bastante frequência, gostava de sentir meu corpo forte e o fôlego que invadia meus pulmões quando estava a plena velocidade em alguma rua ou ladeira vazia. Acabei por me dar conta de onde estava assim que meus músculos da coxa me obrigaram a parar. Na próxima esquina já era a casa de Lorenzo. Como vim parar aqui?

Eu sabia onde ele morava. Além dos telefones trocamos nossos endereços assim que ficamos presos um ao outro na dupla para o trabalho de Filosofia Moderna. Na hora eu comecei a pensar em alguma desculpa que me pusesse ali de forma natural e nenhum pouco relacionada com ele, porém, logo que observei a janela da sala, as cortinas brancas cerradas, ainda um tanto afastado, com medo de que me visse ali sem ter minha pequena mentira feita, preparada na ponta da língua. Senti uma vontade inexplicável de estar caminhando naquele aposento, podia imaginar os móveis alinhados, a pureza do ar, um tímido feixe de luz e aquela poeirinha microscópica dançando em volta dele.

— Oi, será que você pode dar uma ajudinha? – tentei falar amigavelmente. Ele estava visivelmente surpreso com a minha chegada. Aaah claro, porque não estaria?

— Uau, oi, huum sim, claro. O que aconteceu com você? Seu rosto tá todo sujo.

— Eu estava andando de bicicleta e de repente ouvi um barulho estranho na corrente, a roda ficou presa e não quer se mover. – quis fazer parecer o mais casual possível, mas era difícil me concentrar na história, não parava de esfregar meus dedos sujos de graxa enquanto meu amigo, apoiado no batente da porta, parecia se divertir pelo menos um pouco com aquela imagem.

— Do que você precisa?

— Seu pai tem alguma ferramenta? Acho que se eu tirar a roda de…. – e sem esperar eu terminar de falar sumiu sala adentro. Timidamente comecei a transpor meio corpo pela porta, já não precisava mais adivinhar a cor das paredes – de um amarelo muito simples e claro, em alguns nichos eu via pequenas flores coloridas entrelaçadas escalando as paredes até o teto no papel de parede –, nem quantos corredores poderiam haver e onde desembocavam — a sala era bem familiar, diria quase clássica, se me detive-se nas cortinas, a mesa com cadeiras de espaldar alto e estofado próximas a uma janela projetada para fora, algumas plantas penduradas aqui e ali, 2 ou 3 vasos de flores, tudo vivo e vibrante, nada de plástico ou artificial. E claro, o piano, era lindo. Já tinha visto alguns, como o que Lorenzo tocava no conservatório, esse parecia mais antigo, muito bem cuidado, num acastanhado muito escuro e lustroso. Casava perfeitamente com o resto da sala, a título de comparação imaginei aquele mesmo piano encaixado na chuva pós-modernista que era a decoração da sala da minha casa, ficaria tal qual um elefante ou rinoceronte, pacífico e grave, no centro.

— Por favor, não toque em nada antes de lavar as mãos. – ele voltou trazendo, com certa dificuldade, uma caixa de metal verde com a tinta já comida aqui e ali. — Acho que deve ter alguma coisa que você possa usar aqui.

Ele me passou a caixa e seguimos para a calçada, onde minha bicicleta, já emborcada com as rodas para cima aguardava o “reparo”.

— Você tem uma casa bem bonita. – disse separando ao acaso alguma chaves e me surpreendi com a quantidade de quinquilharias que haviam ali, coisa da Segunda Guerra ou sei lá.

— Valeu. – o tom de voz era meio acanhado e, de pé, observando minha pequena luta com os parafusos e porcas, desenhando círculos com os sapatos no cimento, me contou sobre essa mania de decoração que a mãe dele, tudo tinha que estar de acordo com algo e o protagonista era sempre o piano. — Eu até que gosto, principalmente porque me sinto menos deslocado, parece mais minha casa, mas às vezes é um pé no saco também, tudo sempre no lugar e sempre perfeito.

— Deve ser um pesadelo. – eu ri e ele sorriu um pouquinho. — Mas caramba como foi trazer um piano daqueles pra cá, como ele entrou na sala?

— Pergunte a minha mãe, ela que cuidou de tudo, na verdade eu acho que ela gosta mais daquele piano do que de mim.

— O que? Você tá brincando, né? – parei uns segundos encarando ele, seus olhos fitando algo na esquina.

— Sim, sim… Okay, talvez não tanto. Parece que o piano veio do tataravô dela, que não tocava piano por sinal, mas resgatou o instrumento, gosto de pensar que foi numa guerra civil ou coisa do tipo, e cuidou tão bem que foi passando de geração em geração e eis que, finalmente, nasceu um pianista na família.

— Quer dizer que ninguém na sua família toca piano, mas carregaram aquela coisa durante todo esse tempo?

— Ei, mais respeito, aquela “coisa” é um Steinway de cauda muito valioso se quer saber. – levantei minhas mãos como sinal de rendição. — Mas sim, é isso mesmo.

— Ei, se servir de consolo, meu tio Theo sabe tocar violão, quem sabe vocês dois não fazem uma espécie de recital, dupla, conjunto, como se diz mesmo? – Lorenzo riu da minha tentativa de achar nossa compatibilidade musical familiar, mas aquiesceu feliz e isso me pareceu um bom sinal.

O reparo era bem simples, bastava só eu tirar a roda de trás para destravar e desembolar a corrente, mas confesso que enrolei um pouco de propósito. A conversa de repente começou a se desdobrar tão leve, notei que aquela era uma das raras vezes em que não discutíamos por alguma besteira – Lorenzo até se permitia sorrir e jogar algumas piadas – e definitivamente era a primeira vez que conseguimos construir um diálogo sem a necessidade da mediação da Eduarda.

— Desculpa te incomodar desse jeito, você estava muito ocupado? – indaguei, já recolocando todas as peças no lugar.

— Mais ou menos, eu estava estudando para o teste de matemática que vai ter depois de amanhã. – então lembrei que ele fazia parte da turma especial de matemática, não era uma coisa surpreendente, mas eu achava divertido imaginar o Lorenzo naquela turma cantando fórmulas e fazendo uso de todo o aparato educacional experimental que o Belle Village possuía, alguns deles bem bizarros por sinal.

— Achei que todos os pianistas fossem bons em matemática.

— Oh não senhor, a parcela de pessoas que sofreram algum trauma na cabeça e/ou gênios autistas com talento surreal para os números e música é bem limitado, infelizmente não me encaixo na categoria. – percebi a ironia da resposta, mas eu sei que havia provocado, ri da pose de braços cruzados que ele estava.

— Mas você tem sim algum talento para música, hãn? Não é “anormal” ou sem precedentes, mas é bom não ter que levar uma pancada na cabeça para isso.– ele corou, e não evitei de sorrir ainda com seu constrangimento. — Tem algum lugar que eu possa lavar minhas mãos?

Encostei minha bicicleta na lateral da garagem e ele me levou até a torneira da cozinha. Me ofereceu um copo de suco e biscoitos, que prontamente eu recusei, eu tinha um pequeno bolo de nervosismo remexendo na boca do estômago e não parecia inteligente ingerir nada mais do que líquidos.

— Você entende bem de bicicletas. – ele falou depois de um tempo de silêncio.

— Meu pai já foi ciclista profissional, competiu na época da faculdade e me ensinou algumas coisas, mas ele já não se interessa tanto assim.

— Como assim?

— Ele vive viajando pra lá e pra cá, não sei nem dizer qual foi a última vez que a gente saiu pra dar uma volta no parque só nós dois.

— E você sente falta?

— Um pouco sim, ele anda bem ocupado com trabalho e o bar, então eu entendo. – quando levantei meus olhos do copo meio cheio de suco de laranja, Lorenzo me fitava longamente e eu podia captar algo além da simples pena, talvez ele me compreendesse melhor do que eu suspeitava. — Ééérr… Você quer ajuda pra estudar matemática?

Não soube porque disse aquilo na hora, mas depois ficou bem óbvio que eu não queria ir embora. Minha relação com exatas era justa o bastante para não reprovar e, quando precisava me empenhar um pouco mais em alguma parte específica da matéria, meus esforços até rendiam elogios simplórios do professor sobre meu esforço “estóico”, embora eu ficasse confuso quanto ao sentido da palavra.

— E você entende alguma coisa de matemática?

— O que? Posso não ser nenhum Einstein ou Stephen Hawking, mas pelo menos eu não preciso da classe especial. – rebati descontraído, ele me deu um empurrão de leve e saiu da cozinha fazendo aquela expressão de desafio, o arco negro e delineado da sobrancelha um pouco mais alto do que da outra, o sorriso contido e agudo, quase afiado.

— Agora, meu amigo, você terá que provar.

Não posso dizer que ensinar matemática para o Lorenzo foi uma das coisas mais difíceis que fiz, porque já tinha passado apertos bem mais complicados, mas diria que entraria facilmente para a lista de “atividades que eu devo evitar se não quiser morrer de problemas cardíacos antes dos 30”. Finalmente compreendi o porque dele precisar da classe especial e jurei que nunca mais falaria mal dos métodos de ensino adotados no Belle Village. O principal problema do Lorenzo era com os número em si, o que fazia todo o resto ser frustrante, mas ele compensava muito dessa inabilidade com esforço, sempre passando e repassando a mesma informação quantas vezes fosse necessária até finalmente não errar mais.  

— Chega, por favor, já nem consigo mais ler os números, fica tudo embaralhado. – ele disse jogando as costas na cadeira e esticando os braços, como se tivesse desmaiado.

— Oooh meu deus! É melhor mesmo, isso é fumaça saindo das suas orelhas? – então enfiei o indicador na orelha dele, ele gritou e de tapa na minha mão, eu rebati lhe fazendo cócegas, mas fui derrubado da minha cadeira/puff. Depois que eu já estava no chão ele prendeu uma das minhas mãos e pôs a canela nas minhas costas.

— Você sabe se defender, Lorenzo? – perguntei calmo, com meu rosto colado ao chão, eu podia sentir a aspereza do tapete e o frio do mármore, podia avistar uma parede azul marinho com uma boa quantidade de retratos, a maioria dele quando criança, com alguns amigos, prêmios de reconhecimento com medalhas penduradas na borda. De uma maneira estranha eu comecei a sentir ternura por tudo aquilo, por tudo aquilo que envolvia a vida dele e foi uma pergunta séria, eu realmente queria saber. Queria saber que ele podia se defender quando chegasse a hora necessária, quando ele não tivesse outra alternativa senão se agarrar ao próprio corpo como meio de proteção. O ser humano é capaz de realizar coisas extraordinárias quando está prestes a morrer, quando é desafiado e a aposta é viver ou morrer, por isso saber o que fazer ou o básico, é importante.

Uma vez, eu devia ter uns 8 ou 9 anos, estava naquela fase das artes marciais, gostava de Jack Chan e Dragon Ball, então comecei aulas de karatê (e depois, por um breve momento, mais precisamente no final desse período de lutador, kung-fu). Eu tinha aquele deslumbramento comum infantil pelo meu mestre, assim como boa parte da classe. Na minha cabeça ele era como um semideus, Aquiles, o exímio lutador destemido e com tanta coragem na sua postura, que encará-lo nos olhos era, para mim, impossível. Fora dos treinos, vez ou outra, os garotos da minha turma contavam histórias, boatos que rolavam de uma boca a outra nas turmas mais jovens, e que, muito tarde, descobri serem apenas mentiras que os mais velhos contavam aos irmãos, em conseguinte, estes contavam para os amigos e a coisa saia ao controle. O que antes era uma luta selvagem com um ladrão que invadira sua casa na madrugada, do qual deslocara um braço e quebrara duas ou três costelas (de mãos nuas), se tornava um ato de auto-sacrifício ao tentar desarmar um assaltante que roubava uma loja de conveniência. Admito que retardei todo o tipo de questionamento quanto a coerência dessas histórias tanto pelo fato de ser difícil provar que eram mentiras, quanto pelo fato de que eu queria que fossem verdades. A beleza sórdida daquelas mentiras ou pelo menos o ser que elas enfeitavam, como se fossem contas de um cristal fino e caro; tudo fazia parte da fantasia.

Ele não respondeu. Então comecei a me debater para saber se ele conseguia me manter firme, rolei para fora do seu peso e com isso ele se desequilibrou e caiu. Rolamos duas vezes pelo chão até eu conseguir agarrar suas mãos e colocá-las acima da cabeça enquanto prendia as pernas dele entre as minhas, estávamos tão perto, podia sentir a raiva suprimida na sua respiração quando finalmente percebeu que se contorcer não adiantaria muito. Ele era forte, pode se dizer, mas não tinha técnica, disciplina ou estratégia.

— Você tem que aprender a lutar. – falei tentando respirar devagar.

— Vai me ensinar isso também? – ele sorriu ironicamente, olhando nos meus olhos, encostando a testa na minha, desfiante, disposto. Meu coração descompassou, por uns segundos, meus sentidos pareciam ter sido jogados dentro de um liquidificador, meu corpo queria cair mas então eu recuei. Soltei-lhe as mãos e um instante antes de ouvirmos a porta da frente bater, um instante que poderia muito bem ter levado meia eternidade para passar, naquele instante eu pensei que estava perdido.

Levantamos rapidamente do chão, ajeitando nossas roupas e não demorou muito para que uma mulher de meia idade de aspecto bem aristocrático viesse ter conosco à porta do quarto. Ela não parecia brava, mas olhou para mim com um olhar questionador, logo Lorenzo se pôs entre nós e me apresentou sua mãe. Apertamos as mãos, ela sorriu cordialmente.

— Foi você que ligou aquele dia? – assenti tentando corresponder o tom simpático, não parecia estar me acusando de nada ou se estava não parecia fazer diferença no fim das contas, como se a ocasião a tivesse incomodado como um cisco no olho. — Estão com fome? Acabei de sair do mercado e trouxe algumas coisas para o café da tarde.

— Não, obrigado, na verdade eu preciso ir, eu só passei aqui porque…. porque… – eu segurei as palavras, ia dizer “porque queria ver o Lorenzo” ou “estava andando atoa e quando vi estava aqui no quarto dele”?

— Estava me ajudando com matemática. – completou antes de mim, o que me deixou aliviado pois apenas tive que concordar.

— Tudo bem, mas na próxima você fica, sim? – concordei educado, ela então afagou Lorenzo no ombro dizendo: — Não se esqueça que o ensaio é daqui a pouco. – e sumiu nas entranhas da casa.

Quando eu já estava do lado de fora, ele me entregou um cd numa embalagem sem identificação e uma espécie de cartão de visita.

— Ia te entregar isso amanhã, já que não apareceu na aula hoje, mas você veio até aqui, então... – se explicou. — O cd tem algumas músicas que eu gosto muito, provavelmente você não vai gostar da maioria, mas eu achei relevante para o trabalho.

Não consegui evitar sorrir. Na hora não podia imaginar quantas vezes ouviria aquele cd, da primeira até a décima quinta faixa, com o repeat ligado na última; que aquela era a primeira de uma série de trocas de referências artísticas importantes tanto pra mim quanto pra ele; que, com o tempo, tudo o que eu descobriria sobre ele despertaria um certo tipo de alegria misturada com alívio; que quanto mais ficávamos juntos, mas eu sentia que ele gostava de mim e, pela primeira ou segunda vez, isso importava.

No cartão branco em letras pretas e douradas dizia:


Conservatório Brasileiro de Música Santo Agostinho
2ª Fase Processo Seletivo
15/09                15h
Rua Salgado Flores, nº 91

(convite com direito a 1 acompanhante)

 

— Eu recebi dois mas só minha mãe vai, então queria que você e a Eduarda fossem… – ele colocou a mão nos bolsos. Talvez ele estivesse com vergonha de convidar a Eduarda diretamente e estivesse me usando como ponte, embora eu achasse que a fase da timidez tivesse passado a tempos, mas fosse o que fosse, eu me senti inexplicavelmente importante naquele momento, querido também. — Seria importante pra mim ter vocês dois lá.

Por instinto eu o abracei. Eu nunca sei o contexto em que homens se abraçam, nem a hora certa. Penso que quando duas pessoas tem um certo nível de intimidade, tipo quando vocês já brincaram de lutinha e rolaram no chão do quarto ou já conhecem histórias constrangedoras sobre o outro ou então quando começam a rir das mesmas besteiras, elas podem se abraçar. Lorenzo não pareceu se importar. Antes de largá-lo apertei seu nariz, o que o fez gemer em protesto e começar a me bater de leve, corri até a bicicleta enquanto defendia seus golpes, montava rapidamente e manobrava pela calçada entre os carros e as latas de lixo.

— Até amanhã! – ele gritou da entrada. Até amanhã.


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Notas finais do capítulo

o tamanho dos caps. estão bem irregulares e pode ser que alguns sejam grandes msm, desculpem por isso, se houver alguma manifestação consciente quanto a isso, ficarei feliz em discutir. vamos estar tentando não demorar muito tempo entre as postagens hahaha, mas vcs já tem um pouco de noção da minha dificuldade então.......



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