Os de azul não dançam bem escrita por Ped5ro


Capítulo 1
Esquece, eu que tô falando besteira


Notas iniciais do capítulo

Depois de aproximadamente 618421 anos sem animo pra tocar essa história pra frente, eis que vos apresento esse bb (que pode ficar bonito ou não, já que todos os bbs tem cara de joelho quando nascem). Me perdoem se parecer um pouco pretensioso demais, de qualquer forma, aproveitem :)



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Havia um pacote marrom sobre a mesa, não muito grande, menor que uma caixa de sapatos, mas muito bem embrulhado e cheio de carimbos.

— Sua mãe deve ter mandado isso. Chegou quase agora. – Cecília me disse assim que sentei na mesa pra tomar café da manhã super rápido.

— Só queria saber quem ela suborna no correio pra fazer tudo chegar tão rápido e antes das 8h. – falei mastigando um pedaço de maçã enquanto preparava uma tigela de cereal.

— Você só vai comer isso de novo!? Cereal!? Se sua mãe achar que você perdeu peso vai reclamar direto comigo.

— Por favor, perder peso? Mais? – falei rindo. Infelizmente eu vivia controlando minha alimentação para não ficar magro demais por causa do hipermetabolismo. – Além disso, na caixa diz que uma porção disso tem 30% de toda a energia que eu preciso durante o dia.

Ela tirou a caixa da minha mão com uma cara de descrente em propagandas nutricionais de sucrilhos. Mas não tinha mesmo tempo de fazer um queijo quente e nem meu cappuccino porque já estava atrasado 20 minutos para sair de casa. Não que eu precisasse me preocupar com atrasos, qualquer desculpa que eu desse na escola eles engoliriam, mas minha meta para a vida era tentar eliminar meus atrasos. Eu vivia me atrasando pra tudo, por mais que eu tentasse muito, acordasse mais cedo, adiantasse o relógio, não tinha jeito.

Depois de engolir tudo, escovei os dentes, peguei minha mochila e saí. Chamei o elevador e contei até 10, se ele não chegasse no fim da contagem eu desceria de escada.

Dez segundos e o elevador não veio. Não tive outra alternativa senão as escadas. Desci de dois em dois degraus pelo costume e pela pressa, passei pela porta de todos os outros apartamentos: 400, 300, 200, 100. Falei com o porteiro dando um “bom dia”, fui para o canto do estacionamento onde sempre guardei a bicicleta, abri o pequeno portão lateral com a minha chave e segui o mais rápido que podia entre os carros e pessoas tão atrasadas quanto eu.

Pedalar pela manhã quase sempre era bom, era a hora do dia em que o tempo estava mais fresco, o vento gelado batendo no rosto, ainda com algum resto de névoa da madrugada. Eu sempre passava pelo mesmo caminho e quase sempre via as mesmas pessoas indo para os mesmos lugares.

Assim que entrei na rua do colégio olhei meu relógio e vi que faltavam 7 minutos para tocar o sinal, passei pelo portão montado na bicicleta mesmo sabendo que não era permitido, mas era o jeito mais rápido de chegar ao bicicletário. Subi correndo a rampa do prédio, sempre esbarrando em algum retardatário, até chegar na sala 05.

A primeira aula de quinta-feira é Filosofia Moderna, o que é só outro nome pra Papo Furado Profissional. Era sempre: “drogas, violência, guerra”. Claro que no fim das contas a conversa acabava se distanciando do tema, afinal, tínhamos que encontrar uma maneira de dizer o quanto isso nos afetava. E ninguém ali tinha sobrevivido ao holocausto.

O círculo de cadeiras já estava feito quando entrei na sala. Quase todas as aulas eram assim, a desculpa pedagógica era razoável, mas eu detestava ter que falar com todo mundo sempre me encarando, por isso na maioria das vezes eu evitava falar. Apesar de que as turmas em geral eram pequenas, não passavam de 20 pessoas, o que era meu limite máximo de gente maluca por metro quadrado.

— Hey! Consegui uma entrada extra pro XXY. – Morgana, ela odiava que chamassem ela assim, tudo porque a mãe dela era fã de “As Brumas de Avalon” e Morgana Le Fay era sua personagem favorita. Então, para evitar conflitos, no corrente, chamávamos ela de Mari, de Marion, que é a autora do livro. Eu sentei na cadeira ao lado dela por já não ter opção, preferia ficar ao lado do Gustavo ou da Fernanda que falavam menos e só quando necessário.  Morgana é do tipo que realmente não dá “bom dia” e tá se lixando pra como você está ferrado, se acaso algum dia você ficar.

— Onde? Naquele buraco do Sting? - respondi.

— E qual é o problema?

— Você sabe que eu não gosto de ir lá. E depois da última vez que você levou seu “amiguinho”, eu fiquei sozinho no meio daquele bando de gente esquisita. – ela olhou pra mim carrancuda. – E a música era péssima.

O The Sting era tipo uma boate/casa de show/lanchonete, sei lá, acho que o dono não soube montar muito bem o foco comercial do lugar. O que tornou ele propenso a atrair uma enxurrada de gente pseudo-underground e vários góticos viciados em maconha e anti-depressivos. Ali era onde toda banda de garagem tinha a oportunidade de tocar, aliás, era onde todo mundo queria tocar por causa de um tal boato que “olheiros internacionais” estavam sempre por ali.

— Qual é, vamos? XXY é legal. Eu tenho certeza que você vai amar! – ela sempre falava desse jeito empolgado pra me enganar, porque ela descobriu que era o único jeito de me forçar a fazer uma coisa que eu não queria: fazer parecer bom. Era por isso que ela estava ali, Morgana era uma mentirosa compulsiva, os pais dela tinham combinado de contratar outro professor particular já que o último ela tinha despachado alegando “abuso sexual de menor”, o que deu muita confusão. Mas as aulas particulares ainda eram mais seguras... Para as outras pessoas. Enquanto não encontravam um, ela tinha que ficar no BelleVillage.

— Não dá. E mesmo que eu quisesse ir, hoje é dia de eu ficar no bar. – eu trabalhava no bar do meu pai, o “Dionysus and Hathor”, toda quinta e sexta. E lá era o lugar mais legal que alguém poderia trabalhar, eu comecei quando fiz 14; foi na época em que eu decidi que ia começar a trabalhar e meu pai protestou seriamente dizendo que “não precisava” e “devia estudar mais ao invés de trabalhar”, mas depois de tanta discussão ele concordou que eu trabalhasse, contanto que fosse no bar e que isso não atrapalhasse demais na escola. Agora, depois de 2 anos eu via isso como a coisa mais responsável da minha vida.

— Você não tem, você quer! – foi a última coisa que ela disse na aula, depois de se virar para frente quando a professora chamou nossa atenção.

— Então, antes de começar, quero que vocês recebam bem o nosso novo aluno… - começou a professora depois de pigarrear.

— Como assim? Achei que não podia entrar mais ninguém na turma, a gente já passou do meio do ano e... – Will é do tipo que fala o que tá na cabeça pra todo mundo ouvir. É também aquele idiota indestrutível que toda turma tem e que magicamente consegue passar para a série seguinte por algum suborno.

— Não é você quem decide quem entra e quem sai, William. Esse trabalho é da secretaria, mas eu tenho certeza que já sabe disso. – a professora de Filosofia Moderna tinha sempre um “chega-pra-lá” na ponta da língua. Em geral, todos gostavam bastante dela, porque não era séria demais o tempo todo e sempre tentava ajudar, de verdade. Talvez a única coisa que eu não gostasse nela fosse a indiferença que mostrava nas aulas e como fazia com que tudo no final sempre se resumisse a como nos sentíamos.

— Bom, esse é o... – então ela olhou para o garoto ao lado dela. Ele não parecia maluco. Digo... Dá pra entender, né? Acho que meio que dá pra saber se alguém tem algum distúrbio só olhando, tipo a Morgana... Sei lá, parece meio elitista e egoísta, mas é inevitável.

— Lorenzo. – ele falou, talvez baixo demais, mas todos ouviram e riram, um riso que é mais ou menos parecido com o espirro de um urso negro, tão sutil quanto. O que tem de errado com esse pessoal?

— Pode se sentar agora querido. – ele sentou na direção oposta do círculo de onde eu estava, o que quer dizer que ficou bem na minha frente, o que também quer dizer que passamos por aqueles 5 segundos constrangedores que seu olhar encontra com o da pessoa na sua frente, mas você não pretendia cumprimentá-la nem nada, só estava olhando e de repente você nota que já passaram 3 segundos e você ainda não fez nada, então fica aquela luta mental frenética entre: aceno ou não aceno? Ai quando a batalha termina e você decide acenar a pessoa desvia o olhar. No fim me achei um idiota e estava tentando deduzir o que ele tinha pensado na hora, com certeza não foi boa coisa, aquele olhar era, sem dúvida nenhuma, de julgamento. E eu conheço bem olhares.

— Então, hoje talvez seja um dia importante do ano, estamos no último semestre e como é de costume montamos um projeto com base em algum tema que vocês propõem. – esses projetos eram meu martírio, eu odiava trabalhos em grupo mais do que quase qualquer coisa. Era horrível a sensação de querer fazer de um jeito, mas ter medo da pessoa não concordar, aí tudo sai de uma maneira completamente diferente do que você queria e na hora de receber a nota você fica imaginando que poderia ter sido muito mais alta se tivesse sido feito do seu jeito. – Dessa vez eu não vou usar a “Caixa de Sugestões”, vocês vão agora escrever num pedaço de papel suas ideias anonimamente e assim vou ler uma por uma, então teremos a votação. O resto do processo vocês conhecem, então já podem começar.

A tal “Caixa de Sugestões” era na verdade uma espécie de aterro sanitário mental, isso porque todo ano o papel que saia dali servia de base para os projetos, e eles eram, sem exceções, as piores ideias que alguém poderia ter. Uma vez tivemos que passar 2 meses num asilo, fiquei mais de semanas depois cheirando a naftalina e colônia pós-barba de velho, uma outra vez participamos de um retiro espiritual financiado pela escola, a ideia até que não foi tão má, mas depois de 2 dias numa fazenda isolada no meio do nada, sem TV, sem Internet, doce industrializado e calmante, não dava pra aguentar o resto da semana. E nem sequer uma vez, uma ideia minha saiu dali, nunca, jamais. A caixa era amaldiçoada.

A professora deu a primeira meia hora de aula para que decidíssemos o que escrever e dar o papel a ela. Eu pensei no que eu colocaria esse ano, eu estava gostando particularmente de pintura, talvez alguma coisa sobre isso. Até porque uma das coisas mais profundas talvez seja a pintura, eu acho. Ver uma imagem na sua cabeça, algo que se assemelha muito com a realidade, mas que na verdade não existe. Imagino que deva existir uma distância colossal entre o pincel, os olhos do artista e como as coisas realmente são, todo mundo enxerga as coisas da sua própria maneira.

Quando o tempo acabou, entregamos os papéis e ela leu todos um por um. Como era de se esperar, esse ano as ideias soavam tão ridículas em voz alta quanto no papel, mas de todas, por meio da eliminação, só sobraram duas e pra minha surpresa uma delas era a minha.

— Acho que chegamos a duas ideias bem interessantes. – ela pegou o piloto e começou a riscar no quadro branco o esboço das duas ideias: “a pintura como retrato da sociedade” e “que ‘eu’ nós realmente somos?” – E para evitar entrar em discussões, acho que já sei o que fazer unindo essas duas ideias, me digam se concordam.

E nos minutos seguintes ela nos explicou a ideia básica do projeto de usar a força artística para expressar o “eu” da nossa dupla. A ideia realmente me agradou, pela primeira vez eu faria algo que eu realmente queria, seria melhor ainda se não fosse em dupla, mas não dá pra ganhar todas. No mínimo dessa vez eu poderia fazer o que bem entendesse.

— Mas só vale pintura? – o aluno novo perguntou levantando a mão. Depois de vários minutos só ouvindo a voz da professora, aquela voz diferente, nova por sinal, provocou uma reação natural de desviar o olhar até o dono da pergunta. E quando ele se deu conta da atenção abaixou o braço e continuou olhando a professora enquanto completava. – Não sou muito bom com tinta... ou desenho.

— Não, não. Vocês podem usar de qualquer recurso, de preferência o que permitir a melhor qualidade do trabalho: fotografia, vídeo, poesia, contos, pintura, etc. Só lembrem que isso é para o fim do semestre e que atrasos não serão tolerados, além de terem que conciliar isso com todos os outros testes e matérias, então façam no seu tempo livre.

No resto do tempo de aula ela passou o conteúdo programático do ano, o que significa que o resto da aula foi um saco. E não fazia sentido porque estávamos estudando o Aquecimento Global, mas acho que nem isso me tirou a alegria de poder fazer um projeto realmente bom e ainda baseado numa ideia que eu tive... Okay, eu e mais alguém, mas metade da ideia era minha e isso já era de algum respeito a se dar. Quando a primeira aula acabou e o sinal tocou, todos recolheram suas coisas e foram saindo para a Sala 07, que era a classe regular de matemática, ou a Sala 09, que era a turma especial. Para certas matérias existiam dois tipos de turma, a especial e a regular. Como é de se imaginar, a classe regular tem aulas comuns, nada muito diferente de uma escola complementar qualquer. Já na classe especial era como entrar no “mundo do Discovery Kids” e enfrentar a realidade de que existe gente muito mais problemática que você. Sei disso porque minha mãe me forçou a entrar na classe especial só pra aumentar minha nota, só que depois de um mês ficou bem claro que as canções de fórmula matemática e a “dança dos números” não iam funcionar.

— Não esqueçam, quero todas as duplas formadas até a próxima aula e uma lista com os nomes. – a professora falou enquanto todos saiam apressados pela porta.

Depois que alguns minutos da aula de matemática já tinham passado, reparei que o tal aluno novo não tinha entrada na sala, deduzi que ele tivesse ido pra classe especial. Fiz uma anotação mental pra talvez rever a coisa “dele não ser maluco”, apesar de ser matemática, então acho que tudo bem, mas depois lembrei do “olhar”. Resolvi esquecer e me concentrar na aula, pelo menos tentar me concentrar. Matemática nunca foi um bicho de sete cabeças pra mim, mas também não era fácil como tinha que ser ou como os professores diziam que era. Então inventei meu próprio modo de entender, pegava tudo que eles falavam e tornava compreensível através da prática e linguagem chula. Mas se no fim alguém me pedisse pra explicar, o raciocínio ia ser tão embaraçado com outras coisas, que provavelmente ia acabar entendendo menos que antes.

No fim dos exercícios de matemática, tinha mais dois tempos de Cultura Mundial, que é quase outro nome pra História, só que com a leve diferença de que meu professor era meio maluco e quase sempre levava algum objeto antigo pra que nós adivinhássemos a utilidade. Quase todos eram do século 18 ou 19, e eu não fazia ideia de onde ele arrumava aquela tralha, por isso imaginava a casa dele toda entulhada nesse monte de objetos velhos que hoje já não servem pra nada além de entreter alunos dislexos e/ou com déficit de atenção. A turma de Cultura Mundial era na sala 13, no andar de cima. Depois de subir a rampa do segundo andar e entrar na sala, logo na entrada me deparei com Lorenzo outra vez, a sala estava quase toda vazia, a maioria sempre fica pra trás “tomando água” ou “indo ao banheiro” que era a desculpa clássica pra andar pelo colégio. Ele estava sentado lá atrás, na última carteira. O pior lugar pra se ficar, onde todos os que não queriam nada com a vida ficavam. O que ele tá pensando?

— Hey! Acho melhor você não sentar aí. – disse alto. Ele olhava pra alguma coisa na mão, mas não consegui enxergar o que era porque a mochila estava na frente bloqueando minha visão. Então ele viu que eu tinha falado, mas tinha uma expressão duvidosa. – É, você mesmo. Acho melhor não sentar aí.

Ele continuou olhando pra mim com a mesma cara. Imaginei que ele fosse surdo, pelo menos parcialmente. Sendo surdo parcialmente ou não, não fez menção de se levantar ou de me perguntar “por quê?”. Pensei em falar mais alto pra testar a teoria da surdez, mas não queria me humilhar, já tinham pessoas prestando atenção no nosso diálogo/monólogo, por isso me contentei em revirar os olhos e sentar na segunda fileira, como sempre.

O professor entrou na classe e logo atrás vieram todos os que tinham ficado do lado de fora papeando. A aula seguiu normalmente, ele não tinha trago nenhum objeto pra que adivinhássemos, o que era uma pena. E logo no sinal do recreio peguei minhas coisas e desci pra cantina o mais rápido que podia, antes que as filas ficassem grandes demais. O que na verdade não adiantou muita coisa, quando eu cheguei lá já tinha uma fila gigantesca. Queria tanto uma droga de sanduíche. Tive que me satisfazer com a barrinha de cereal e os dois pêssegos que a Cecília tinha colocado na minha mochila, ela sempre fazia isso.

Enquanto eu andava pelo gramado até o lugar que eu sempre ficava na hora do intervalo, percebi que o Lorenzo estava encostado numa árvore ali perto e, pelo maior dos constrangimentos possíveis, bem quando eu percebi que era ele, ele me olhou. E de novo com aquela cara. Fui em direção a ele, e isso parece que fez com que surtasse um pouco. Ele franziu a testa e arregalou um pouco os olhos enquanto eu mastigava/falava com ele.

— Olha aqui, eu não sou maluco não. Pode parar de fazer isso com rosto. Não tem nada...

—“Isso”? – ele me interrompeu.

— Porque você fica me olhando com essa cara?

— Te olhando? Você que me encarou! – ele tinha uma voz engraçada. Era um pouco rouca e ele falava tão pausadamente, como se premeditasse tudo que dissesse e o que faria todos sentirem... Claro isso era só uma observação, essa calma na voz que ele tinha me assustava. Nunca senti essa sensação de ter tanta certeza numa coisa, de que ele era calculista, sem nem conhecer ele, já podia ter certeza que ele era assim. “Calculista”, engraçado, pra quem frequenta aula especial de matemática.

— Esquece, eu que tô falando besteira. – eu ia me virar quando vi a Eduarda caminhando na minha direção. Ela fazia parte dos 1% de alunos que estudavam ali por preocupação dos pais, o que automaticamente fazia dela uma pessoa normal, que tinha notas boas e que eu poderia gostar sem me sentir uma aberração. Eu gostava mesmo dela e, pra ser franco, a gente se pegava de vez em quando, mas nunca namoramos de fato. Nunca tive namoradas, e ela era uma das poucas garotas que eu tinha beijado até aquele momento. É certo que a gente ficava mais por comodismo, tanto eu quanto ela tínhamos certa preguiça de achar alguém para progredir num relacionamento saudável.

— Hey! – ela me abraçou assim que se aproximou mais. –  Te procurei na fila da cantina.

— É, tá impossível, nem consegui... – e ela tirou do bolso do casaco a minha salvação: o sanduíche de peito de peru mais fantástico que eu provei na minha vida. – Graças! Não acredito que você trouxe pra mim.

— Para com isso! – ela falou rindo. Aquele riso de criança. O rosto dela era pequeno, quase cabia na minha mão, um pouco redondo, os olhos muito pretos, cílios curtos mas tão juntos e curvados que davam à ela um aspecto de gato. Ela tinha prendido o cabelo num rabo de cavalo, que a propósito eu odiava, ficava mais bonito solto. – Minha mãe sabe que você gosta dos sanduíches dela, pediu pra eu trazer esse pra você. Disse que tem um ingrediente a mais, quer saber se consegue adivinhar o que é.

A mãe dela era chef num restaurante no centro. Eu adorava a mãe da Eduarda, apesar dela achar que a gente namorava e ficar forçando umas situações constrangedoras. Tipo ano passado no dia dos namorados quando ela reservou uma mesa no restaurante que ela trabalhava pra gente e nos obrigou a comparecer, tirar foto e todo o resto ou então no aniversário da Eduarda, quando ela começou a “discretamente mencionar” nosso “namoro” para todo os parentes. O pai dela, que é divorciado da mãe, inclusive veio me procurar, o que talvez tenha sido o pior de tudo, pra comunicar os perigos do sexo sem camisinha. Que merda os adultos comem?

— Vamos sair no sábado? Ir no cinema, sei lá? – ela me perguntou no momento em que eu abria desesperadamente meu sanduíche que estava envolvido num pedaço de plástico-filme. Admito que mal conseguia dar atenção ao que ela dizia diante da visão majestosa daquele sanduíche.

— Sábado? Não sei se vai dar. – mastiguei e engoli. – Meus pais voltam esse fim de semana. Queria estar em casa quando eles chegassem.

Ela fez um cara de desapontada, mas não queria deixar eu perceber, então deu um sorriso fraquinho tentando parecer conformada. Mordi mais um pedaço do sanduíche; como aquilo era incrível, todos os sabores se completando uns nos outros. Como essa garota não engordava com uma mãe cozinhando assim em casa?

— Vamos fazer o seguinte... – falei tentando mastigar e engolir e não continuar falando constrangedoramente de boca cheia. – Eu não sei a que horas o voou deles vai sair. Eles gostam de viajar no fim do dia, se for assim a gente sai de tarde, que tal?

— Ótimo, pode ser. – agora parecia um pouco melhor. – Descobriu qual é o ingrediente?

— Claro! Queijo gruyère, antes ele só usava o de cabra. – ela balançou a cabeça em afirmativa e se agarrou no meu braço e notou o estranho encostado na árvore nos encarando. – Oi, sou a Eduarda, você é...?

Ela perguntou mais por simpatia do que curiosidade, porque ela é realmente o tipo de pessoa que tenta te conhecer antes de tomar qualquer outra atitude. Essa inocência dela me confortava, porque compensava meu mal humor mal direcionado às vezes.

— Ele é o Lorenzo.

Ele olhava pra ela de um jeito diferente agora, embora as sobrancelhas meio claras continuassem arqueadas, os olhos, de um verde de dar raiva de tão verdes, abertos completamente, que dava aquela aparência de lucidez absurda. Eu tinha que aceitar, aquela era a expressão normal do cara. Como pode alguém ter sobrancelhas arqueadas assim de um jeito tão natural? E que cara é essa que ele tá fazendo?

Então Eduarda se aproximou dele, para cumprimentá-lo, ele estendeu a mão, mas Eduarda sempre cumprimenta todo mundo com dois beijinhos na bochecha (outra coisa que eu amo nela), de forma que, quando estendeu a mão, ela já estava com o rosto colado ao dele. Foi hilário, porque ele congelou completamente, as linhas dos lábios ficaram tensas, uma sobre a outra.

— Eu... Eu sou o Lorenzo. – ela riu dele e voltou a se agarrar ao meu braço. Ele tá caidinho por ela.


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Notas finais do capítulo

Pois então, eu já sei "primeiro capítulo é difícil e chato", é sim! Mas me digam o que acharam dos personagens, se o texto tá chato e afins. Tô aqui pra ouvir.
Até o próximo capítulo!



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