Intento Perderte - Trendy escrita por dmsabs


Capítulo 3
Moving on




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A luz do sol já tentava invadir a janela do quarto de hóspedes quando eu finalmente caí no sono. Desde quando havia decidido dormir, depois de deixar Alfonso falando sozinho, eu não parava de pensar no nosso casamento. Ao que parece, ele ainda tinha esperanças de que pudéssemos resolver tudo, de que tudo poderia voltar a ser como antes, aqui, nesse apartamento que foi a testemunha do nosso amor e também do nosso declínio. Talvez, no fundo, eu também tivesse essa esperança, e por isso demorei tanto para finalmente botar um ponto final na nossa história. Passei mais de um ano para conseguir entrar com os papéis do divórcio e aceitar que aquela história de amor que havia começado há 18 anos atrás, havia acabado.

18 anos atrás. Alfonso esteve na minha vida por 18 longos anos. E isso me assustava! Me dei conta que havia passado mais tempo da minha vida ao lado dele, do que sem ele. Sim, tivemos idas e vindas, alguns poucos anos separados, mas como se fosse o destino, nossos caminhos sempre voltavam a se cruzar. E toda vez que isso acontecia, aquela faísca que havia entre nós dois, causava um incêndio. Every. Fuckin’. Time. Fosse um beijo roubado, ou uma transa apaixonada, ele namorando, ou eu namorando, o incêndio sempre acontecia. E no fim nós sempre brigávamos. Não era incomum nós nos referirmos ao nosso namoro como um tormento, porque realmente era. Mas era o melhor tormento que viveríamos em toda a nossa existência, e disso os dois tinham certeza.

Mas era difícil aceitar que aquilo chegaria ao fim, de uma vez por todas. Dessa vez não era só um tempo, não éramos duas crianças terminando um namoro, ou dois jovens cheios de paixão buscando seus sonhos em caminhos distintos. Éramos adultos, marido e mulher, casados, com uma filha, na casa dos 30 (ele, na verdade, mais próximo dos 40). Era um casamento que chegava ao fim, na pior das circunstâncias. Era um ponto final colocado à caneta, e não à lápis, como havíamos feito por todos esses anos. Esse era definitivo, e apesar de termos uma ligação para sempre – Julia -, sabíamos que era só isso. Em um mês, a única conexão que teríamos seria a nossa filha, o fruto de todos esses anos de paixão e amor incondicional que alimentamos um pelo outro, o fruto do nosso amor verdadeiro.

Eu deveria me sentir aliviada, não? Afinal, esse último ano não foi fácil para mim. Só Deus e a minha família sabem o quanto eu sofri com essa separação, todas as noites em claro, todas as lágrimas derramadas, a depressão em que eu me afundei por muitos meses depois de ver a família que havíamos lutado tanto para construir, ser desfeita assim, sem explicações. Eu não queria ver ninguém, falar com ninguém, não queria ver a cara dele na televisão, nas revistas, não queria ouvir sua voz, não queria olhar para aqueles olhos verdes que tanto tinham poder sobre mim. Fiquei mais de 8 meses sem ve-lo, pois toda vez que ele ia para o México, eu fazia questão de deixar Julia na casa dos meus pais para que ele fosse busca-la lá, e não no meu apartamento, para que assim eu pudesse evita-lo ao máximo. Apenas há alguns meses atrás, acabei encontrando-o novamente, e não foi um dia fácil. Em algumas semanas deixava Julia com a minha família, ou com a de Alfonso (que também moravam no México e com os quais eu possuía uma boa relação, apesar de tudo), e ficava sozinha em casa, trancada no quarto, chorando por dias, no meio de todas as nossas lembranças, de todas as cartas que trocamos, das nossas fotos, de tudo que me lembrava dele, até que minha irmã quase derrubasse a porta do apartamento e me tirasse de todo aquele mar de angustia e sofrimento.

Para Julia, eu ainda era uma supermãe. Ela era a única pessoa que me fazia esquecer de tudo o que eu estava passando, e eu consegui, durante todo esse ano, esconder minha depressão dela. Ela não merecia passar por tudo isso junto comigo, ela não tinha culpa de nada, e eu não traumatizaria minha filha com o meu sofrimento com o pai dela. Ela era meu porto seguro e eu o dela. Nos dias em que a minha vontade era ficar o dia inteiro na cama chorando e me lamentando, era só ela aparecer no meu quarto que imediatamente meu sorriso aparecia, e eu conseguia esquecer um pouco daquela dor que me sufocava todas as noites. Mas esconder tudo dela não era o suficiente, e eu me lembrava perfeitamente do dia em que eu decidi que aquilo tinha que parar, que eu precisava seguir em frente e continuar a minha vida, que Alfonso não podia mais ter o controle sobre o meu destino.

Início do flashback

Cidade do México, Junho de 2020

Lembro que era uma sexta-feira fria no distrito federal. O despertador tocava insistentemente e eu, bêbada de sono, não conseguia alcança-lo. Pensei, por um momento, em deixa-lo tocando até que parasse, voltando a dormir, mas me lembrei que naquele dia eu não poderia fugir da realidade. Tinha um dia cheio pela frente.

Fazia algumas semanas que Julia havia completado 2 anos. Fizemos uma festa grande para ela, reunindo minha família e a família de Alfonso, além dos amiguinhos de Julia e dos nossos amigos mais próximos. Deixo claro que era a família de Alfonso, não ele. O dito cujo preferiu o trabalho, ao invés da filha. Ok, eu sei que ele tem suas responsabilidades, mas o que custava tirar um dia para ficar ao lado dela, que tanto sentia a falta dele? Mas não, disse que era impossível ele conseguir comparecer no aniversário, que as gravações não poderiam parar por causa da vida pessoal dele, e blábláblá. Foi a primeira vez em muitos meses em que eu troquei palavras com ele, e claro, para brigar. Mas ele disse que compensaria, e que em algumas semanas teria uma folga e iria ao México para curtir a filha. E esse dia havia chegado.

Finalmente desliguei o despertador, enquanto ia em direção ao banheiro, praguejando. Eram 9 da manhã, e tudo o que eu queria era continuar dormindo. Já comecei a pensar no fim do dia, quando eu poderia voltar para casa e descansar, tentando me animar mais, em vão. Para minha sorte, a única coisa que fazia eu me animar em qualquer tempestade, logo entrou no quarto, se jogando na minha cama.

— Meu amor, o que faz acordada? A mamãe ia te chamar. – falei ao ve-la abraçada ao meu travesseiro, quando saí do banheiro.

— Eu acordei com o barulho disso aí, mamãe. – ela falou manhosa, apontando pro despertador.

— Ah minha vida, perdoa a mamãe. – eu já estava deitada na cama, abraçando-a. – Demorei para desligar o barulho. – dei um beijo em sua bochecha e observei ela se encolher em meus braços.

— Queria continuar dormindo. – ela fechou os olhinhos, encostando a cabeça em meu peito e eu sorri.

— Eu também bebê, mas não podemos. O papai chega hoje à noite, e nós temos muitas coisas para fazer antes de você ir para a casa da vovó. – falei enquanto mexia em seu cabelo. – Vem, vamos tomar banho para irmos no shopping. A mamãe ainda precisa passar no escritório do tio Julio para resolver umas coisas. E depois temos um dia todo pela frente.

— Só se você deixar eu tomar sorvete. – ela se desvencilhou do meu abraço, cruzando os bracinhos e fazendo cara de brava, me tirando uma risada. – Mamãe, não ri. – ela colocou as mãos no meu rosto, apertando minhas bochechas. – Ardilla mama! – não tinha como negar que era filha de Alfonso.

~

Estávamos almoçando na casa dos meus pais quando senti meu celular vibrar pelo recebimento de uma mensagem, e ao ver o nome dele na tela eu estremeci. Decidi ignorar, enquanto o almoço não terminava. Mas meus pais claramente perceberam algo estranho em mim.

— Dulce, está tudo bem? – meu pai chamou a minha atenção, da ponta da mesa.

— Oi? – acordei dos meus pensamentos que estavam naquela maldita mensagem. – Sim pai, tudo ok. – forcei um sorriso, tentando não deixa-lo preocupado.

— Como foi no escritório? – ouvi minha mãe perguntar, e virei minha atenção para ela.

— Foi ok. Eles queriam que eu já começasse a escolher algumas músicas semana que vem, mas eu insisti para adiarmos um pouco. Julia acabou de fazer 2 anos, não sei se é o momento para voltar...

— Exatamente, Julia acabou de fazer 2 anos. Já está na hora de você começar a pensar no seu trabalho novamente. Ela já está toda crescidinha, não é meu amor? – minha mãe lançou um olhar para Julia que brincava com a comida. – Você sabe que apoiamos você em tudo, mas eu também sei o quanto o seu trabalho significa para você, minha filha. Eu sei o quanto você sente falta e o quanto esse retorno pode fazer bem para você, depois de tudo... – ela tentou encontrar as palavras certas. – Enfim, você sabe.

— Eu concordo com a sua mãe, Dulce. – meu pai falou. – Nós estaremos aqui para ajudar em tudo. Você sabe que vamos te ajudar a cuidar dela.

— Eu sei pai. – respirei fundo, tentando finalizar o assunto. – Eu vou pensar sobre. Prometo. – dei um sorriso para ele, que entendeu o assunto como finalizado.

Na primeira brecha após nos retirarmos da mesa, fui para a varanda, afim de descobrir o que tinha na mensagem. Uma péssima ideia.

Ao ler o que ele havia mandado, - e que nada tinha a ver com Julia (o único assunto no qual trocávamos palavras) -, todas as forças que eu havia feito para esquecer sobre essa data foram em vão. Encarei a data no visor do celular. 12 de junho. Minha memória viajou no passado, há 6 anos atrás. 12 de junho de 2014.

Eu senti que minhas pernas me trairiam e logo busquei um apoio. Me sentei na cadeira de balanço e logo senti as lágrimas inundarem meus olhos. Peguei o celular e reli novamente a mensagem.

“Eu sei que esse mês é o ‘aniversário’ de algo bem ruim que aconteceu com a gente, mas também o de um acontecimento maravilhoso. Há 6 anos atrás um novo capítulo começava na nossa história. Obrigado por ter me dado aquela chance. Sem ela eu não teria ganhado o maior presente de todos: a nossa filha. Eu te amo, para sempre. ”

Eu pisquei algumas vezes, tentando afastar as lágrimas, mas meu corpo me traiu, e como uma avalanche, todos os sentimentos que eu tentava controlar simplesmente me invadiram, e eu desabei, soltando um choro forte, que estava preso em minha garganta. 

https://www.youtube.com/watch?v=wLWBg-jpjGI

É claro que eu sabia, desde o momento em que me levantei, o que aquele dia significava. Mas eu decidi ignorar, porque eu sabia que eu não poderia me dar ao luxo de ficar mal em um dia tão cheio como aquele. Mas Alfonso, insensível com os meus sentimentos, com a minha sanidade, decidiu me lembrar. E aquilo me pegou em cheio.

O que tínhamos feito com a nossa vida? Como que toda aquela paixão, todo aquele amor, acabou em mágoa e ressentimento? Eu sentia um aperto no peito completamente desesperador. Tudo o que eu queria naquele momento era abraça-lo, era que ele me dissesse que tudo havia sido apenas um enorme pesadelo, e que nosso casamento continuava firme e forte, como sempre foi. Eu queria que ele me dissesse que eu estava louca, que eu havia sonhado, que ele continuava o mesmo marido carinhoso, afetuoso, que compartilhava suas angustias e seus medos comigo, meu confidente, meu melhor amigo, a pessoa que mais me conhecia, a pessoa que sempre cuidou de mim durante todos esses anos. Aquele cara que deixava tudo para ficar comigo, que tocava o foda-se para todos quando eu precisava dele, aquele moleque pelo qual eu me apaixonei em 2002, e que se tornou um homem maravilhoso, um marido exemplar, um pai presente, eu queria que ele me dissesse que aquele cara ainda existia. Eu só queria que ele me dissesse que o distanciamento que ele teve de mim foi coisa da minha cabeça, que eu era a única mulher na qual ele pensava e que tudo o que eu vi, naquela noite chuvosa em Los Angeles, havia sido minha imaginação. Eu só queria que ele arrancasse aquela dor agonizante, e me amasse como nunca amou.

Eu buscava em minha mente algum pingo de racionalidade que ainda restasse para me dizer que eu deveria parar de sofrer tanto, que eu não morreria só porque nosso relacionamento não tinha dado certo, que a minha vida não acabaria só porque eu não consegui viver feliz para sempre com o homem que eu amava. Mas eu não conseguia parar de pensar em como seria minha vida daqui pra frente. O fato de que esse último ano não tinha sido apenas uma exceção, mas que a partir de agora, ele viraria a regra, não me dava a menor tranquilidade. Eu deveria me acostumar com sua ausência, me acostumar que ele jamais voltaria para a minha vida, parar de ficar esperando que algum dia tudo fosse ficar bem, porque não iria. Não Dulce, não iria. Porque você jamais conseguiria perdoar aquela traição. Talvez por ele nós até conseguíssemos seguir em frente, mas por você mesma, isso não aconteceria. Será que eu estava sendo tola? Será que, ao final, a vilã da história era eu, que não conseguiria dar outra chance para ele?

A verdade é que a dor de sua ausência era sufocante. Eu precisava aceitar que eu não teria mais seu amor, que eu não teria mais seus braços me protegendo nos piores dias, que não teria mais seu carinho, seu toque, seu olhar terno, seus beijos. Eu precisava me reabilitar desse amor, me “desviciar” de Alfonso Herrera. Entender que a minha vida continuava, que ainda tinha muito para viver, muitas aventuras, muitos amores. Eu ainda poderia encontrar um novo amor, não era tarde demais. Ou era? Eu sempre acreditei que Poncho era o amor da minha vida, meu príncipe encantado, aquela pessoa única que encontramos na nossa vida e que imaginamos terem sido colocadas nessa Terra especialmente para nós. Seria difícil aceitar que, por mais doloroso que fosse, talvez ele não fosse tudo isso. Porque se fosse, eu estaria perdida.

Às vezes a dor era tanta que eu realmente pensava, por alguns minutos, em ligar para ele. Ligar, pedir para voltar, pegar o primeiro voo para Los Angeles, encontra-lo no estúdio, correr para os seus braços e pedir perdão. Perdão por ter fugido da cena do crime daquela forma, perdão por não querer falar com ele antes, perdão por não ter tentado de novo. Mas eu não era a pecadora, não era eu quem deveria estar pedindo perdão. A não ser que eu devesse pedir perdão por não perdoa-lo.

Minha mãe tentou me consolar por um tempo, me lembrando da pequena criança que estava correndo do outro lado da casa e que precisava que eu fosse forte por ela. Mas demorou uns bons 40 minutos até que eu conseguisse parar de chorar e me recompor um pouco. Milagrosamente, Julia ainda não havia me procurado pela casa ainda, mesmo com tanto tempo de ausência. Provavelmente estava entretida com o avô.

Quando eu vi que já passava das duas da tarde, me levantei, enxugando as lágrimas que ainda restavam, arrumando minha roupa amassada e fui em direção ao banheiro no andar de cima, em busca de retocar a maquiagem. Minha mãe me seguia, tentando buscar palavras de conforto, mas a verdade é que nada do que ela falasse ia melhorar alguma coisa que eu sentia.

— Dulce, porque você não passa a tarde com a gente? Depois seu pai leva a Julia para a casa dos Herreras, e você dorme aqui.

— Mamãe, não posso. – eu já retocava o rímel. – Tenho algumas coisas para fazer ainda, e depois vou levar a Julia para a casa dos avós. Inclusive, preciso ir correndo para a imobiliária, antes que meu corretor vai embora. – ela estava encostada na porta, e quando me ouviu falar de imobiliária, franziu o cenho.

— Como assim, imobiliária, Dulce? O que vai fazer?

— Eu estou pensando em comprar uma casa para me mudar com a Julia. – respondi, enquanto arrumava a bagunça que eu havia feito na pia.

— Mas Dulce, para que uma casa só para vocês? Eu já acho que vocês ficam muito sozinhas naquele apartamento, imagina em uma casa grande? Pela Virgem de Guadalupe, filha!

— Mãe, eu não quero criar minha filha em um apartamento. Eu quero que ela tenha um quintal para correr, para brincar, para ser criança. Apartamento é muito limitado para isso. – eu já saía do banheiro, apressada, e minha mãe continuava me seguindo.

— Por que vocês não vêm morar aqui? – eu parei de repente, olhando para ela, indignada com a pergunta.

— Mamãe! Por Diós! Eu tenho 34 anos, preciso do meu lugar. – respondi e me arrependi no mesmo momento, vendo a chateação nos olhos da minha mãe. – Mamá... desculpa. – suspirei, me aproximando dela e abraçando-a. – Eu amo vocês, e eu amo estar aqui, a Julia também, mas nós precisamos do nosso cantinho. E eu preciso tomar as decisões que eu julgue serem melhores para a minha filha.

Ela assentiu, deixando de lado essa discussão.

~

Não foi fácil terminar aquele dia. Toda vez em que eu olhava para os olhos da Julia, eu lembrava dos dele, e foi necessário um esforço danado para que eu não parasse o carro na primeira esquina e desabasse novamente, em cima do volante. Mas ter Julia do meu lado, apesar de me lembra-lo a todo momento, também me dava forças para seguir em frente.

— Mamá, já vamos para a casa da vovó Ruth? – andávamos em direção ao estacionamento, ela carregando o tão famigerado sorvete de chocolate que havia me pedido em uma mão, enquanto a outra estava segurando a minha.

— Sim bebê. Vou te deixar lá, e a noite o papai vai chegar para encontrar vocês. – eu sorri pra ela, que me devolveu o sorriso. – Você está animada?

— Sim! – ela deu um gritinho, rindo e se lambuzando com o sorvete. Ao ver a cena, me abaixei a sua altura, pegando o paninho de sua pequena mochila e limpando sua boca melada de sorvete de chocolate.

— Filha... – eu ria da cena. – Assim você vai chegar lá toda suja, sua porquinha. – Limpei suas mãozinhas que também estavam sujas e enrolei melhor a casquinha do sorvete no guardanapo, evitando mais sujeira.

— Eu to com saudades do papai. Queria que ele tivesse vindo no meu aniversário. – ela fez um biquinho, mas antes que eu pudesse ter tempo de falar qualquer coisa, ela já abriu outro sorriso. – Mas agora ele vai ficar uma semana inteirinha comigo! Eu acho que não quero que ele venha mais no meu aniversário mamãe, assim ele fica uma semana e não um dia só. – ela sorriu sapeca, e eu retribui o sorriso, dando um beijo em sua testa. Mas aquilo não me fez feliz, pelo contrário, me machucou. Me machucou por sabe quer pelos erros de dois adultos, ela pagava o pato, ficando longe do pai.

Dirigi dispersa até a casa dos pais de Alfonso, que ficava em um condomínio do outro lado da cidade. Julia estava na cadeirinha no banco de trás, se divertindo enquanto assistia desenhos no DVD. Aquele dia tinha sido muito mais difícil do que eu jamais pensaria que fosse ser. Meus pensamentos iam de 2014 para 2019 e de 2019 para 2014. Junho, o mês do nosso recomeço, mas também da nossa separação. Era difícil acreditar que já fazia 1 ano que tudo tinha desabado, que eu havia pego o primeiro voo para o México, as pressas, deixando tanta coisa para trás.

Fui despertada dos meus pensamentos por Julia, e logo limpei uma lágrima que teimava em cair.

— Mamãe, que demora!

— Já estamos chegando, filha. Mais uma quadra. – observei-a pelo retrovisor e sorri.

Logo estacionei em frente à casa do senhor e da senhora Herrera. Desci do carro, dando a volta para abrir a porta de trás e desafivelar o cinto que prendia Julia na cadeirinha, ajudando ela a descer. Logo que a coloquei no chão, ela já correu para tocar o interfone da casa dos avós, enquanto eu pegava sua pequena mala e colocava no chão.

Fechei o carro e fui em direção a ela levando a mala, mas logo a vi entrando pelo portão que fora aberto, correndo toda desengonçada.

— Papai!!! – ouvi ela gritar e na mesma hora senti um frio na espinha.

Acabei ficando imóvel onde eu estava. Senti minha respiração começar a falhar e a vontade que eu tinha era de jogar a mala por cima do muro e sair correndo. Será que seria muito indecente fazer isso?

Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Ele só deveria chegar pela noite, caramba! O que ele estava fazendo ali, aquela hora? Por que ele não avisou que chegaria mais cedo? Pelo amor de Deus! Será que ele queria me torturar? Sabia muito bem que eu o evitava a qualquer custo.

Logo os dois apareceram no portão, ela de mãos dadas com ele, enquanto ele me mirava com um sorriso nos lábios.

— Quer ajuda? – ele perguntou, enquanto Julia veio correndo até mim, tentando puxar a mala, e ele a acompanhou.

— Nã-não. – respondi meio absorta. – Julia, você vai se machucar. – a repreendi, enquanto ela insistia em tirar a mala de mim.

— Deixa que eu cuido disso. – ele pegou a mala das minhas mãos, e eu não consegui ter qualquer reação que não fosse apenas observa-lo. – Dulce? Você está bem? – ele me encarou, franzindo a testa.

— Sim. – eu balancei a cabeça um pouco, tentando acordar do transe. – Eu tenho que ir.

— Por que não fica um pouco? Vem falar oi para os meus pais. – ele já andava em direção ao portão. 

— Não posso. Tenho compromisso agora, só vim deixar a Ju mesmo. – me abaixei, ficando de joelhos. – Filha, não vai dar um abraço na mamãe? – ela, que já andava atrás dele, voltou correndo até mim, pulando no meu pescoço e me dando um abraço forte, comparado com o seu pequeno tamanho.

— Por que você não fica mamãe? Nunca saímos eu, você e o papai juntos. – eu engoli seco com sua pergunta, mas forcei um sorriso.

— Não posso, bebê. Mas você vai se divertir muito com o papai, ok? – segurei seu rosto em minhas mãos. – A mamãe te ama muito, não esquece. – beijei suas duas bochechas e ela começou a rir.

— Também te amo, mamá! – ela me abraçou por uma última vez, e então ela se afastou, correndo para dentro da casa. Me levantei, olhando para ele uma última vez, encontrando seu olhar. Foram 3 segundos, mas pareceu uma vida inteira.

Entrei no carro e saí daquele lugar o mais rápido possível, sem conseguir controlar o choro. Dirigia sem rumo, deixando as lágrimas invadirem meu rosto, sem reprimi-las. Eu queria matar Alfonso por me fazer passar por tudo isso. Mas, mais do que tudo, eu queria deixar de me sentir tão fraca e vulnerável. Eu queria deixar de sentir toda aquela dor toda vez que alguém falava dele, ou quando eu lembrava dele. Queria que ele deixasse de ter tanto poder sobre o meu ser.

Quando eu percebi, já havia passado – e muito – do meu apartamento. Já era noite, mas eu não sabia exatamente as horas, pois ao tentar ver o relógio no celular, percebi que o mesmo estava sem bateria. Respirei fundo, tentando identificar em qual parte da cidade estava, mas não consegui. Decidi estacionar o carro em uma praça e desci para tomar um ar e procurar informação.

Era uma praça bem iluminada, onde várias crianças corriam de um lado para o outro brincando, enquanto muitos pais supervisionavam. Pude avistar o relógio da igreja que se encontrava ali e percebi que o ponteiro já batia na casa das 8 da noite.

— Dulce? – ouvi meu nome e me virei para trás, um pouco assustada.

— Luis Rodrigo? – o encarei sem acreditar. – O que faz aqui?

— Eu que lhe pergunto. – ele riu, mas ao perceber que eu não estava de bom humor, retomou a cara séria. – Eu moro na vizinhança. Você esqueceu? – comecei a pensar que meu subconsciente estava louco me mandando para a casa de ex namorado e acabei esquecendo de responder. – Dulce? Está tudo bem?

— Sim, sim, desculpa. – dei um sorriso fraco.

— Você está perdida?

— Sim. – suspirei. – Desci para procurar informação. Mas agora eu acho que já me lembrei.

— Amor? – uma mulher loira que aparentava ter a minha idade se aproximou de nós, segurando um bebê no colo. – Eu já vou para casa, ele está ficando com fome. – ela deu um selinho nele. – Você vem agora? – ela então me olhou, com uma cara de interrogação, talvez tentando lembrar de onde me conhecia.

— Pode levar ele. – ele entregou as chaves do carro. – Logo eu vou. Vou ajudar a minha amiga a voltar para o centro. Está perdida. – ele riu, mas ela me lançou um olhar desconfiado.

— Ela não me reconheceu? – o fitei, assim que ela saiu.

— Acho que não. – ele deu de ombros. – Mas Dulce, o que aconteceu? Você andou chorando? – ele me olhava preocupado.

— Não. – desviei meu olhar do dele.

— Seus olhos estão mais vermelhos que pimenta. – ele riu. – Ou é isso, ou você andou aprontando... – ele levou os dedos aos lábios, imitando um cigarro.

— Ai Rodrigo, claro que não! – eu ri. – Você sabe que nunca fumei isso.

— Então, o que foi? Fiquei sabendo do que aconteceu... – ele ficou meio desconcertado. – Que vocês se separaram.

— Ai... – respirei fundo. – O tormento nunca acaba...

Nós ficamos conversando por algum tempo. Não me aprofundei muito no assunto Alfonso, mas contei que não estava em um momento bom. Ele me falou sobre a família que havia formado e do quanto estava feliz. Mesmo que por pouco tempo, eu consegui esquecer toda a história com Alfonso e me sentir feliz por Rodrigo. Namoramos um bom tempo, antes de terminarmos e eu me mudar para LA, quando reencontrei Alfonso. E sempre fomos muito confidentes um com o outro, ele sempre havia sido não só um namorado, mas um amigo incrível, e foi bom ter tido aquela conversa com ele.

Mas como já estava tarde, logo nos despedimos, depois de ele me ensinar a como voltar para o centro da cidade. Eu tinha uma longa estrada pela frente.

Acho que demorei pouco mais de uma hora para enfim chegar em casa. Quando olhei no relógio da cozinha, ele já marcava quase dez e meia da noite. Respirei fundo e decidi que precisava tomar um banho. Joguei minhas coisas em cima do sofá – incluindo meu celular – e fui para o banheiro.

Deixei a água quente cair sobre mim, rezando para que ela levasse todos os sentimentos ruins com ela, ralo a baixo. Infelizmente, não era assim que funcionava, e logo senti as lágrimas me pegarem novamente. Fiquei um bom tempo debaixo daquele chuveiro, fazendo o que eu sabia fazer melhor: chorar.

Quando saí, estava exausta de todo aquele dia e decidi ir direto para a cama.

~

Acordei assustada com a campainha tocando desesperadamente. Levantei, apenas de camisola, e fui em direção a porta, sem deixar de passar pela cozinha e reparar que o o relógio marcava 3 da manhã.

— Dulce, pelo amor de Deus! Até que enfim! – minha irmã Blanca foi me empurrando para dar espaço e entrou no apartamento toda afobada. – Caramba, Dulce, onde você estava?

— O que está acontecendo, Blanca? – cruzei os braços, sem entender todo aquele escândalo.

— Cadê teu celular? – ela começou a procurar pela sala, encontrando-o em cima do sofá.

— Está sem bateria. – falei, dando de ombros.

— Dulce! Jesus!

— Blanca, fala logo o que está acontecendo! – falei irritada.

— Dulce, a Julia está no hospital! – e foi necessário uma frase para que meu chão se abrisse.

— O que? Como assim, Blanca? O que aconteceu? Que história é essa? – meus olhos já se enchiam de lágrimas.

— Vai se arrumar que eu te conto. Rápido!

Descobri que Julia havia tido uma crise de asma enquanto estava com Alfonso, e ele havia tentando me ligar desesperadamente atrás da bombinha dela, que por alguma razão eu havia esquecido de colocar em sua mala. Quando ela começou a piorar, ele não teve outra opção a não ser leva-la para a emergência.

Eu nunca havia tido nenhuma crise como mãe, de pensar que eu não sabia fazer aquele trabalho direito, nem nada disso. Eu sempre soube que era uma boa mãe, sempre coloquei os interesses da minha filha à frente dos meus, sempre fiz de tudo por ela. Mas Blanca, em 5 minutos, mudou toda essa história. Eu me sentia a pior mãe do mundo. Como Deus permitiu que eu colocasse outro ser vivo para depender de mim nessa Terra? Eu estava me sentindo a pessoa mais incapaz que já havia andando nesse universo. Eu só queria pegar minha filha, abraça-la e nunca mais larga-la.

Não pude evitar que as lágrimas caíssem no caminho para o hospital. Eu nunca havia me odiado tanto como naquele momento. Como eu pude ser tão egoísta? Se eu não tivesse ficado choramingando por Alfonso pelos cantos, isso jamais teria acontecido. Como eu fui capaz de esquecer um item tão essencial para Julia? Como eu fui capaz de ignorar que haviam pessoas que poderiam precisar de mim, e achar que eu tinha o direito de sair por aí, sem me preocupar com nada? Como eu tinha virado a pior mãe para Julia?

— Onde ela está? – cheguei afobada na sala de espera, onde Alfonso estava com os pais dele e os meus.

— Onde VOCÊ estava? – Alfonso se levantou irritado, vindo em minha direção.

— Poncho! – sua mãe o repreendeu. – Por favor, não vá fazer uma cena no hospital.

— Eu vou fazer a cena que eu quiser! – ele se voltou pra mim, se aproximando novamente, e de esguelha eu percebi meus pais se levantarem. – Onde você estava, Dulce María? Por que eu tentei te ligar mais de 50 vezes e seu telefone só dava fora de área?

— Acabou a bateria e... – minha voz estava totalmente embargada, e não demoraria muito para que eu começasse a chorar. – Cheguei em casa tarde e não prestei atenção nisso, acabei indo dormir e...

— Você é uma irresponsável! – ele gritou, chamando a atenção de outras pessoas que se encontravam ali. – Como você esquece a bombinha dela? Como, Dulce? É inacreditável isso, viu. – ele riu irônico, andando de um lado para o outro, enquanto eu já chorava.

— Poncho, por Diós! Todas nós erramos em algum momento. – a mãe dele falou, se levantando e indo até ele. – Por favor meu filho, para de brigar com a Dulce. Você vai se arrepender depois. – enquanto ela tentava acalma-lo, meus pais me abraçaram, tentando fazer o mesmo comigo.

Logo eu descobri que Julia já estava bem, mas que passaria a noite em observação. Demorou um pouco para que nos deixassem vê-la, e quando isso aconteceu, Alfonso estava na cafeteria, me dando a oportunidade de vê-la primeiro.

— Mamãe. – ela sorriu, fraquinha, quando entrei no quarto.

— Meu amor. – eu sorri de volta para ela, me aproximando da cama e segurando sua mãozinha. Já começava a ficar difícil a enxergar, devido as lágrimas que começavam a cair.

— Não fica triste, mamá. Eu to melhor. – ela levou a maõzinha ao meu rosto, fazendo carinho na minha bochecha.

— Desculpa a mamãe, meu amor. – eu beijei sua testa e a abracei, ficando grudada com ela por um tempo.

— Papai! – ela exclamou e eu me virei, vendo-o na porta. Soltei Julia do meu abraço, mas sem deixar de segurar sua mãozinha. Fiz carinho no seu rosto, enquanto ele se aproximou da cama pelo outro lado.

— Ei, pequena. – ele abriu um sorriso para ela. – Como você está? – ele passou as mãos pelo cabelo dela, depositando um beijo em sua testa. – Está sentindo alguma coisa?

— Não papai, só to com sono. – ela fez um bico e ele riu.

— Então dorme, pequena.

— Não quero. – ela olhou pra mim e depois para ele. – Quero aproveitar que vocês dois estão juntos comigo. – e novamente aquelas palavras entraram como uma facada no meu peito. Nos encaramos por um tempo e ele abriu um sorriso fraco para mim, que não foi retribuído.

Já passava das quatro e meia da manhã quando Julia dormiu e decidimos deixa-la descansando. Ia em direção a cafeteria, pensando em um bom café para me manter de pé naquele momento, mas fui impedida por seus braços que me impediram de mudar de direção assim que saímos do quarto.

— Dulce, me desculpa. – ele me encarou, me soltando quando eu encontrei seu olhar. – Você é uma ótima mãe para a Julia, eu não deveria ter falado aquilo, estava nervoso e...

— A partir de hoje, você não vai mais me afetar, Alfonso. – falei com ressentimento, me virando de costas em seguida e continuando o caminho que ele havia me impedido de fazer.

Ele não se atreveu a vir atrás de mim. Eu estava magoada, ressentida, com ele, comigo. Por mais que evitasse a todo custo não transmitir tudo o que eu sentia para Julia, ela ainda acabava sendo afetada por mim. E eu precisava dar um basta nisso. Alfonso não poderia mais me afetar daquele jeito. Já fazia um ano que tudo tinha acontecido, eu precisava seguir a minha vida, precisava seguir em frente. Eu não poderia mais ficar chorando pelos cantos, perdendo a minha vida por causa dele. Eu precisava de um novo livro, um novo futuro, eu precisava focar na minha carreira e na minha filha. Alfonso, viraria apenas um passado. Eu estava decidida a isso.

— Pai? – o encontrei sentado junto a minha mãe e minha irmã, tomando um café. – Você tem o telefone do seu advogado?

Fim do Flashback

Eu me revirei por mais de duas horas na cama, pensando em tudo o que estávamos passando. Inquieta, levantei e fui até a cozinha, tomando um copo de água. Quando voltei, demorou pouco tempo para que todas as lembranças se esvaecessem e por fim, eu adormecesse.


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Notas finais do capítulo

Olá! O capítulo de hoje ficou gigante, mas espero que gostem.

Deixem seus comentários para eu saber o que estão achando da fic até aqui :)

Acredito que em breve venho com uma nova atualização.

Até a próxima!



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