Finalmente era Sábado. Algumas pessoas trabalhavam nesse dia, mas para Miguel era exclusivamente pra descansar. Isso se não houvesse recebido uma ligação dos pais.

“Já faz quase um mês que você não nos visita. Sua vózinha está velha, e quando ela morrer você vai ficar arrependido por não ter passado mais tempo com ela.” Argumentou sua mãe, sempre levando pro lado afetivo. Ou melhor, pra chantagem emocional.

“Tá bom mãe. Eu vou praí… Sim, hoje. Mas só vou ficar um dia, eu trabalho segunda”

Assim que desligou o celular, fechou o documento de texto em que trabalhava e abriu o site pra comprar a passagem.

O celular tocou de novo e Miguel revirou os olhos antes de atender.

“Alô”

“CARALHO MIGUEL, EU DISSE PRA VOCÊ ME SURPREENDER MAS NÃO ERA TANTO ASSIM!” Marina gritou do outro lado da linha, o moreno afastou o celular do ouvido

“Para de gritar, sua maluca. O que foi?”

“Ué, essa mudança súbita. Era uma menina, e agora virou menino. É um romance gay?!!! Caramba eu nunca imaginei que eu fosse ler um romance gay escrito por Miguel Sierpe na minha vida.”

“Tem algum problema?” Perguntou, confirmando a compra da passagem no notebook

“É claro que não, até parece que não me conhece. Mas vem cá… Você tá namorando um cara?” Ela baixou o tom de voz na última frase.

“Hm… Não?”

“Ah. Nem pegando? Por que resolveu escrever sobre isso então? Eu sempre achei que você fosse hétero”

Miguel riu, com um toque de deboche pra não perder o costume “Mari, eu preciso ser gay pra escrever sobre isso? Eu só achei que ia ficar mais interessante assim. Tem coisas que não aconteceriam se o protagonista fosse mulher”

“Bom, você que sabe. Eu to gostando mas acho que pode dar mais emoção. Acontecimentos mais interessantes…”

“Tarada.”

E assim terminou sua encheção de saco do fim de semana. Da parte da sua chefe, porque de resto… Nem tinha começado.

xXx

“Ôh Deninho, cê ta bem? O que o Fred te fez?” Luana perguntou, estava abraçando Dênis pelas costas, e o garoto apenas fazia seu trabalho no caixa, cabisbaixo. Por sorte Fred não o encheu o saco no Pet Shop.

“Nada não Lu.”

“Ah, para… Eu só já te vi assim uma vez, quando brigou com seu pai. Eu sei que ta muito chatedo. Não precisa esconder de mim” ela falou, com a voz mansa. Odiava ver o amigo daquele jeito, e milhões de coisas passavam pela cabeça da garota sobre o que teria acontecido.

“Não se preocupe com isso, é besteira. Mas depois eu te conto. Não quero falar disso agora”

Para não ser insistente, Luana concordou. O expediente era mais curto aos sábados e já estava quase na hora de irem para casa.

Fred se escorou no balcão e encarou Dênis. Luana estava se corroendo de curiosidade, mas pegou a deixa e saiu dali, foi até o escritório de seu pai.

O loiro suspirou. Era de conhecimento geral que não conseguia ficar com raiva de alguém por muito tempo e quando sustentou o olhar de Fred, vendo o arrependimento ali, suas barreiras despencaram.

“O que você quer?” Perguntou, se esforçando para manter o mau humor.

“Conversar. Pedir desculpas… Você pode me ouvir?” O moreno se aproximou um pouco. Do escritório, Luana assistia pela câmera, roendo as unhas. Para a infelicidade da menina, não havia som.

“Posso.” Respondeu, cruzando os braços.

“Eu me preocupo muito com você, Dênis. Pense em como eu me senti quando soube daquilo, não me controlei, agi por impulso… Eu nunca te machucaria de propósito” ele mordeu o lábio, se aproximou devagar e segurou os ombros de Dênis “você me perdoa?”

O loiro desviou o olhar para o chão “eu sei que você não quis me machucar Fred. Não foi isso que doeu. Magoou ter falado de uma coisa que não te diz respeito, mas foi pior quando não acreditou em mim… Desde quando você sabe da minha opção sexual?” Se voltou para ele, com curiosidade.

“Ah. Desde criança eu já sabia. Desde antes de você saber” ele riu, relembrando “mas eu pensava que você não reparava nas meninas porque era mais novo. Depois que fui sacar… Mas não se preocupe, não conto pra ninguém” Fred deixou as mãos escorregarem pelos braços de Dênis, até segurar suas mãos. “Não precisa me perdoar… É só tirar essa carinha de tristeza do rosto. Eu não vou duvidar de você de novo, e muito menos te acusar.”

“Eu não problema em te desculpar, não precisava de todo esse drama. Só quero combinar uma coisa. Você pode parar de implicar com o Miguel? Ele só fez um favor. E também… Você só encosta em mim quando eu deixar.”

Fred tirou a mão de Dênis no mesmo momento, não concordava nada com nenhuma dessas exigências, mas não teve escolha. “Você que manda”

“Não seja tão radical” o loiro riu, foi como se um céu tempestuoso se abrisse de repente, exibindo um belo arco-íris, ele esticou os braços e Fred o abraçou com força, deixando-o na ponta dos pés.

Luana franziu as sobrancelhas, assistindo pelas câmeras.

“Eu comprei chocolate pra você, mas não entreguei porque você ia achar que estou te comprando com doce. Tá lá no carro. Jogou a chave pra ele depois que se separaram. Depois que Dênis saiu correndo, Fred olhou para a câmera e mostrou o dedo médio.

xXx

Miguel não dormiu durante a viagem. Apenas leu, escreveu um pouco, e no resto do tempo ficou pensando em certo loiro. Sentia vontade de passar horas perto dele, só para admirá-lo e ver seu sorriso. Era difícil pra Miguel aceitar que um moleque o abalava tanto assim, a ponto de sorrir só de pensar nos poucos momentos em que passaram juntos, e imaginar qual seria a próxima vez. Sua mente vagou pelas memórias daquele dia no hospital, quando ganhou um selinho do mais novo. Provavelmente não… Era uma pena.

Depois do desembarque, Miguel pegou um Táxi até a fazenda dos pais, quando chegou apenas abraçou sua família, conversaram um pouco e jantaram galinhada, logo acabaram indo dormir.

…

O galo cantava. Não era preciso despertador, a ave parecia gritar bem na janela do quarto de Miguel, acordando-o sem o mínimo de piedade. Quando ele abriu os olhos, viu um par de Maria-chiquinhas balançando, olhinhos verdes arregalados e sardas salpicadas por todo o rosto. Era sua irmã mais nova, aparentemente o vigiando

“Bom dia irmãozão. Você quer que eu traga café?” Ela se afastou um passo, para que o outro se sentasse na cama, sonolento.

“Não precisa, anjo” ele bagunçou o cabelo da garota “como está a escola?”

Ela deu um enorme sorriso e uma risada suspeita “eu vou pro ensino médio ano que vem”

“Aqui não tem escola com ensino médio, não é?” Ele bocejou. Se lembrava que precisou se mudar para a casa dos tios, em outra cidade, pra continuar os estudos. “Você vai continuar estudando?”

“Claro! Vou morar com você.” Ela riu, empolgada. Miguel ergueu as sobrancelhas, descrente.