Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 22
Capítulo 21




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Sigrid havia mudado. 

Elora pode perceber na forma como a menina mantinha os ombros firmes e o queixo ereto enquanto caminhava em sua direção, acompanhada de três jovens senhoras, damas de companhia, Elora diria, dois soldados e um jovem meio desgrenhado. Não havia mais quase nada da garota facilmente impressionável que se encantara pela beleza dos elfos há pouco mais de um ano. 

Pelos deuses. Havia se passado um ano? Mais? 

Elora surpreendeu-se quando percebeu que não prestava mais atenção ao tempo. Os reinos élficos caminhavam a um passo diferente, eram imortais afinal, e ela havia se acostumado tanto ao ritmo que apenas a troca das estações lhe chamava a atenção. O que mais haveria perdido? 

Outro relance para Sigrid e Elora se perguntou se as mudanças que permeavam seu interior também eram evidentes em sua aparência. Olhou discretamente para os pés e ficou extremamente consciente de sua aparência no momento. 

Não se banhava apropriadamente em dias. Havia suor em seu rosto, sujeira e lama respingadas pelas suas roupas e cabelos. Sentiu-se pequena. Era horrível estar pensando em coisas tão frívolas com as forças de Sauron praticamente batendo em sua porta da frente, mas não podia deixar de lado o fato de que era uma emissária élfica em outro reino e, definitivamente, não era assim que deveria retratar seu povo. Gostaria que Emel estivesse ali. 

Sigrid lhe oferecia um sorriso calmo, que se desfez um pouco ao ver a expressão no rosto de Elora. 

— Seja bem-vinda a Valle, minha senhora. - Sigrid lhe fez uma mesura e Elora retribuiu. - Este é Bain, meu irmão. Estamos honrados com sua visita.

— Agradeço a permissão para a entrada em seu reino e em seu lar, principalmente por chegar sem ser esperada. - Elora fez outra mesura para o menino. - Mas temo ser a portadora de notícias... alarmantes. 

Elora impediu-se de dizer mais. Seria melhor deixar Gandalf passar a informação.

— Gandalf, o cinzento, está a caminho. Ele me enviou na frente para pedir à Bard que reúna aqui o quanto antes os líderes das cidades mais próximas. 

— Nosso pai está a caminho de Esgaroth. - O jovem de cabelos revoltados avisou. 

— Ele saiu há pouco tempo, podemos alcançá-lo. - Sigrid disse, virando-se para os soldados e pedindo que enviassem um mensageiro veloz atrás de Bard. Os dois saíram a passos largos e o jovem foi logo atrás. Sigrid retornou seu olhar a Elora. - Deve estar cansada da viagem, Tilde leve Elora até um dos quartos vazios. Poderá descansar até que todos se reúnam. 

Estava claro que Sigrid geria os assuntos do reino durante a ausência de Bard. Mesmo diante do perigo desconhecido mantinha a calma e delegava ordens com experiência. O irmão parecia impetuoso demais para ligar para políticas e tratados, Sigrid era mesmo a melhor escolha como sucessora. 

Elora meneou cabeça, seguiu a dama de companhia em silêncio e esperou-a encher a banheira com a ajuda de dois ajudantes. Agradeceu aos deuses quando seu corpo cansado atingiu a água morna. Não conseguiu pensar em mais nada a não ser seus músculos relaxando e a tensão do perigo iminente deixando seu corpo. 

Haviam chegado a tempo, sim. Avisariam a todos, confeririam quantos guerreiros conseguiriam reunir em seu exército e formariam um plano para eliminar as tropas inimigas poupando o máximo de vidas possível. 

Uma leve batida na porta a trouxe de novo para a realidade. A dama de companhia voltara, avisando que o mago havia chegado. 
Elora franziu o cenho confusa. Deslocar-se da corte de Mirkwood até Valle levava mais tempo do que aquilo, não tinha como Gandalf ter se reunido com Thranduil e chegado pouco tempo depois dela ali na cidade. A menina correu para lavar os cabelos, secando-os de qualquer jeito e vestindo com pressa as roupas que Sigrid havia lhe emprestado. Uma blusa branca simples com um colete verde escuro e uma saia pesada. 

Encontrou Gandalf, em um estado muito melhor do que ela se encontrara quando chegara, sentado em uma poltrona funda, baforando seu cachimbo furiosamente. Tinha a testa franzida e murmurava frases sem sentido junto com a fumaça que expirava. 

— O que aconteceu? - Elora parou em sua frente.  - Como chegou aqui tão depressa?

— A corte está fechada. - O mago disse. - Thranduil selou os portões, ninguém tem permissão de entrar. 

A menina deixou-se cair na poltrona a frente dele. 

— Teimoso! É tão teimoso quando Thorin. Todos são! - Baforou. - Nem me deixaram chegar perto dos portões. 

— Mas...  não sabem! - Elora alarmou-se. - Precisamos voltar! Exigir que abram passagem! Vamos agora! 

— Nossa prioridade agora é Valle e as cidades próximas. Ainda teremos que lidar com Thorin. - Franziu os lábios. - Encontraremos outro meio de falar com Thranduil. Já enviei mensagens aos outros magos e para Rivendell e Lothlórien, se tivermos sorte Galadriel ou Elrond colocarão um pouco de juízo nele. 

— Então eu vou. - Elora levantou-se. Estava com um pouco de raiva de Gandalf por desistir de Thranduil tão rapidamente. - Não vão impedir minha entrada. 

Antes que o mago pudesse responder Sigrid entrou na sala acompanhada do irmão. Avisou que Bard reuniria os líderes ele mesmo, mas deveria regressar à cidade somente pela manhã.

Gandalf soltou mais uma pesada nuvem de fumaça e levantou-se. Elora sentiu o peso sobre o peito diminuir, se Bard só fosse chegar no dia seguinte podiam voltar à floresta naquele mesmo instante. Seu coração estava acelerado. O veria novamente em poucas horas... estaria preparada? 

— Retornaremos pela manhã então. - O mago disse. 

— Não seria melhor descansarem aqui? Já preparamos as acomodações. - Bain afirmou.

— Agradeço, mas é preciso ganhar tempo. Pelo menos enquanto ainda podemos. 

Novamente no quarto, uma das damas ajudou Elora a recolher seus pertences e vestir novamente a pesada capa. O coração ainda martelava no peito mas agora suas mãos estavam pegajosas também. 

Sentiu-as suarem ainda mais quando percebeu que o caminho para o qual Gandalf se dirigia não seguia para a floresta. Elora fechou os olhos com força, estapeando-se internamente por ter esquecido. Se tivesse percebido antes poderia ter ficado em Valle e seguido sozinha para Mirkwood, mas não poderia retornar agora. Não queria demonstrar sua fraqueza para o mago. 

Assim, fez Randír trotar lentamente na direção de Erebor.  

.o0o.

Era estranho entrar pela porta da frente.  

Mantinha o semblante frio e calmo, escondendo o borbulhar incessante que acontecia dentro de si mesma ao atravessar a longa ponte de mármore esverdeado. Pisava com os passos firmes, não desviando o olhar do trono à frente e de seu ocupante. Não poderia demonstrar fraqueza ou qualquer emoção, teria que ser imparcial e esquecer momentaneamente que foi ali que passou um dos momentos mais assustadores da sua vida.  

Ficara muito tempo imaginando como deveria ser esse Thorin Escudo de Carvalho de que tanto ouvira falar, tanto bem quanto mal. Mais mal, já que um dos assuntos preferidos dos elfos silvestres era caçoar do rei sob a montanha. 

— Ah, Gandalf! Venha, venha. Me perguntei esses dias quando seria honrado por sua visita. - Thorin exclamou com os braços abertos e um riso  fácil no rosto. 

O anão ergueu-se quando os visitantes alcançaram a área próxima ao trono. Gandalf aproximou-se dele, trocando cordialidades enquanto Elora vasculhada o espaço ao redor com olhos de lince. Viu a expressão alarmada de Kili quando entrou no salão acompanhado de outro anão, mas logo voltou ao semblante normal com um sorriso cordial no rosto. 

Ela continuou sua inspeção, haviam mais de quinze soldados armados postados próximos as paredes. Longe o suficiente para dar uma falsa percepção de segurança e próximos o bastante para cortarem o pescoço de desavisados em um piscar de olhos. Levantou um pouco os dedos até que tocasse a Lâmina fria de uma de suas adagas sob a capa, sentiu-se um pouco menos exposta no ambiente. 

— A sim, perigos eminentes. - A voz alta de Thorin atraiu a atenção da menina. O rei descera de seu trono e pegava uma taça transbordando de um liquido amarelo malcheiroso enquanto sacudia a cabeça para Gandalf. - Eu deveria saber que sua visita seria sobre algo do tipo. Por que não esquecemos o presságio de destruição por esta noite e aproveitamos o banquete? Podemos retomar esta conversa pela manhã, o que acha? - Thorin sorriu.

O som de risos abafados ecoaram pelas paredes em volta. Pelo visto ela e Gandalf interromperam algum tipo de celebração. Elora não se sentiu culpada. 

Mordeu a bochecha interna quando seus olhares se cruzaram, parecia que só naquele momento Thorin havia percebido sua presença. 

Claro, Elora estava vestida como uma humana comum. Logo, não merecia muita atenção pois não era uma ameaça. 

— Acho que não fomos apresentados. - Ele aproximou-se dois passos. Elora viu Gandalf enrijecer os ombros, fosse por Thorin dirigir a palavra a Elora ou fosse pelo anão ter dispensado seus conselhos tão rapidamente, ela não saberia dizer. Elora empertigou os ombros antes de respondê-lo. 

— Pode não me conhecer mas eu já fui apresentada à sua hospitalidade, Thorin Escudo de Carvalho.

Ela queria poder virar a cabeça e ver o rosto de Kili, mas permaneceu como estava. Um brilho apareceu nos olhos do rei anão e Elora viu o reconhecimento passar por eles, transformando-se em um sorriso desdenhoso. 

— Sua breve estadia em meu reino foi bem marcante, devo dizer. Fiquei um pouco desapontado quando você escapou, não é todo dia que temos o prazer de ter um de vocês dentro de nossas humildes muralhas. 

Elora cerrou os punhos. 

Como gostaria de tirar o sorriso do rosto dele. 

— Mas... talvez meus guardas tenham se enganado. - Thorin inclinou-se para o lado, analisando as feições da menina. - Não me parece uma elfa da floresta. 

— Sou muitas coisas. - Elora limitou-se a dizer. 

Thorin riu.

— Não consigo acreditar que tenho a oportunidade de vê-la na minha frente. - Ele voltou a base no trono e serviu-se de mais uma taça. - Passei meses criando teorias de como poderia ter escapado das minhas celas. Acabe com minha curiosidade, sim. Como fez? Como saiu do meu labirinto de túneis?

— Não acredito que essa informação seja relevante para o que viemos lhe falar. - Gandalf interferiu, irritado. Suas bochechas estavam inflamadas e vermelhas. 

— É claro que é relevante, preciso saber como reforçar minhas celas. - Sentou-se novamente em seu trono. 

— Não vejo porque deveria entretê-lo. - Elora atestou. Pedindo silenciosamente que Gandalf se cansasse do comportamento do anão e pudessem finalmente sair dali. 

— Claro, antes de tudo deveria me desculpar pelo comportamento de meus soldados. - Thorin recostou-se no mármore verde. - Apesar da invasão em nosso território eles deveriam ter sido mais hospedeiros, afinal estamos em um tratado de paz. - Elora não se moveu. - Vejo que há rancor em seu coração. Mas sou um anão muito generoso e para demonstrar o quanto arrependo-me da situação precária em que se colocou ao entrar em meu reino sem ser convidada, vou oferecer-lhe um presente. Kili! - ele chamou, como se o mesmo não estivesse a poucos passos de distância. O mais jovem aproximou-se. - Escolha um presente que combine com a jovem senhora. - Kili assentiu e desceu pela escada à suas costas.

Elora trancou o maxilar, apertando os dentes. 

Gandalf bufou.

— Deve encarar nosso aviso com seriedade Thorin, há um ataque sendo armado enquanto conversamos.

— Um ataque contra os elfos, você disse. Não vejo porque eu deveria me preocupar. - O anão rebateu.

— Acha que o exército de Sauron irá parar nas árvores de Mirkwood? - Elora disse erguendo a voz, sem tentar esconder sua raiva. - 

Eles estarão aos seus portões antes mesmo que consiga colocar sua cota de malha. 

— Vidas de anões leais e bons foram perdidas quando Smaug chegou. E aonde vocês estavam? Recolhendo-se entre suas árvores. Diga-me, por que eu deveria colocar meu povo em risco para ajudá-los agora?

— Não há apenas elfos nestas terras. - Ela rebateu.

— Meus portões estão abertos para qualquer homem que buscar refúgio, mas não movimentarei meu exército. 

— É sua decisão final então. - Elora disse, virou-se para Gandalf. - Estarei lhe esperando nos portões, Mithrandir.

Não esperou para ouvir a resposta do mago ou olhar novamente para o anão. Elora virou-se e andou a passos largos pelo caminho que entrara. 

Quando alcançou os cavalos ouviu chamarem seu nome. Kili vinha se aproximando com um embrulho nas mãos. Elora rolou os olhos e soltou uma risada seca. 

— Agradeço, mas prefiro declinar. - Disse a ele, quando o anão se aproximou. Ela não queria nada de Erebor. 

— Tem certeza? - Kili estendeu-lhe o embrulho e algo em seu tom de voz a fez parar. 

Olhou o emaranhado de tecido com desconfiança, mas por fim aceitou-o. Sua curiosidade havia vencido. Ao espiar o interior todo o ar saiu de seus pulmões. Era lindo. O metal prateado parecia pulsar de energia.

Elora levantou a cabeça, perdida. Porque Kili estava lhe dando aquilo?

— Estou dando-o a você, todos viram. - Kili afirmou, apontando para os sentinelas nos muros. - De livre e espontânea vontade.

Olhou novamente o colar dentro do saquinho. Tinha que sair dali agora. Não queria nem imaginar o que Thorin faria se notasse a falta da joia. 

Elora não poderia deixar que ele a recuperasse, iria aproveitar a oportunidade que Kili lhe dera e ir direto para Mirkwood. 

— Não vai impedi-lo de tentar recuperá-lo. - Ela atestou, fechando-o com um nó.

— Não. Não vai. - Kili colocou as mãos nos bolsos. Era a visão da calma e isso enervou um pouco a menina. Ele não entendia o que estava em jogo ali?

— Por que o está me dando? - Perguntou desconfiada. 

— Isso tem que acabar, e não acabará enquanto esta joia permanecer aqui. Há coisas mais importantes para nos preocuparmos, o mundo não gira ao redor dos elfos.

— Eu poderia discordar. - Elora amarrou o embrulho em seu cinto, puxando-o para conferir se estava firme o suficiente antes de montar em Randír. - Avise ao mago para onde fui e Kili, não se preocupe. Colocarei a culpa em você.

O anão afastou-se com um sorriso cúmplice.  

— Meu débito com você só aumenta. - Elora disse antes de cavalgar para longe.

 

.o0o.

Os portões da Corte de assomavam à sua frente, mas Elora decidiu dar a volta. 

Seria mais fácil entrar pelos estábulos, não teria que esperar que lhe abrissem os portões. Teria apenas que passar pelos guardas.  
Era já morara ali, poderia ser considerada como parte do reino de Thranduil. Não negariam sua entrada, mas Elora não planejava perguntar em primeiro lugar. 

Randír passava ligeiro pelo caminho conhecido e apenas quando sentinelas começaram a aparecer por entre os troncos das árvores Elora pediu que diminuísse o ritmo. Cumprimentou a todos do jeito élfico, seria mais fácil ser identificada desta forma. 

Pensou ter visto o rosto familiar de Herenvar, mas sua visão não era a mesma do que a deles. Ainda mais sob a escuridão da noite. 

Os sentinelas que guardavam a entrada para os estábulos lhe abriram passagem e cumprimentaram-na com uma profunda mesura. Desceu e entregou as rédeas de Randír ao cavalariço. O animal ficou contente com a perspectiva de sair do frio. 

Elora subiu os degraus limpos de pedra em poucos passos mas parou subitamente sob o arco de entrada. 

Como saudaria Thranduil?  Deveria ir direto ao ponto e pedir que recebesse Gandalf? Deveria pedir desculpas por lhe dizer não, mesmo quando queria desesperadamente dizer sim? Deveria pedir explicações do porque ele foi embora de Rivendell sem se despedir, mesmo apesar de tudo? Já era tarde, ele já teria se recolhido aos seus aposentos? 

— Minha senhora? 

Elora sobressaltou-se. Uma elfa de armadura bem polida estava parada ao seu lado com a mão estendida. A menina encarou-a por um momento antes de perceber o que ela queria. Corando por estar tão absorta em suas batalhas internas, Elora retirou a capa e entregou à elfa. 

— Hantalë (obrigado) - Elora falou. - Aonde está sua majestade?

— Creio que na biblioteca, senhora. Mas pediu que não fosse incomodado em nenhuma circunstância. 

Assentindo, a menina virou-se e pôs-se a caminhar em direção à grande escadaria. A elfa não se moveu, nem pareceu tentar impedi-la. 

Elora decidiu não pensar muito sobre o assunto.

Estava ofegante quando atingiu o topo. Controlando a respiração e passando os dedos por entre os fios do cabelo para arrumá-los, Elora caminhou pelo longo corredor adornado por tapeçarias familiares até parar em frente à pesada porta da biblioteca, abrindo-a em seguida. 

As dobradiças rangeram e o som pareceu ecoar por todo o palácio. Limpando o suor das mãos uma última vez no tecido das saias, entrou. 

O cheiro permanecia o mesmo de que se lembrava, folhas de chá misturadas com a fumaça da lareira e milhares de livros antigos. Caminhou o mais silenciosamente que pode até avistá-lo sentado em seu habitual lugar. Não havia nenhum livro em suas mãos, nem uma taça adornada na mesa ao seu lado. Thranduil apenas encarava as chamas da lareira acesa crepitarem com uma concentração mórbida. 

— Aran Nín? (meu rei) - Chamou-o. Sua voz sai baixa mas o movimento em seus ombros, indicou que ele havia ouvido. 

Thranduil virou em sua direção. Os lábios parcialmente abertos e olhos surpresos. 

Elora reverenciou-o mas manteve a distância. Ainda incerta de como agir. 

— Está aqui... - Ele se levantou. - Como?

— Não se ressinta com eles, - Elora indicou a direção da porta com a cabeça. - Não dei oportunidade para que me impedissem, a-acho. 
Gaguejou quando ele começou a aproximar-se a passos lentos, parando a um braço de distância. Thranduil parecia estar vendo um fantasma. Um que, caso se movesse rápido demais, poderia assustar ou fazer sumir em instantes no próprio ar.  

— Não creio que o fariam, de toda forma. 

Elora apenas engoliu a seco. O que tinha que falar em seguida? Sim, Gandalf. 

— Mithrandir esteve aqui mais cedo, veio lhe passar uma mensagem importante. Por que recusou-se a recebê-lo?

— Então é por isso que veio. 

— Primordialmente, sim. - Elora trocou o peso do corpo para a outra perna. Ele estava fazendo aquilo novamente. Olhava-a de uma forma que parecia enxergar sua alma e todos os seus segredos. - Não me olhe assim. - Sussurrou.

— Por que não? Me olha da mesma forma. - Os cantos da boca de Thranduil se curvaram em um sorriso. - Prometi a mim mesmo que lhe daria tempo, não tentaria persuadi-la. Mas, como posso ser racional quando você vem até mim no momento em que pedia  aos deuses por mais uma chance de fazê-la minha? 

Ele aproximou-se, tocando o tecido da manga dela entre as pontas dos dedos. O cheiro de seu perfume atingindo-a em cheio.

— É estranho vê-la com essas roupas. - Continuou. - Não fazem jus a você. 

— A Elora do passado vestia-se da mesma forma. Não estava acostumada à veludos e jóias. - Elora murmurou, grata pela mudança de assunto.

— Que bom que mudamos isso então. - Falou-lhe próximo ao ouvido.

A menina mordeu o lábio, tentando conter o arrepio que corria por seu pescoço. Para onde esta conversa estava indo? Precisava focar no objetivo.

— Vai ouvi-lo então? - Deu um passo para trás, precisava respirar. 

— Quem? - Perguntou confuso, ainda segurando-a de leve pelo braço.

— Mithrandir. - Elora disse. - É importante... estamos em perigo.

— Para ele sempre estamos em perigo, bein (bela). É difícil confiar na urgência de todos os seus relatos. 

— Confie em mim então. - Elora decidiu ignorar o apelido carinhoso. 

Thranduil encarou os olhos profundos a sua frente, como sentira falta deles. 

— Concordo em recebê-lo, se isso a fazer feliz. - Ele ergueu a mão e acariciou a bochecha da menina com o polegar. Elora inclinou-se ao toque. - Sob uma condição. 

A menina soltou um riso leve. Claro que haveriam condições. 

Ainda sorrindo, perguntou-o. 

— E qual é? E não omita nada.

— Não confia em mim? - Thranduil sorriu de lado. 

— Não em negociações. - Elora olhou os lábios macios do elfo, resistindo a tentação de inclinar-se para a frente. 

— Não será uma negociação. Meus termos são imutáveis. - Disse com falsa seriedade.

— Tudo é uma negociação, Aran Nín (meu rei). 

Thranduil fechou os olhos.

— Diga de novo. - Sussurrou.

Elora inspirou fundo. 

— Aran Nín (meu rei). 

— Disse-me uma vez que eu não era seu rei. - Thranduil abriu os olhos e pegou uma mecha de cabelo de Elora entre os dedos. - Isso quer dizer que agora tenho sua admiração e lealdade?

A menina lembrava-se bem de quando dissera as palavras, a briga em questão fora o que fizera-a decidir fugir para Lothlórien nas primeiras noites de sua estadia no palácio, e levara-a a ficar perdida na floresta. Lembrava-se claramente. O que a Elora do passado pensaria se soubesse que um dia se apaixonaria por aquele elfo altivo e arrogante? 

Ficaria horrorizada, certamente. 

— Sim, - Elora assentiu. - Você as tem. Me dirá agora a condição, ou haverá uma negociação para isso também?

— Aceito ouvir Mithrandir se você permanecer no palácio, há certos assuntos que gostaria de lhe falar mas já está tarde. Poderemos conversar pela manhã.

O nervosismo se espalhou. Assuntos? Que assuntos? Não seria nada muito importante, já que pode esperar até o dia seguinte... Mas, por outro lado, é Thranduil. Não há como ter certeza realmente.

Elora apenas assentiu. 

— Pois bem. Enviarei um mensageiro.

— Não será necessário. Deixei um recado avisando que viria até aqui, ele deve chegar a qualquer momento. - Elora distanciou-se, sentindo imediatamente falta do calor que emanava de Thranduil. - O que me leva ao segundo motivo da minha visita repentina. 

Ela começou a desamarrar o embrulho, um pouco tremula. 

— Estávamos em Erebor. - Continuou devagar. Esperou que a raiva nos olhos do elfo se dissipasse um pouco e seu maxilar relaxar antes de voltar a falar. - Foi bom pra mim. Ir até lá, digo. Ou talvez será... no futuro. Ainda estou um pouco abalada com a vontade de enfiar minhas lâminas no pescoço do dito rei sob a montanha. Mas foi bom confrontar meu medo.

Elora pegou a mão do elfo e pousou o embrulho sobre sua palma. 

Esperou em silêncio enquanto Thranduil desviava o olhar do seu e abria o tecido revelando o colar. Viu os olhos dele se arregalarem, os dedos temerosos alcançarem o colar. 

O elfo não falou nada por muito tempo. Elora aguardava pacientemente que o tumulto de emoções dentro dele se acalmasse um pouco. 

Thranduil caminhou de volta a poltrona, sentando-se devagar ainda com as pedras nas mãos. 

— Kíli o deu para mim. - Disse em meia voz. - Thorin não poderá me acusar de roubá-lo, mas retaliará com certeza. 
Thranduil não levantou os olhos. Não deu indícios de que havia ouvido.

— Deixe que tente. - Disse contornando as pedras brilhantes do colar com os dedos, juntas formavam um bonito desenho intricado. - Passei anos obcecado em tê-lo de volta, só o pensamento de algum anão estar colocando suas mãos sujas nele já me enfurecia. - Ele pesou o colar nas mãos, sendo levado por uma recordação. - Mas já faz algum tempo que percebi que essas pedras frias fazem parte apenas de uma lembrança feliz, uma que eu não poderia abrir mão. Sim. Contudo, há coisas mais importantes. 

Thranduil encarou-a. 

— Obrigado por trazê-lo para casa. 

Elora assentiu. Sentia-se corajosa o suficiente para perguntar mais sobre a joia quando uma voz abafada ecoou até eles, seguida de batidas na porta. 

Após a aprovação de Thranduil e o ranger da porta, Tauriel entrou no comodo seguida de Herenvar e mais um elfo. 

A menina virou-se para eles sorrindo. Herenvar agora portava a armadura completa da guarda, mantinha-se ereto com o elmo sob o braço. Elora orgulhou-se dele, o elfo merecia ter seu treino e trabalho duro recompensado. 

Tauriel permanecia a mesma, com seus olhos ferozes e lâminas afiadas. Como Elora sentira saudade!

— Meu senhor, - Tauriel curvou-se. - sinto por incomodá-lo, mas Mithrandir pede permissão para entrar em nossos salões. Como fui notificada da chegada de Elora, achei melhor informá-lo.

— Ele já era esperado. - Thranduil meneou a cabeça. - Levem-no ao salão secundário e garantam que está bem acomodado e servido.

Herenvar e outro elfo partiram. 

Elora correu até Tauriel, envolvendo-a em um abraço apertado. 

— Como senti sua falta onórë nín (minha irmã). - A menina disse com os olhos marejados. A presença da elfa era uma fonte de familiaridade e segurança para ela. Com Tauriel ao seu lado, Elora sentia que poderia enfrentar qualquer coisa. 

— Vou deixá-las a sós, - Thranduil levantou-se com um sorriso nos lábios. - tenho que cumprir minha parte no acordo. 

— Irei em seguida. - Elora avisou.

Assim que o rei saiu de visão, Tauriel deu um empurrão de leve no ombro da menina. 

— Como ousa chegar e nem me procurar? - Disse aborrecida. - Tive que ser informada por Herenvar! 

— Eu estava com pressa, desculpe. 

— É bom mesmo. 

A elfa puxou-a para mais um abraço antes de perguntar enquanto se encaminhavam para o corredor. 

— E qual é o motivo da pressa?

— É complicado.

Tauriel riu. 

— Com você sempre é.


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Notas finais do capítulo

Dois capítulos em menos de dois dias, que isso hein!?
Estava muito ansiosa para escrever essas cenas e acho que saíram muito boas. Daqui pra frente é que vai ser o problema, rsrsrs. Vou tentar não demorar com os próximos, nem que eu suba capítulos menores, ok?

Espero que curtam!



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