Melinyel escrita por Ilisse


Capítulo 17
Capítulo 16




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Elora abriu os olhos reprimindo um grito dolorido em sua garganta. 

Sentou-se no colchão macio olhando ávidamente ao redor enquanto empurrava as cobertas sufocantes para longe. Passou a mão pelo rosto, tentando afastar a visão embaçada e os cabelos que lhe grudavam à pele. Quando seus olhos normalizaram-se pode ver as silhuetas dos móveis em seu quarto e finalmente relaxou. 

Sim, estava em Mirkwood. Estava segura. 

Fora o mesmo nas noites anteriores. Os pesadelos com a escuridão sufocante da cela em Erebor faziam-na reviver tudo novamente. Naquelas horas ela ainda estava deitava no chão frio, impotente e fraca, encarando o breu que a rodeava e sentindo o ar lhe faltando nos pulmões. Quase podia ouvir a morte aproximando-se, arrastando-se devagar pelas paredes sujas. Beijando sua pele como o próprio frio.

Sentou-se na beirada da cama, a camisola encharcada de suor grudava-se desconfortavelmente em seu corpo. Nárë a olhava interessada, deitada em sua nova cama macia do outro lado do quarto. Elora sorriu para ela, que veio correndo ao seu encontro. A raposa sempre estava lá quando acordava de seus sonhos conturbados. 

— Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. - Elora acariciou as orelhas peludas da raposa, que repousava a cabeça em seu colo. - Agora vá, pelo menos uma de nós tem que poder se divertir. 

Nárë então correu porta a fora, um pouco mais calma pela reafirmação da menina. 

Elora podia visualizá-la correndo entre as árvores até o amanhecer, rolando na grama fresca. Dali a algumas horas ela apareceria novamente com algum novo presente. A menina encarou sorrindo a pilha crescente em sua mesa de cabeceira: uma pedrinha arroxeada, um graveto e um pouco de musgo. Não havia como imaginar o que seria em seguida.

Levantando-se com mais facilidade caminhou até a janela a tempo de ver o vulto alaranjado atingir as sombras das árvores. Os elfos que estavam de guarda olharam-na passar sem expressar qualquer reação, pelo visto todos no palácio já haviam se acostumado com a mais nova moradora. 

O céu estava claro e estrelado, a calmaria da noite estava longe de terminar mas Elora não conseguiria mais voltar a dormir. 

Andou até a banheira, tocando o espelho da água. Já estava fria mas não importou-se, despiu-se e entrou. Ficou ali, em silêncio até que a manhã finalmente chegou. Os fracos raios de sol lhe informavam que não poderia ficar ali o dia todo, Emel logo chegariam para verificá-la. 

Com a água escorrendo pelo corpo, parou em frente ao espelho na parede oposta. 

Os dedos percorrendo a linha irregular na lateral de sua barriga. Apesar da aparência ainda inchada e arroxeada, seus ferimentos já estavam bem melhores, graças à Emel e Laimiel. 

Estava recuperando suas forças, mas ainda havia algum tempo pela frente até que curassem completamente. 

Ainda assim, a linha distorcida ficaria para sempre em sua pele. A menina se encolheu diante do espelho, carregaria para sempre a lembrança do ataque dos wargs. Como se não bastasse o cheiro pútrido ou o peso das patas do animal sobre seu ventre, os quais Elora ainda conseguia sentir se fechasse os olhos. 

Os pesadelos iriam passar, ela sabia. 

Pereceriam como uma lembrança longínqua, sendo substituídos por memórias melhores. Mas por enquanto teria que lidar com eles da melhor maneira: enfrentá-los noite após noite, e, durante as manhãs, focar no que realmente importava. No fim do dia, ela sobreviveu. 

Sobreviveu aos Wargs, aos anões e aos seus ferimentos. 

Aprenderia com seus erros, aumentaria sua experiência e força para que no futuro isso não se repetisse. Nunca mais se deixaria ser subjugada daquela forma, fora uma presa muito fácil. Cansara-se rápido de mais e na margem do rio fora tão desatenta... Queria poder voltar no tempo e estapear-se por não ter olhado ao redor.

Se não fosse por Kili... 

Elora fechou os olhos, agradecendo-o novamente. 

Nunca se esqueceria do que ele fez e certamente passaria os anos seguintes tentando recompensar Emel, Laimiel e o restante dos elfos do palácio pela atenção e cuidados que lhe dispensaram. 

Até mesmo Radagast que passara os últimos dias no palácio para acompanhar a melhora de Elora e continuar alguns de seus ensinamentos. Elora adorava quando o mago passava o dia com ela, era uma mudança de cenário bem vinda já que pelos últimos quatro dias esteve proibida até mesmo de levantar-se da cama. A companhia do mago era uma brisa refrescante. 

Emel passava as tardes com eles, achara Radagast ainda mais excêntrico do que haviam lhe falado e infinitamente mais interessante, tanto ela quanto Elora ficavam absortas quando ele começava uma de suas histórias. 

Ao terminar de enxugar-se colocou uma nova camisola e voltou para o quarto sentando-se à penteadeira. Escovava os cabelos quando ouviu leves batidas na porta e a voz suave de Emel. 

 - Mára aurë (bom dia) Elora!  

A menina viu a elfa aproximar-se pelo reflexo pelo espelho. 

— Alass' Aurë (um desejo de um dia feliz), Emel. 

— Como está nesta manhã? - Emel disse colocando as mãos nos ombros de Elora. 

— Muito melhor. - Deu um meio sorriso. - Talvez hoje eu possa dar uma voltinha pelo palácio...

Pelo olhar da elfa Elora soube que não poderia. 

Suspirou entregando a escova de cabelos para Emel, passaria outro dia repousando. 

— Um passo de cada vez, minha senhora. 

Elora resmungou, deixando os pensamentos vagarem enquanto a elfa lhe penteava os cabelos murmurando uma canção. 

Esticou os braços, ativando os músculos doloridos. Os dias em que ficara de cama adormeceram todo seu corpo. Fora tão frustrante, mas pelo menos agora podia caminhar pelo quarto. De vez em quando ainda sentia o repuxar da pele e o formigamento já conhecido, o pior eram as tonturas que sempre tinha quando levantava-se.  

Por mais que não quisesse admitir, Laimiel e Emel estavam certas em serem tão rigorosas. Os ferimentos foram sérios demais para apressarem a recuperação.

 

 

.o0o.

 

 

No final da semana Laimiel finalmente autorizou-a a fazer leves caminhadas pelo palácio, mas naquele dia Elora não queria sair do quarto.

Elora pôde ver pela janela os elfos apressarem-se com os preparativos do banquete em celebração ao final das colheitas de outono. Era a última grande festa até o fim do inverno e todos empenhavam-se para torná-la memorável. Os elfos silvestres, mas que qualquer outros, prezavam a abundância e festejos que duravam dias e noites inteiras.

Elora acompanhou frustrada o vai e vem pela janela, havia decidido não comparecer ao banquete. 

Se conhecia muito bem para saber que se fosse iria exceder-se e não queria colocar sua recuperação em risco, já podia imaginar Laimiel reclamando e não era nada bom. 

Tudo que ela mais queria era poder voltar ao normal, dando continuidade ao seu treinamento com Tauriel e cavalgando com Randír pelas longas tardes. Já estava tão perto, não valia a pena perder tudo por uma festa.

Mesmo que ela quisesse realmente muito ir.

 

Já era noite e Elora estava sentada em seu sofá com um livro no colo, praticava sua leitura em sindarin quando Tauriel entrou pela porta. A última vez que a viu foi quando lhe contou sobre sua fuga de Erebor, Thranduil fizera como prometido e dobrou os grupos de rondas pelas fronteiras da floresta e as viagens de entrega de mercadorias à Vale. Como capitã da guarda, Tauriel agora passava ainda mais tempo fora do palácio.

A elfa entrou em um fluído vestido marrom-avermelhado.

Era a primeira vez que Elora a via em um vestido, estava tão acostumada a vê-la cheia de armamentos que parou por um momento para observá-la. 

— O que foi? - Tauriel questionou. 

— Não precisa nem dizer... Eu adivinho: Veio buscar minha ajuda por que Emel te obrigou a usar este vestido. - Elora perguntou enquanto tentava esconder o sorriso. Tauriel revirou os olhos e deixou-se cair no sofá ao lado da menina. 

— Hoje é uma noite especial.

— Tenho ouvido os murmurinhos e passos apressados durante o dia. - Colocou o livro na mesinha de centro. - Todos realmente devem estar bem ansiosos. 

— Por que não vai um pouco? Posso te acompanhar se quiser. - Tauriel falou acomodando uma almofada no colo. - Tenho certeza que todos ficariam mais confiantes se pudessem ver com os próprios olhos que está melhorando.

Os olhos de Elora vagaram para os jarros de flores dispostos na mesa de centro, eram tantos que já estavam se espalhando pelos cantos do quarto. Ficara surpresa ao ver o quanto os elfos de mirkwood se importavam com ela. Antes não havia tido muito contato com os que moravam fora do palácio, mas agora recebia flores e mensagens reconfortantes todos os dias. 

Observou um botão de rosa ainda fechado, ergueu a mão em um gesto quase imperceptível e abriu-o. 

Sorriu. Aos poucos voltava a sentir-se como si mesma e a cada pequena nova conquista enchia-se de orgulho.

— Eu irei na próxima. 

— Disse isso da última vez.

— Me desculpe, vou tentar não ser atacada por wargs próximo a datas comemorativas no futuro. - Disse sarcástica, Tauriel fingiu descaso. 

— Seria muito bom, obrigada. 

— Como está Randír? - A menina indagou mudando de assunto. 

Não o via desde que Radagast o trouxera de Rhasgobel.

— Muito bem, não se preocupe. Estou levando-o comigo nessas últimas viagens, ele é escovado todas as manhãs e recebe uma cesta de frutas frescas todas as tardes. 

— Não o mime muito, senão ele não irá querer saber mais de mim. 

— Apenas dou algumas maçãs a mais para garantir a preferência. - A elfa sorriu e Elora bateu de leve em seu braço, fazendo-a rir.

Após três batidas na porta, Emel entrou um pouco nervosa em um lindo vestido azul. Após rodopiar, parou na frente das duas com as mãos segurando o tecido das saias. 

— O que acham? - Perguntou preocupada. - Acabei de finalizá-lo, foi meio corrido mas acho que está bom... não é? 

Elora analisou o vestido completamente impecável e perfeito. Ainda ficava abismada com o poder de Emel em confeccionar vestidos tão lindos e em tão pouco tempo. 

— Está lindo, Emel. - Elora assegurou-a. 

— Eu concordo. - Respondeu Tauriel, assentindo. Provavelmente pensando a mesma coisa que Elora. - Uma pena que Lindir não esteja aqui, ele iria pedir-lhe em casamento novamente se a visse agora. 

Assim que terminou a frase Tauriel arregalou levemente os olhos. Emel abriu e fechou a boca varias vezes antes de encarar Elora. 

— Pedi-la novamente? - Elora virava-se de uma para outra. - Pelos deuses, Emel. Vai se casar e nem me contou? - Exasperou-se um pouco magoada. - Não queria que eu soubesse?

— O que? Não! - Emel apressou-se em dizer. - Não lhe contei antes porque não queria distraí-la da sua recuperação. Eu vi como os primeiros dias foram difíceis para você, não queria sobrecarregá-la...

— Pelos deuses, Emel. Uma notícia dessas só poderia me trazer alegria! 

— Eu não disse. - Tauriel falou erguendo a sobrancelha para a outra elfa.

— Me desculpe Elora, eu realmente achei que estava fazendo o melhor não falando nada. - A elfa soltou o ar pesadamente. - Não faço nada certo... 

Elora segurou a mão da elfa.

— Bom, agora que eu já sei... conte-me tudo! - Deu um sorriso encorajador à elfa. 

Conforme Emel narrava os acontecimentos que se sucederam em Mirkwood durante a viagem de Elora e Tauriel até Minas Tirith suas bochechas tornavam-se cada vez mais vermelhas. 

Lindir acompanhava mensageiros de Rivendell que iriam para Vale e Lothlórien mas ao contrário dos outros que seguiram viagem, ele permaneceu. Após algumas semanas de olhares sugestivos e longas conversas à tarde, ele declarou seu amor à Emel de uma forma meio desajeitada e totalmente romântica.

Elora não conseguiu reprimir o suspiro que saiu de seu peito. 

Lembrava-se de como os dois haviam ficado enamorados em Rivendell, eram uma combinação perfeita. 

— E quando será o casamento? - A menina perguntou. 

— Daqui a três semanas. 

As elfas riram ao ver o rosto espantado da menina. 

— Não é meio abrupto? - Elora indagou.

— Não esperamos tanto tempo para formalizar uma união quanto o povo das cidades dos homens. - Tauriel respondeu, ainda achando graça de Elora.

— Quando um elfo se apaixona ele tem certeza da sua escolha, se não fosse o certo não haveria sentimento algum... então não há porque esperar. - Emel sorria sonhadora. 

— É eu sei... Elfos se apaixonam somente uma vez. - Elora não queria ter soado tão triste, mas não conseguiu. 

Sua mudança de humor fez com que Emel desviasse a atenção para a bandeja com o jantar inacabado. A menina fingiu não notar a careta de desaprovação que a elfa lhe enviou. 

Uma música alegre começou a tocar ao longe, atraindo a atenção das três. 

— Vão logo, não quero que se atrasem por minha causa. - Disse Elora. - Dancem muito por mim. 

Tauriel avisou que passaria para checá-la novamente e saiu do quarto. Emel aproximou-se sentando na beirada do sofá com um semblante preocupado. 

— Se não a tivéssemos encontrado teríamos adiado a cerimônia. Eu nunca iria...

— Não se preocupe. - Elora pegou as mãos da elfa. - Estou imensamente feliz por vocês. Tenho que parabenizar Lindir por finalmente ter vindo até aqui ao invés de continuar murmurando triste pelos cantos. 

— Ele ficou mesmo triste? - Emel deu um sorriso de lado.

— Inconsolável. Tinha que vê-lo! - Elora sorriu. - Ele perdeu o chão quando você partiu. 

Emel sorriu carinhosa.

— O amo tanto Elora. É como se meu peito fosse explodir a cada vez que o vejo. - Os olhos da elfa brilharam. - Nunca vou esquecer de quando Ele pediu minha mão ao Rei Thranduil. As palavras dele foram tão lindas... - suspirou.

— Ele teve que pedir sua mão ao rei? - Elora surpreendeu-se.

A elfa assentiu.

— É uma tradição quando se trata de casamentos entre nossos reinos. Nossa união fortalecerá também os laços entre Rivendell e Mirkwood então é importante que Lord Elrond e Rei Thranduil participem dos cortejos. 

— Nunca procurei ler a respeito dos costumes dos casamentos élficos. - Talvez por ter certeza que não casaria-se desta forma, ou talvez de nenhuma outra. - O que acontecerá agora?

Emel aconchegou-se mais no sofá.

— Lindir virá em um cortejo até o palácio e nos escoltará até Rivendell. Chegando lá haverá uma cerimônia onde Rei Thranduil entregará minha mão a Lord Elrond, para formalizar que a partir daquele momento serei parte de Rivendell, não mais de Mirkwood. 

Elora imaginava que Emel fosse mudar-se, com Lindir sendo o segundo no comando em Rivendell não teria como ele vir para a floresta. 

Sentiria saudades dela. 

Era meio irônico que justo agora, quando havia decidido-se a permanecer na floresta, uma de suas melhores amigas partisse. Mesmo sabendo que uma viagem a Rivendell não era excessivamente longa e que elas poderiam se ver quando quisessem, não pôde deixar de sentir-se um pouco triste. 

Também não pode deixar de imaginar Thranduil em Rivendell, era estranho tentar vê-lo em outro cenário se não Mirkwood. 

Após Emel seguir para a festa, Elora encontrava-se sentada no peitoril da janela. Olhava distraída as luzes brilhantes lá embaixo, os grupos de elfos começando a se reunir. 

Nárë entrou sorrateira, só foi notada quando empoleirou-se com as duas patas dianteiras na janela. Olhou das luzes para Elora e soltou um de seus muxoxos. 

— Não me olhe assim. - Elora disse revirando os olhos. 

A raposa sentou-se nas patas traseiras, encarando-a com incredulidade. 

— Não estou me escondendo! - Elora afastou-se da janela bufando. 

Nárë deu as costas e caminhou levemente até o guarda-roupas, arranhando as portas sem parar. 

— Mas eu não quero... - A menina cruzou os braços. 

Quando a raposa continuou a arranhar, ignorando-a por completo, Elora pegou-a no colo e caminhou a passos firmes até a cama. Sentou-se sobre o colchão e a colocou ao seu lado. 

Nárë tinha muita personalidade e muitos pensamentos próprios para uma raposa apenas. 

Quando ouviu o resmungo conhecido e sentiu uma onda de sentimentos específicos vindo em sua direção, Elora não pode conter sua surpresa. Ou o guincho que saiu um pouco agudo de mais para o seu gosto. 

— Não tem nada a ver com ele! - pigarreou. - Como?! Como... Como sabe disso?

Elora recebeu apenas um olhar arrogante de volta. A menina riu. 

A situação toda era inacreditável. 

Estava sendo recriminada por uma raposa. 

Como se dissesse 'agora é com você', Nárë deu um bocejo e foi aconchegar-se em um dos travesseiros da menina. 

Elora ainda ficou observando-a, incrédula, por alguns minutos antes de decidir que talvez fosse melhor mesmo dar uma volta. Afinal era isso que ela queria desde que Laimiel pediu que ela ficasse apenas na cama. 

Abriu o armário pegando um vestido rosa simples, colocou-o sobre a camisola e saiu sem olhar para a cama. Ignorando o olhar convencido de Nárë. 

Passou vagarosa e silenciosamente pelos corredores desertos, de alguma forma o ambiente vazio a fazia sentir-se em outro plano. Um mais próximo de coisas mágicas e misteriosas. 

Talvez fossem as tapeçarias, as cortinas esvoaçantes ou os adornos talhados nos portais e janelas. Naquele momento, sendo iluminada somente pela lua, pôde sentir-se dentro de um dos contos de fadas que sua mãe lhe contava. 

Parou em um portal que levava a uma grande varanda com vista para o pátio.

Mesmo sendo alguns andares acima, Elora pode realmente ver a festa. De seu quarto via apenas o clarão próximo e elfos chegando em grupos. Ali pôde observar as lanternas penduradas nos galhos mais baixos das árvores que rodeavam a pequena clareira, o grande tapete de folhas ressecadas que cobria todo o espaço e os grupos arrumando as bandejas fartas com os frutos da estação e os mais elaborados pratos em duas longas mesas. O conjunto de músicos toca melodias que inundam a floresta, com o som envolvente já prendendo alguns elfos sob seus efeitos. Elora fechou os olhos e deixou-se balançar de leve ao ritmo que chegava aos seus ouvidos, queria descer e dançar com eles. Por esta e todas as noites seguintes. 

Olhou de relance para a mesa separada das outras, havia somente um lugar nela e estava vazio. 

Quando percebeu sua falta, procurou-o instintivamente. 

Thranduil não estava muito longe, aproximava-se de sua mesa altivo com luxuosas vestes azuis, tão escuras quanto o céu noturno; os bordados prateados, facilmente confundidos com estrelas. Com um aceno de mão todos se calaram, olhando-o em expectativa. 

O rei ergueu sua taça, agradecendo aos deuses e a todos pela colheita e prosperidade do reino. Todos seguiram seu gesto, gritando suas comemorações. Thranduil sentou-se e a música retornou. 

Elora não olhava mais os casais dançando, sua atenção estava no elfo que a encarou de volta. 

Sentiu um arrepio correr pelo corpo. 

O rei meneou a cabeça e ela afastou-se da janela sorrindo. Ele sempre parecia saber aonde encontrá-la. 

Voltou a caminhar antes que começasse a pensar muito no assunto, quando se deu conta entrava no salão que Herenvar lhe levou a tanto tempo atrás. Elora atravessava-o observando novamente as enormes pinturas que preenchem as paredes. Parou por um momento em frente ao quadro do Rei Oropher e Rainha Aeriel, mas não reteve-se por muito tempo.

Atravessou o portal e caminhou até a sala de música. A maioria dos instrumentos haviam sido levados para a festa mas ainda havia alguns. Elora caminhou até o saltério, passando de leve os dedos pelas cordas. Lindir havia lhe falado que o instrumento era parecido com a harpa então haveria uma chance dela conseguir tocá-lo. 

Sentou-se no sofá próximo às grandes janelas com o saltério no colo. Dedilhou as cordas prestando atenção aos sons, alguns minutos depois já tinha encontrado os equivalentes de metade de uma das músicas que Lindir havia lhe ensinado. 

Mas ainda preferia a harpa propriamente dita. 

Parou novamente e recomeçou a música, balançava a cabeça de leve conforme a melodia enroscava-se nela. 

— Não sabia que tocava. - Tauriel falou parada a porta, assustando-a.

— Como sabia que eu estava aqui? - Elora franziu o cenho.

— Sou a capitã da guarda, sempre reportam a mim quando a veem em algum lugar.

— Todo o tempo? - Elora assustou-se.

— É bom ter alguém sempre de olho em você.

Elora sabia que ela estava voltando à questão de quando tentou ir sozinha para Lothlórien após discutir com Thranduil, mas esta não era uma noite para citarem novamente esta conversa.

— Estou aprendendo harpa, é basicamente o mesmo princípio. - Deu de ombros. - Como está a festa?

— É um banquete dos elfos silvestres de Mirkwood. Ainda pergunta? - A elfa olhou-a convencida.

— Tem razão o questionamento é totalmente dispensável. 

Tauriel aproximou-se com uma jarra de suco e uma taça nas mãos, colocando-os no sofá ao lado da menina. 

— Para você não sentir-se totalmente desamparada pelo resto noite. - Tauriel sorriu. 

— Agradeço a preocupação. 

— Voltarei novamente para ver como está. 

— Estou perfeitamente bem. Deixe-me aqui e vá aproveitar a festa. - Elora disse para a elfa que já atravessava a porta. 

Elora ensaiava outra música quando a porta abriu-se novamente. 

— Pelos céus, Tauriel! Quando disse que voltaria não achei que fosse tão cedo, - Elora falou sem levantar a cabeça. - já lhe disse que estou bem.

— Devia estar descansando. - a voz de Thranduil arrancou-a do torpor fazendo com que errasse as cordas. 

— Majestade. 

A menina fez menção de levantar-se mas o rei a impediu com um aceno. 

Elora então meneou a cabeça, ajeitando o instrumento em seu colo. Pigarreou, sentindo a boca secar.  

— Laimiel disse que eu já posso caminhar um pouco pelo palácio. - Disse recompondo-se do susto. 

Como deveria comportar-se? Desde aquela conversa um tanto quanto embaraçosa ela o havia visto apenas mais uma vez, enquanto ele passava ao longe no corredor. Elora sabia que Thranduil acompanhava seu tratamento de perto, Laimiel havia deixado escapar que todos os dias precisava reportar-se ao rei sobre sua situação. Mas ele não havia mais ido ao seu encontro. 

Teria ficado ressentido pelo que ela havia falado? 

Thranduil aproximou-se com leveza e mesmo parando a um braço de distância ainda não olhava em sua direção. O que de certa forma era bom, já que Elora não conseguia desviar os olhos dele. Era como se lhe houvessem lançado um feitiço, um que fazia o elfo brilhar sob a luz do luar sendo impossível ignorá-lo.

— É nossa convidada, você pode participar da celebração se assim o desejar. 

— Agradeço o convite, mas acho melhor eu ficar por aqui esta noite.

Thranduil virou-se em sua direção enrugando de leve a testa. 

— Vejo o seu desejo em participar da celebração. E mesmo assim reclina o convite. 

— Quando eu for a um dos famosos banquetes de Mirkwood quero aproveitá-lo por completo. - Elora voltou a dedilhar as cordas, fazendo emergir uma melodia suave. - Provar todos os pratos e bebidas e dançar todas as músicas até o raiar do dia. Não poderia aceitar menos do que isso, dadas as grandes expectativas que Tauriel me deu.

— Então prefere observar de longe, escondida nas sombras. 

— As vezes é a melhor saída. - Observou as cordas do saltério vibrarem conforme seus dedos passavam. - Quando chegamos perto de mais de nossas tentações, podemos acabar nos deixando levar por elas... e quase nunca é boa coisa. 

— Talvez valha a pena, em algumas ocasiões.

O tom da voz de Thranduil lhe chamou a atenção. Quando Elora elevou o rosto foi pega pelo par de olhos azuis penetrantes do elfo. Estavam mais escuros e intensos. 

Elora podia ver o peso de seu olhar refletido no dele. 

Sentiu o calor espalhando-se pelo corpo e adorou a sensação. O coração palpitando nervoso, implorando para que ela simplesmente levantasse e o beijasse. Poderia simplesmente perder-se nessa sensação.

Quando percebeu que encaravam-se por tempo demais, remexeu-se desconfortável no sofá. 

— No meu caso, - Elora continuou com a voz embargada - levaria-me a mais dias de cama e a infinitas reclamações de Laimiel. Além disso não quero que fiquem me olhando pelos cantos dos olhos, preocupados. - Elora falava rapidamente. - Principalmente Emel, ela não relaxaria se eu estivesse lá.

Respirou fundo, voltando a atenção novamente para o Saltério quando Thranduil afastou-se alguns passos, aproximando-se de algum outro instrumento.

Tentava dar continuidade à música mas seus dedos tremiam levemente, todo o seu corpo estava desestabilizado. 

Elora não podia acreditar o efeito que ele causara nela com um único olhar! 

Ela observou-o de soslaio. O elfo parecia tão composto quanto quando entrara no salão. 

— Não deveria voltar? - Elora quebrou o silêncio. - Vão acabar notando sua falta.

— Já fiz minha parte esta noite. Agora vou deixar que se divirtam. - Thranduil pegou uma flauta nas mãos mas logo colou-a novamente no lugar. - Ficarão mais relaxados sem minha presença. 

Elora entendia bem o porque. 

— E você, não deveria divertir-se também? - Questionou-o.

— Eu já me diverti. Foi o suficiente por uma noite.

— Não muito já que está aqui. Não faz nem um par de horas desde que a festa começou.

— Talvez na próxima você divirta-se por nós dois. 

— É um bom plano. - Elora sentou-se na ponta do sofá.

Colocou o saltério de lado e levantou-se, fazendo uma pequena careta quando sentiu o curativo repuxar. 

Thranduil semicerrou os olhos, franzindo os lábios. 

— Eu estou bem. - Ela assegurou-o.

— Você diz muito isso. Me pergunto se sabe o significado. 

— Eu sei o que significa. - Elora endireitou a postura revirando os olhos, reprimindo a vontade de dizer-lhe mais. - É melhor eu ir me deitar, já está ficando tarde.

Nárë estava certa quando disse que ela estava fugindo. E o cansaço emocional a esgotava em cada encontro que tinha com o elfo. 

Quando fez menção de pegar a jarra de suco e a taça ele a parou com um sinal.

— Pedirei que alguém os pegue pela manhã.

— Não há necessidade, posso levá-los para as cozinhas. - Elora reclinou-se pegando os itens, desafiando-o a contrariar-lhe. 

— Eu a acompanharei. - O elfo meneou a cabeça.

Fizeram o trajeto em silêncio. Elora perguntando-se quantas vezes o rei passeava por estas partes do palácio, certamente nunca antes o vira perambulando por ali. E ela já passara bastante tempo no local, ajudando Emel e as outras elfas das cozinhas a confeitarem doces e enfeitarem os pratos. 

— Parece familiarizada. - Thranduil observava-a mover-se pelo ambiente. 

— Gostava de vir aqui nas tardes ociosas. Sentir o cheiro de biscoitos recém assados e, de vez em quando, roubar alguns. - Elora riu. - Com o tempo Emel e Nerwen desistiram de me mandar embora e passaram a me oferecer pequenas tarefas. 

— Venceu-as pelo cansaço?

— Certamente. - Disse orgulhosa.

Observou o elfo mover-se entre os balcões.

— Já havia vindo aqui antes?

— Claro que sim. - Thranduil respondeu enquanto tocava curioso alguns potes nas prateleiras. - Mas faz muito tempo. 

— Também vinha roubar biscoitos?

Um sorriso de lado surgiu no rosto do elfo. 

— Sempre tão cheia de perguntas. 

— Se não falar terei que imaginar uma resposta e minha imaginação é muito boa. 

— Não tenho dúvidas. 

Elora não insistiu no assunto, já formando possibilidades em sua mente. 

Subia os degraus da escadaria apreciando o silêncio confortável que os permeava. Thranduil mantinha a face serena, caminhando calmo com as mãos às costas. 

Quando eles chegaram à porta do quarto de Elora, despediram-se em poucas palavras e a menina observou-o subir as escadas que levariam aos aposentos reais. 

Abriu a porta com cuidado, encontrando a raposa ressonando em paz ainda em seu travesseiro. 

Elora deitou-se ao seu lado com um sorriso bobo nos lábios, agradecendo silenciosamente por Nárë ser tão convicta em suas decisões.

 

 


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Notas finais do capítulo

Capítulo novo no ar! #Huhul
Um agradecimento especial a Jin Prince! Adorei a sua recomendação. Obrigada! :D



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