All I Want escrita por Laurent


Capítulo 5
Coisas Estranhas


Notas iniciais do capítulo

Hello, pessoal! Td bem? Mais um cap ♥ Eu sei que nem todos comentam, mas vi que o número de leitores acompanhando a fic aumentou bastante e só por isso eu já sou mto grato a vocês! Bjs bjs bjs e até o próximo capítulo :)



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— Filho?

— Quê...

— O almoço tá pronto. Você não vai sair dessa cama?

Olhei para o relógio, abrindo os olhos vagarosamente por causa do sono. Já era mais de meio-dia.

— Já vou, mãe.

Não era um costume meu acordar muito tarde. Mas, para ser sincero, eu não tinha vontade de fazer nada além de dormir. Lembrar dos acontecimentos da noite anterior só fazia minha cabeça ficar pesada e meu peito apertado.

Mesmo assim, levantei-me. Meu corpo estava se sentindo totalmente descansado, pelo menos. Troquei de roupa e arrumei a minha cama, dirigindo-me à cozinha logo depois.

A comida estava muito boa. Era estranho levantar e almoçar direto (faz parte das férias). Mas a minha perspectiva do dia era a de ficar em casa fazendo inutilidades. André não me mandara mensagem alguma no celular, e eu não iria mandar nada pra ele tão cedo porque ainda sentia raiva.

Resolvi fazer maratona de Stranger Things no meu notebook. Preparei pipoca, peguei uma lata de refrigerante da geladeira e fui pro quarto. Meus pais não ligavam muito para esses meus momentos de antissociabilidade. Acho que já estavam acostumados.

 

*

— Gabriel — minha mãe apareceu na porta do quarto. Eu já estava no começo do episódio cinco. 

— Oi?

— Visita pra você. É o André.

Levantei-me da cama num pulo, quase deixando o notebook cair no chão.

— Diz pra ele que eu não estou!

Ela revirou os olhos.

— Ele já tá lá sala, menino. Por que você está evitando falar com ele? Brigaram?

— Não é nada.

— Hum — minha mãe fez uma cara de quem sabia das coisas.

— Pede pra ele vir aqui então — falei.

— Tudo bem.

Assim que minha mãe saiu, saltei em direção ao espelho. Arrumei meu cabelo com as mãos da melhor forma que consegui, mas ele continuou ligeiramente bagunçado. Alisei a minha camiseta amassada, tentando milagrosamente deixá-la lisa, e sentei-me na cama.

André apareceu com uma bolsa nas costas. Ele carregava uma expressão relutante e tímida. Não seria surpresa se eu estivesse exatamente do mesmo jeito.

— Oi — disse ele.

— Oi.

Ele parou na minha frente, de pé. Por alguma razão, era difícil encará-lo nos olhos.

— Desculpa, cara. Por ontem. Eu... eu fui muito idiota com você.

— Não foi nada — menti.

— Fui sim.

Dei de ombros.

— Talvez um pouquinho.

— A questão é que... eu deveria ter sido mais compreensivo. E não devia ter tirado aquelas conclusões sobre você e a Maria sem motivo.

— Hum.

— Eu fiquei confuso. Tinha um bando de caras falando sobre vocês dois...

— Aqueles bêbados na nossa frente?

Ele pareceu sentir ainda mais vergonha.

— Sim.

— Bêbados enxergam o que querem enxergar — rebati, libertando um pouco da minha raiva. — Esse é um dos motivos pelos quais eu também não bebo.

— Eu sei... mas naquela hora eu não pensei direito.

— Eu sou seu melhor amigo, André. Eu não mentiria pra você assim, muito menos trairia a sua confiança dessa forma.

— Por isso eu te peço desculpas. Por favor.

Suspirei, encarando-o.

— Sim, você está desculpado.

— Mesmo?

— André — fiquei de pé também. — Tá tudo bem. Eu só estava com raiva.

E então ele me envolveu em um abraço amigável, sem aviso prévio. Eu nunca estava preparado de verdade para esses momentos. Sentir o toque de André me fazia ficar arrepiado, e eu realmente esperava que ele não percebesse isso. Minhas mãos o envolveram também, retribuindo o gesto.

Quando nos afastamos, fiquei sem graça, e não conseguia olhar nada além do chão.

— Desculpa por eu ter saído daquele jeito também — falei. — Não foi nada sensato da minha parte. Você iria dormir aqui e tudo mais.

— Não tem problema — disse ele, e em seguida, tirou a mochila das costas. — Na verdade... eu estava pensando em dormir aqui hoje.

Encarei-o, incrédulo.

— Sério?

— Aham — disse, mas seu sorriso murchou um pouco. — Se você quiser, é claro.

— Eu quero!

Talvez eu tivesse soado mais empolgado do que realmente devesse, o que fez André me olhar de um jeito agradecido porém com um pingo de espanto.

— Pensei da gente sair pra comer — disse ele.

— Boa ideia, cara.

Ele sentou-se ao meu lado.

— O que você tá fazendo?

— Assistindo Stranger Things. Já viu?

— Mano — começou, balançando a cabeça. — Sim. É muito foda.

— Eu queria terminar antes da gente ir.

— Tudo bem. Eu vejo com você.

Eu vou ser sincero. Havia horas em que André se comportava como a pessoa mais fofa desse mundo. Como era o caso, naquele momento. E isso o fazia parecer mais gay do que ele de fato percebia. Sim, é estranho viver em um mundo onde ser simpático com outro garoto define sua sexualidade, e eu não era uma dessas pessoas que rotulavam os outros. Mas, bem no fundo, uma parte do meu coração interpretava aqueles gestos bondosos como uma forma de romance, o que não era bom.

Pra variar, ele se deitou ao meu lado na cama, como se fôssemos dois irmãos (na cabeça dele, é claro). Minha mão sentiu o ímpeto de segurar a dele, como sempre acontecia nessas horas. Mas eu reprimi esse desejo e prestei atenção na série.

*

Às sete e meia, nós dois estávamos parados na cozinha.

— Mãe, André e eu vamos sair.

— Voltem logo. 

— Ok.

— Tchau, filho, tchau André.

— Tchau — respondemos juntos.

— Tomem cuidado! — falou meu pai. — Morro de medo de vocês saírem por aí sozinhos, ah minha nossa. Juízo, hein!

Quando saímos, ainda estávamos comentando sobre os episódios de Stranger Things, empolgados com o final. Andamos por seis quadras a pé, pois André conhecia uma hamburgueria excelente ali por perto, cujo combo de lanches custava apenas dez reais. Quando chegamos, fizemos nossos pedidos e nos sentamos em uma mesa do lado de fora, que dava para a rua.

— Estou morrendo de fome — falei.

— Eu também.

André ficou em silêncio, subitamente, observando um ponto no vazio. Eu intuí que ele estava preocupado com alguma coisa.

— Que foi, André?

— Ahn? Nada...

Continuei a perscrutá-lo curiosamente.

— Ainda tá chateado pelo que aconteceu ontem? — perguntei.

— Não. Já disse pra você que tá tudo bem entre a gente.

— Entre a gente talvez, mas... você ficou magoado por causa da Maria?

Eu sei que não era fácil falar sobre aquilo. Embora a conversa com Maria tivesse me feito mudar algumas opiniões sobre ela, eu ainda não gostava da atração que provocava em André. Isso me incomodava, como uma agulha espetando numa ferida. Mas mesmo assim, achei necessário falar sobre aquilo.

— Estou só pensando — respondeu ele. — Eu queria muito ficar com ela.

— Entendo.

— Mas vão haver outras oportunidades — disse, parecendo tentar convencer a si mesmo da veracidade das próprias palavras. — Eu espero.

Pouco tempo depois, nossos lanches, batata e sucos chegaram, e eu comi tudo com a velocidade de um porco desnutrido. André se conteve um pouco mais, mas nós dois engolimos tudo bem rápido. No fim, estávamos totalmente cheios.

— Eu amo esse lugar — disse André.

Conversamos mais um pouco e depois fomos embora. André sugeriu que dessa vez fizéssemos maratona de The Walking Dead.

— Tenho saudades da primeira temporada — falou, enquanto caminhávamos pela calçada.

— Tenho saudades da segunda. Foi a melhor.

A rua não estava lá muito bem iluminada, e um ventinho estranhamente frio para o verão soprou em nossos rostos. Estava tudo indo muito bem: nós dois ríamos, contávamos histórias velhas, xingávamos. Não percebemos que estávamos sozinhos naquela rua deserta.

Ou nem tão sozinhos assim.

— André — falei, no tom mais baixo que pude usar, cortando-o no meio de uma piada sobre zumbis em escolas. — É minha impressão ou... ou tem um cara nos seguindo aqui atrás?

Os olhos de André se moveram para o canto discretamente.

— É só um cara — disse ele, depois de um tempo de análise. — Não acho que esteja nos seguindo.

Continuamos andando, mas dessa vez, no maior silêncio.

Pela visão periférica, o homem era notoriamente alto, e usava uma blusa com capuz que cobria o rosto. Quem usaria uma blusa em pleno verão?

— Vamos fazer um teste — falei. E atravessei a rua, com André bem ao meu lado. — Esse cara tá muito estranho.

O homem também atravessou a rua.

André engoliu em seco. Senti uma gota de suor se formando em minha testa.

— Mais uma vez — propus. Minha voz era um sussurro amedrontado e quase inaudível. — Só pra confirmar.

Voltamos a atravessar a rua, para o lado de onde tínhamos vindo.

O homem fez a mesma coisa.

Vamos ser assaltados, pensei. Vamos ser assaltados, vamos ser assaltados. Pegar o celular e chamar a polícia era algo que eu sabia ser totalmente inútil agora. O homem estava perto demais para que eu executasse qualquer estratégia de segurança. Novamente, olhei de canto, quase sem virar a cara, para o homem atrás de nós. Foi o suficiente para enxergar um brilho metálico em suas mãos.

Não deu tempo de correr, nem de virar a esquina, nem de fazer nada. Quando percebemos, uma voz sinistra e fria dizia às nossas costas:

— É melhor cês passarem tudo que cês têm.

E senti uma ponta de canivete roçar em minhas costas.


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