n ó s escrita por Tori Blackthorn


Capítulo 1
This is a place where I feel at home


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Bem, olha eu aqui com mais uma fanfiction dentro de um fandom pequeno no Brasil. Não tenho medo do flop mesmo kk Brincadeira à parte, sei que o fandom de trc aqui realmente é modesto em comparação à gringa, mas essa aqui é minha contribuição para fazer o nosso lado crescer um pouco.

Vi no tumblr algumas sugestões sobre esse tema de casamento pynch, e fiquei realmente animada com a ideia.

Tenho só uma observação para fazer, a nível do vocabulário: para quem nunca leu os livros da saga em inglês, a personagem aqui referida como "Opal" é a Garota Órfã. Em inglês ela é chamada de "Orphan Girl" ou de "Opal" (o que eu acho mais parecido com um nome de verdade, e eu não quis chamá-la de Garota Órfã, já que ela não é exatamente mais órfã).

Enfim, espero que gostem do resultado.
Deixo aqui uma sugestão de música para vocês escutarem durante a leitura: To Build a Home - The Cinematic Orchestra (www.youtube.com/watch?v=QB0ordd2nOI)

Boa leitura!



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A ÚLTIMA VEZ QUE UM HORROR NOTURNO ATACOU RONAN EM UM SONHO, ADAM NÃO ESTAVA LÁ. Aconteceu durante o inverno, quando as noites são mais longas do que os dias, e o aquecer do sol muitas vezes não é o suficiente para anular os ventos frios do sul.

Adam estava cumprindo seus dias letivos na universidade, em outro estado do país, enquanto Ronan continuava na Virginia, cuidando da Barns e de Opal, esperando pelo dia em que Adam voltasse nas férias.

Acordar se afogando em uma poça do próprio sangue depois de um pesadelo não era mais uma possibilidade; mas acabou acontecendo. De primeira, parecia um sonho comum, como muitos daqueles que Ronan vinha tendo, em que ele simplemente criava animais excepcionais e depois os tirava de suas fantasias, trazendo-os à vida selvagem da Barns. Até que o infortúnio ruído “tic, tic, tic” ecoou, vindo de todos os cantos da Cabeswater de seus sonhos, avisando como o chocalho de uma cascável que o perigo estava se rastejando na direção dele.

Seria fácil simplesmente acordar e sair do alcance da ameaça, mas Ronan congelou no lugar quando viu Aurora Lynch parada entre dois carvalhos. Sua mãe tinha uma expressão vazia, longe do sorriso acolhedor e olhar suave que sempre carregava consigo. Ela encarava Ronan sem dizer nada, segurando uma máscara de madeira escura e lisa de órbitas surpresas e a boca grande o suficiente para um monte de dentes. Ronan não teve tempo de arrancar aquilo da mão dela, pois um segundo depois a máscara já estava no rosto de sua mãe, e de repente Aurora Lynch não era mais Aurora Lynch.

Ela era o horror noturno agora.

O monstro cheio de dentes e penas negras avançou sobre ele, sedendo por sua dor e sua tristeza, mas o que Ronan podia fazer? Ele não tinha o controle de mandá-lo embora, nem o poder de apunhalar o monstro que por trás da máscara tinha o rosto de sua mãe. Sombras de outros horrores noturnos se esgueiraram, aproximando-se, quando dentes bárbaros rasgaram sua garganta e garras negras perfuraram o espaço entre suas costelas, impiedosamente tentando alcançar seu coração para reduzí-lo a rasgos estraçalhados de carne.

Ele acordou com o grito aterrorizado de Opal, mas só se mexeu quando sentiu uma rajada de ar e viu Motosserra batendo as asas sobre ele, voando em círculos em desespero.

— Kerah! — Motosserra grasnou.

— Ronan, por favor! — Opal engasgou com um soluço. — Não morra!

            Ronan tentou se levantar e vomitou uma torrente de sangue no processo. Ele se dobrou sobre si mesmo, percebendo que tinha trazido do pesadelo todos os ferimentos desferidos pelo horror noturno, que arderam como se toda sua pele estivesse exposta em uma enorme ferida viva. Um rugido de dor e agonia escapou quando Lynch tentou respirar. Foi como se seus pulmões se rasgassem, enquanto sangue ainda fluía dos buracos abertos entre suas costelas.

            Mas toda a tortura e agonia se reduziram a um simples incômodo quando Ronan olhou para a pequena Opal agachada no chão, agarrando uma de suas pernas em ânsia. Seu pijama de flanela e bolinhas estava manchado com o vermelho do sangue de Ronan; seu rosto marcado por lágrimas de um choro atormentado. Ela choramingava baixinho o nome dele, repetidas vezes, como uma prece.

            Tudo ao redor dele se agitava enquanto ele sentia podia estar vivendo os últimos minutos de sua vida. Opal, Motosserra, Barns... Quase todos os seus sonhos vivos, em um só lugar. Se Ronan morresse, eles cairiam em um sono profundo e impertubável para sempre, vegetando, incapazes de continuarem vivos sozinhos. Isso não podia acontecer.

— Opal... — Ronan murmurou sufocado, rouco e sem ar. A garota levantou a cabeça de imediato, com uma esperança terrível brilhando em seus olhos úmidos, o que enviou a Ronan uma onda de força e motivação. Ele tossiu mais sangue antes de continuar. — Pegue meu telefone e ligue para uma ambulância.

 

*

            No verão, o sol era uma colossal bola de fogo que cobria toda Henrietta com um calor opressor. O pasto que cercava a Barns tinha tons de marrom e bege, devido à época de estiagem, e estava alto, quase cobrindo os pequenos bezerros e ovelhas que ali pastavam. Ronan estava trabalhando nisso, cortando o mato com um aparador de grama sonhado. Ele estava quase terminando o serviço na parte de trás da casa de fazenda, quando ouviu Opal correndo dentro da casa, os cascos da garota martelando contra o piso de madeira. Depois de enxugar o suor da testa com um pano jogado sobre o ombro, Ronan entrou na casa e seguiu Opal para ver o que estava acontecendo.

— Papai Adam está de volta! — A menina gritou eufórica, depois de abrir a porta de tela e sair para a varanda da frente.

            Atrás dela, Ronan também saiu para a sacada. Ao longe, ele viu o hondayota recém estacionado do lado de dentro da porteira. Adam saiu de trás do carro desgastado, depois de bater o porta malas, carregando uma única sacola de viagem, suficiente para suprí-lo durante algumas semanas de férias em Henrietta. Ele percorreu metade do caminho até a casa de fazenda, enquanto Opal correu a outra metade, ao encontro dele. Quando se alcançaram, a pequena garota pulou nele, e Adam a pegou no ar, com um abraço apertado. Mesmo à distância, Ronan pode ouvir o riso de Parrish se confundindo com a voz de Opal, que comemorava animada. O afeto por aquele momento cresceu dentro de Lynch como uma bolha de felicidade que ele não podia conter.

            Adam chegou até a varanda segurando Opal em um braço e a bagagem de mão no outro. Enquanto Ronan era todo bronze e calor, fruto de muitos dias trabalhando no campo aberto da Barns, Adam era pálido e fresco, provavelmente por ter passado o semestre inteiro enfiado dentro de uma biblioteca da faculdade.

— Você parece doente. — Ronan resmungou de braços cruzados, apoiado contra uma pilastra da varanda.

            Parrish, que agora conhecia cada espinho de Ronan Lynch, não se deixou afetar pelo mau humor arrogante dele.

— A viagem foi ótima, e eu estou muito bem, obrigado por perguntar. — Adam respondeu agradável, seu sotaque sulista levemente pronunciado na voz. Depois, colocou Opal no chão com cuidado. — E eu também senti a sua falta.

            Ele se inclinou para mais perto de Ronan e beijou Lynch nos lábios, toda a saudade e o desejo acumulados por meses se expressando naquele gesto.

Motosserra os recepcionou com muito bater de asas e vários grasnados quando eles entraram de volta na casa. Adam recebeu toda a festa por sua chegada com um sorriso terno. Deixou a mala em um canto da sala e se deixou ser levado pela mão por Opal, que queria contar tudo que ela fez durante o tempo que ele esteve longe. O barulho e a algazarra só diminuíram de volume no final da tarde. Ronan foi até o quarto de Opal e encontrou uma bagunça de brinquedos e papeis desenhados. Adam estava sentado na cama, segurando um livro de contos de fadas, e a pequena garota dormia com a cabeça no colo dele, enquanto Motosserra também tirava um cochilo empoleirada na cabeceira da cama. Parrish tinha um poder incrível de domar tudo que era mágico, até mesmo as criações ferozes e indomáveis que Ronan tirava de seus sonhos.

Assim que viu Ronan parado na porta entreaberta, Adam parou de ler a história do livro infantil e sorriu. Com gentileza, ele deitou a cabeça de Opal no travesseiro, se levantou da cama em silêncio e saiu do quarto, fechando a porta atrás dele.

O corredor estava abafado, a luz alaranjada do pôr-do-sol entrava pela janela, numa atmosfera sonolenta e letárgica. Ronan se encostou contra a parede, e Adam parou de frente a ele. Eles se encararam no silêncio da casa, enquanto alguns canários cantavam lá fora, na vida silvestre em que a Barns estava inserida.

— Tem algo de errado? — Adam perguntou, sem deixar de ignorar o quanto Ronan esteve distante desde que ele chegou.

            Olhando para baixo, distraído em pensamentos, Ronan puxou Adam para perto pelo passador da calça dele. Eles se beijaram mais uma vez, agora sem a inibição de terem Opal por perto, observando. Adam emitiu um suspiro suave e feliz, e Lynch o segurou pelos quadris, enquanto sentia o gosto familiar dele o inundar. As mãos de Adam, que Ronan tanto amava, traçaram um caminho de afagos da base das costas tatuadas até o pescoço, sentindo cada músculo se tencionar sob seu toque. Ronan abraçou a cintura de Adam, erguendo-o e puxando-o para o seu colo; as pernas de Parrish então o cercaram. A sensação dele, as batidas do coração, o calor dos braços, o choque de lábios, dentes e línguas eram de tirar o fôlego. Os dedos de Adam deslizaram para cima do pescoço de Ronan, e ele se derreteu ao sentir alguns cachos espessos crescendo no cabelo que há muito não era raspado.

— A gente precisa conversar. — Ronan disse entre o beijo, ainda segurando as coxas de Adam.

— Conversar? Você não podia ter escolhido uma hora pior do que essa? — Adam rebateu ofegante, sua respiração quente contra os lábios de Ronan. — Vamos terminar isso primeiro.

            Ele não precisava ter pedido duas vezes. Os dedos ao redor das coxas de Adam se apartaram mais, segurando firme, enquanto Ronan os conduzia até o seu quarto, do outro lado do corredor.

 

*

            Ronan acidentalmente sonhou uma aliança. Ele não planejava que isso fosse acontecer. Mas ele esteve pensando tanto sobre noivado e essas coisas, desde o último inverno, que ele formou isso em seu sonho sem perceber, e naquele dia acordou segurando o anel.

            Ele se levantou da cama, tentando não acordar Adam que ainda dormia. Seus olhos azuís se demoraram sobre o corpo despido de Parrish deitado no colhão, e ele teve que conter o impulso de se deitar de novo com os braços ao redor de Adam. O aro dourado dançou entre seus dedos quando ele remexia distraidamente o objeto, seus pensamentos se distanciando por alguns segundos. Ronan então deixou o anel em cima do travesseiro e depois saiu do quarto, vestindo somente uma calça de yoga escura.

            Demorou algumas horas para que mais alguém na casa acordasse. Motosserra foi a primeira. O pássaro negro sobrevoou o teto da cozinha e depois começou a ciscar o chão, enquanto Ronan se ocupava consertando um cano furado debaixo da pia. Ele usava uma chave de fenda para apertar um parafuso, no momento em que viu um par de pernas parar de frente ao balcão da pia. Não precisava olhar para cima para saber quem era. Aquelas pernas eram inconfundíveis.

— Ronan Lynch... — A voz de Adam chamou. Ronan saiu de debaixo da pia e, ainda no chão, olhou para o outro de baixo para cima. — O que é isso?

            Adam mostrou a aliança dourada entre o indicador e o polegar com uma enorme interrogação em sua expressão.

— O que você acha que isso parece? — Ronan respondeu neutro, e se levantou, espanando as mãos na calça em seguida.

            Ele deu as costas e começou a mexer na caixa de ferramentas como se nada tivesse acontecido, o que provocou um arfar impaciente em Adam.

— Você está me pedindo em casamento? — Parrish questionou instável, visivelmente alterado. Era só um anel, mas com um significado enorme por trás. — Achei que nós já tivéssemos conversado sobre isso.

            Eles realmente tinham. Antes de Adam ir para o seu primeiro ano de faculdade, quando eles ainda pensavam sobre como seria o futuro deles, deitados no chão da Indústria Monmouth vazia, depois que Gansey e Blue saíram em uma viagem com Henry Cheng sem data para retorno. Nenhum dos dois realmente se importava com casamento, mesmo que as raízes católicas de Ronan o dissessem o contrário. Não que eles fossem contra união matrimonial, mas casamentos são caros (o que incomodava Adam) e levam uma eternidade para serem planejados (o que incomodava Ronan). Eles concordaram que não valia o esforço. Eles já estavam comprometidos um com o outro pelo resto da vida, e não precisavam de uma cerimônia para isso.

            Ronan suspirou.

— No último inverno, eu quase morri. — A voz dele foi áspera ao falar.

— O quê?! — Adam indagou sem acreditar.

— Foi um dos horrores noturnos. Eu não... Eu não pude fazer muita coisa. — Ronan vacilou ao lembrar do rosto de sua mãe atrás daquela máscara macabra. Ele percebeu que Adam ainda o encarava incrédulo, e então, para fazer suas palavras serem levadas a sério, ele apontou para as cicatrizes em seu tórax, nos espaços entre as costelas.

Adam não tinha reparado nas marcas antes, pois quando Ronan tirou a camisa quando eles estavam no quarto, ele estava ocupado com outras coisas. Mas agora ele podia ver o tecido fibroso da cicatrização formando pequenos nódulos um pouco mais claros que a pele de Ronan, e ele pôde imaginar perfeitamente a cena do par de mãos monstruosas do horror noturno, enfiando aquelas garras afiadas em Lynch, tentando matá-lo.

— Porque eu só estou sabendo disso agora? — A pergunta saiu quase como um murmúrio. Mas quando Adam continuou, sua voz se elevou em um grito escandalizado. Seus olhos estavam vítreos e arregalados. — Você não me disse nada, Ronan! Porque você não me disse nada?!

            A mão que não segurava o anel se levantou para socar o peito de Ronan, para descontar sua irritação, mas Lynch a segurou no ar, seu olhar consternado e fitando o chão.

— Você estava estudando a mais de mil quilômetros daqui, eu não podia te preocupar à toa.

            Adam soltou o ar, como o início de uma risada, mas não havia vestígio de humor em seu rosto.

— Você está brincando comigo?! Você podia ser morto por uma daquelas aberrações, e quer dizer que isso é insignificante? Vá para o inferno, Lynch! — Adam não podia evitar de surtar. O pensamento de Ronan morto realmente o assustava e o deixava fora de si.

            O aperto ao redor do pulso de Adam afrouxou, mas ele já tinha desistido de socar Ronan.

— Está tudo bem agora. — Ronan respondeu ferido, e só então Adam percebeu que havia abalo e mágoa por trás de sua voz. Ele não tinha parado para pensar no quanto aquela experiência poderia ter sido traumática para Ronan.

— Me desculpe. Eu sinto muito. — Adam voltou a falar dessa vez mais brando. Ele abraçou Ronan, com carinho, e sentiu Lynch deitar a cabeça em seu ombro.

— Eu realmente pensei que fosse morrer. — As palavras de Ronan não tinham calor. — Mas eu não podia deixar aquilo acontecer com a Opal, nem com Motosserra, ou com a Barns, ou até com Matthew. Você consegue imaginar? Todos eles adormecidos, nem mortos, nem vivos, apenas... Vazios.

            Adam não soube o que dizer. Ele só continuou consolando Ronan em seu ombro, acariciando seu cabelo curto.

— Então eu pensei que iríamos precisar de um plano, se isso acontecesse de novo. — Ronan disse. A mera sugestão do episódio de repetindo enviou um arrepio pela espinha de Adam. — Eu preciso que você tenha poder de posse sobre as minhas coisas, porque só você poderia saber o que fazer com elas para voltarem ao normal.  E se você fosse contado como membro da família, você poderia tomar conta da Barns, e poderia ter a guarda da Opal, para que ela não seja enviada para uma casa de adoção. Eu tenho certeza que eles notariam os cascos dela lá.

            Ao final, ele deu um riso curto e abafado contra o ombro de Adam. Quando eles se distanciaram, ambos olhos azuis se encararam em silêncio por um momento.

— Eu sei que você odeia essa ideia. Mas foi o único plano que eu consegui pensar. — Ronan disse. Não necessitou mais do que um sussurro para se fazer ouvir no estreito espaço entre eles.

— Eu não odeio. — Adam pestanejou. — Se é isso que você precisa, tudo bem. Eu aceito.

            Levou alguns segundos para que Ronan processasse a resposta. Assim que a ficha caiu, um sorriso afiado se expressou em seu rosto, aquecido novamente por expectativa e fé. Ele olhou para baixo, para a aliança nas mãos de Adam, e pegou o anel. Depois trouxe a mão esquerda de Adam para cima, segurando-a com afeto entre seus próprios dedos. Quando ele encaixou o aro dourado no dedo anelar de Parrish, ele se encaixou perfeitamente, e Ronan percebeu que tinha sonhado o anel para estar justamente no dedo de Adam, e em nenhum outro. Ele beijou a adorável mão de Adam, em cima da aliança. Por sua vez, Adam tinha o sorriso mais suave, e suas bochechas estavam rosadas até o topo de suas orelhas.

— Então... Adam Parrish Lynch. Soa bem, não é?

 

*

Quando se casaram, eles não fizeram nenhuma cerimônia ou algo assim. Somente foram até o cartório de Henrietta em um dia, assinaram toda uma papelada, e algumas horas depois Ronan Lynch e Adam Parrish eram maridos, além de que Adam agora era oficialmente e legalmente o segundo pai de Opal.

 

*

            No outono seguinte, Adam tinha deixado Henrietta mais uma vez para voltar à faculdade. Talvez porque a Barns fosse conectada a Ronan, todo o ambiente da fazenda sentiu a partida de Parrish. Toda a magia esvanesceu. As árvores ficaram murchas sem suas folhas, animais estavam reclusos e hibernando, nem o sol não saía mais de trás das nuvens.

             Chovia muito quando Ronan recebeu uma ligação no meio da noite, dizendo que Adam tinha se envolvido em um acidente de carro. “Ligamos nesse número porque aqui o senhor consta como marido da vítima.” A telefonista do hospital disse. “O Senhor pode comparecer à unidade de internação ou devo ligar para outra pessoa mais próxima?” Ronan não esperou que ela dissesse mais alguma coisa para pegar a BMW e cair na estrada, com Opal e Motosserra no banco de trás. Ele atravessou como um tiro o estado da Virgínia em 6 horas, num perscursso que normalmente demoraria 12 horas.

            Ele chegou ao hospital com bolsas de olheiras sob os olhos, o corpo exausto pela jornada ininterrupta na estrada. Deixou Motosserra voando do lado de fora e irrompeu aflito as portas de vidro, segurando Opal pela pequena e frágil mão dela. Foi com surpresa que Ronan encontrou Gansey, Blue e Henry na sala de espera. Eles também tinham acabado de chegar.

— Minha família tem ligações com o proprietário do hospital, e Helen me contou que ficou sabendo da internação de Adam. Eu vim assim que pude. — Gansey disse com seu modo polido de sempre. Não era de hoje que os Dicks tinham seus contatos; Ronan deveria saber.

            Os quatro se encaminharam para dentro do centro de terapia intensiva, mas foram barrados pela enfermeira chefe do bloco.

— Me desculpem, mas não posso deixar todos entrarem. O acesso é restrito para membros da família. — Ela advertiu.

            Gansey estava pronto para dar uma palestra sobre como os garotos corvos são uma família de certa forma, e talvez usar um pouco a influência de seu sobrenome. Blue estava pronta para começar a gritar com todo mundo, e Henry estava pronto para tentar flertar com a enfermeira. Até que Ronan os cortou e disse:

— É, eu sei. Não se preocupe. Eu sou o marido dele.

            E então entrou às pressas na unidade com a enfermeira, deixando o olhar espantado dos outros três para trás.

            Algumas horas depois, Adam teve seu quadro clínico estabilizado e pôde ser transferido da internação para uma sala de observação, onde ficaria por mais algum tempo antes de receber alta. Opal dormia numa das poltronas da sala, e Ronan estava conversando com Adam, segurando sua mão que tinha alguns machucados do acidente, quando Gansey, Blue e Henry puderam finalmente entrar e ver o amigo. Depois de falarem sobre o acidente, e perceberem que agora Adam estava bem, somente um pouco abatido, o trio se permitiu relaxar e se acalmar.

— Eu não posso acreditar que você mentiu para a enfermeira daquele jeito, Ronan! — Gansey murmurou baixo, entre eles, em tom de bronca.

            Adam oscilou seu olhar entre um e outro.

— Você mentiu para a minha enfermeira? Sobre o quê? — Ele perguntou chocado.

— Ele disse que vocês eram casados!

            Ronan e Adam se encararam em silêncio.

— Mas nós meio que somos... — Parrish balbuciou sem jeito, vendo a expressão do trio se transformando em carrancas de dúvida e incredulidade.

            Ao lado, Lynch soprou o ar, e um palavrão baixo escapou entre o suspiro.

— Merda! Esquecemos de contar para eles. — Ele coçou a cabeça que voltou a raspa-la no verão passado.

            Um momento de silêncio perpassou entre o grupo, desconfortável como um sapato apertado. Quando o trio voltou a falar, suas vozes atropelavam uma as outras, uma cacofonia ruidosa e confusa.

— Espera, o quê?! — Blue começou a gritar.

— Dois dos meus melhores amigos se casaram e acharam que eu não tinha o direito de saber? — Gansey parecia realmente insultado e menosprezado.

— Como foi a festa? Eu queria ter sido convidado. — Henry choramingou.

            Ronan rolou os olhos e se jogou contra as costas da poltrona, ignorando todos aqueles manifestos. Adam foi quem teve que controlar a situação.

— Pessoal, se acalmem! — Parrish fez um gesto pedindo paciência, mas o que acabou não adiantando muito. — Vocês viraram três itinerantes ao redor do mundo, nunca sabemos onde vocês estão, e se vão estar no mesmo lugar amanhã. E nem toda cidade que vocês param possui área de cobertura de telefonia, vocês sabem. Como vocês queriam que a gente contasse se não conseguimos falar com vocês? — À medida que Adam falava, os protestos do trio cessavam, e eles acabaram por ficar em silêncio, encarando uns aos outros, reconhecendo sua parcela de culpa. — E não, não fizemos festa. Nos casamos somente no cartório. Só isso.

            Ele ofegou cansado pela explicação rápida que te que dar. O olhar do trio recaiu sobre ele, quase acusatórios.

— Sem festa? Meu Deus. Pior casamento de todos. — Henry tagarelou, e Ronan jogou uma caneta, que tirou do nada, na cabeça dele para fazê-lo se calar.

— Nós precisamos fazer um casamento apropriado então! — Foi Blue quem sugeriu, de repente acesa por uma súbita animação.

            Ronan e Adam imediatamente se recusaram, negando com a cabeça e lançando uma centena de motivos pelos quais eles não queriam aquilo. Mas o trio os ignorava, e começava a discutir os preparativos da cerimônia.

— Você acha que a Barns é grande o bastante? — Blue perguntou a Gansey, que pescou seu telefone caro do bolso da bermuda e começou a fazer algumas ligações.

 

*

            No fim de semana, o jardim da fazenda era palco de uma dezena de arranjos de flores brancas espalhados por todos os cantos, além de alguns bancos enfileirados sob uma tenda, com um tapete vermelho passando no meio deles, traçando um breve caminho sobre a grama até uma pequena capela. Blue foi quem planejou tudo, e Gansey bancou com os custos. Adam e Ronan tiveram o trabalho somente de ficarem reclamando e tentando convencer os amigos de desistirem da ideia. Mas quando chegou a hora, tudo estava perfeito e arrumado, de um jeito que eles não puderam de deixar de agradecer.

            Havia apenas algumas pessoas lá. Além dos cinco, havia os outros irmãos Lynch – Matthew e Declan, as mulheres da Rua Fox 300, o Homem Cinzento, e um retrato emoldurado de Noah Czerny que eles deixaram sobre um dos bancos da frente, mais próximo da capela, onde o padre esperava suando pelo início da cerimônia. Mas uma atmosfera de alegria e descontração recobria toda a Barns, de modo que até mesmo a carranca habitual de Declan se suavizou por um momento.

            Ronan e Adam saíram da casa para o jardim, vestindo elegantes e quentes smokings escuros. Opal abriu o caminho deles, com um vestido rodado de tafetá rosa claro, que já estava sujo de terra, mas que ninguém ligava. Ela estava ótima de qualquer maneira. Henry Cheng, que estava tirando fotos de tudo na festa, de todos os ângulos possíveis, capturou uma foto de Ronan e Adam assim que eles apareceram. Todos os convidados então olharam para os dois, que vinham caminhando sobre o tapete, na direção da capela de madeira branca.

— Eu acho que vou chorar. — Para surpresa de todos, não foi uma das mulheres da Rua Fox 300 quem disse isso, e sim Richard Campbell Gansey III, comovido pelo momento sem disfarçar. Ele tirou o óculos de grau da face e o colocou sobre a cabeça para poder esfregar os olhos.

            Blue passou um de seus braços sobre os ombros dele, dando tapinhas para consolá-lo.

— Eu sei. As crianças crescem rápido, não é, Dick? — Henry zombou divertido, seu rosto ainda atrás da câmera fotográfica, registrando tudo através da lente.

— Ei, Ronan! Eu que vou pegar o seu buquê, certo? — Blue não pôde deixar de provocar Lynch.

            Ronan respondeu com um sorriso assassino.

— Vá se ferrar, Sargent. — Ele disparou com humor, depois pegou Adam pela mão, levando-o finalmente para cima dos três degraus da capela, e parando de frente ao padre.

            Adam tomou um momento para admirar tudo aquilo, enquanto o padre dava início à cerimônia. Ele nunca imaginou que fosse viver algo parecido algum dia. Estar cercado de tanto afeto assim, quem diria? Há pouco tempo ele ainda via o amor como um privilégio, um luxo que ele não tinha alcance. E agora essa era sua vida, onde amar e ser amado de volta era algo simples, habitual e corriqueiro.

            Ronan e Adam olharam um para o outro, de canto de olho, aquecidos de carinho e afeição. Lynch dava o seu melhor sorriso, o que colocou uma dose de adrenalina no coração de Parrish.

            Quando eles se beijaram de novo no final do culto, Adam fechou seus olhos como se guardasse um segredo, para registrar todas as sensações daquele instante para sempre no canto mais feliz de sua memória. Já Ronan o beijou com olhos bem abertos, porque ele teve esse mesmo sonho tantas vezes, e ele queria se certificar que não era somente fantasia dessa vez; era real e ele podia sentir isso com cada célula nervosa de seu corpo.


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Notas finais do capítulo

Vou confessar que ainda não acabei de ler The Raven King, e não sei se essa fic está 100% fiel ao fim da saga, mas eu tentei, com base nos spoilers que li por aí. Espero não ter decepcionado ninguém, rs.
Muito obrigada a quem leu. Vejo vocês numa próxima.