As Sete Ameaças escrita por Leh


Capítulo 52
Parte IV: Sangue e Água – A surpresa no centro da vila.


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu chorei escrevendo.



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— Mais uma vez? – lamentou Yuki.

— Precisamos de mais mantimentos – argumentou Clyde.

— Não – contestou Zaki – Precisamos sair para a guerra. Temos armas que não existem em nenhum dos três reinos e somos Ameaças temidas! Temos o Exército de Libertação do nosso lado! Podemos entrar em guerra e iremos ganhar em dois tempos!

— Ainda não estamos completamente prontos – reclamou Clyde – E ainda precisamos de mantimentos.

Zaki bufou. Yuki claramente não queria ir, dizia que era cansativo e se sentia um animal de carga.

Depois que Down City fora destruída, eles não tiveram para onde ir senão novamente para o salão das estátuas. Todos os dias pessoas diferentes iam com Yuki para os túneis para procurar outro local que pudessem se esconder, contudo ninguém dera sorte. A única coisa que encontraram foram saídas diversas, tão bem escondidas quanto a primeira. Já tinham se achado até mesmo em Paladium pelos túneis. Magistrado não estava exagerando quando disse que eram extensos.

Fazia pouco mais de duas semanas que estavam parados apenas praticando luta com Clyde, Logan e Imad e tiro com Ana, a única que dominara completamente a técnica.

Zaki não aguentava mais aquilo. Precisava de ação. Lembrava-se da época em que era um pirata e todos os dias saqueavam uma vila ou um navio. Aquilo era errado, ele sabia, mas pelo menos fazia alguma coisa. Ali nos túneis com Clyde e os outros, o máximo de ação que tinha era quando alguém do grupo de busca de Yuki voltava alegando achar mais uma saída.

— Tudo bem – ofegou Yuki – Eu vou.

— Vou também – falou Zaki.

— Você não pode. Todos vão reconhecer você.

Leeu rugiu, desafiando Clyde a negar novamente.

— Eu vou. Quero sair daqui, não aguento mais.

— Eu posso ir também – falou Li que estava por perto – Assim Zaki pode esconder-se sob um manto e eu falo com os comerciantes.

Clyde olhou para a menina e depois para Zaki, que na verdade iria mesmo que o líder negasse. Ele era assim. E de um modo extremamente estranho, mesmo sem conviver com o “irmão”, Paul era daquele jeito também. O mais velho sentia-se muito orgulhoso por isso.

Eagle suspirou.

— Você irá de qualquer jeito mesmo. Vá, mas se forem descobertos, não voltem.

— Certo. Pronto Yuki?

O outro sorriu e assentiu.

— Creio que seja o único que possa levar meu animal guia, não é mesmo?

— O leão é muito chamativo, mas a rolinha pode ir.

— Banjiu – sussurrou Li de um modo que apenas Zaki ouviu.

Em cinco minutos já estavam do lado de fora. Yuki transformou-se em um grande cavalo negro e Chô começou a voar alegre em volta dele. Li enrolou uma corda no pescoço dele para que não se perdesse e Zaki cobriu-se completamente com o manto vermelho.

— Em que vila vamos? – perguntou Li pronta para tomar o caminho.

— Para nossa antiga vila – respondeu Zaki.

Yuki relinchou em protesto.

— Ele tem razão Zaki, está cheio de soldados lá. É perigoso demais.

— O que é a vida sem perigos?

— Não podemos arriscar perder dois de vocês.

— Por favor Li, eu preciso ver a vila novamente. Quero muito ver onde estão meus pais.

Ela o encarou com os olhos apertadinhos a boca de coração séria, mas finalmente cedeu.

— Está bem, mas se algo der errado deixo você e volto com Yuki como se não lhe conhecêssemos.

Zaki riu.

— Todos querem me deixar hoje? – Li riu um pouco – Vamos logo.

O esconderijo não era nem um pouco longe da vila. Bastou andarem alguns minutos para chegarem.

A vila estava praticamente deserta, tirando os soldados de diversas cores que rondavam ali. O pequeno espaço estava dividido em três: o acampamento vermelho e negro com soldados cheios de armas que rondavam a cidade procurando pessoas para “brincarem”; o acampamento dourado e azul onde existiam os soldados que passavam nas casas cobrando cada vez mais impostos imprevistos; e finalmente o acampamento preto e prata em que os soldados estavam mais reclusos, treinando e mantendo a cidade em ordem.

Eram poucas as pessoas que se aventuravam do lado de fora.

— Aqui era tão diferente – sussurrou Zaki para Li – Ali ficava a mercearia do senhor Galos, ele sempre dava chocolate para mim em troca de alguns truques pirotécnicos. Aquela casa verde era a casa de Yuki, a mãe dele era a curandeira daqui. Mulher muito legal ela era – Yuki bufou de felicidade ao ver a antiga casa, Zaki quase pôde vê-lo sorrir, mas cavalos não sorriem, então ele pensou que poderia se apenas uma ilusão – Bem ali, aquela amarela, era a casa de Ivo, nós nos reuníamos ali todos os dias para irmos juntos ao campo de treinamento.

— Você parece sentir falta daqui – comentou ela olhando Zaki com olhos brilhantes.

— Sinto. Muito mesmo. Oh, aquela casa marrom era o açougueiro. Ele sempre dava carne para as festas. Comemorávamos sempre que tínhamos uma vitória significativa contra os oponentes que vinham de todos os três reinos. O centro da vila era onde fazíamos as festas.

— Vamos parar no açougue e depois voltamos para passar pela mercearia.

— Certo. Será sensato evitarmos o centro da vila. É provavelmente lá onde estão a maior parte dos soldados.

— Então vamos evitar o centro da vila.

Encostaram na casa marrom que Zaki indicara e bateram à porta. Um homem velho com barba rala e branca apareceu parecendo muito zangado, mas logo abriu o sorriso ao vê-los.

— Clientes! Entrem, por favor.

Li amarrou Yuki em uma estaca de madeira e sussurrou para esperar enquanto compravam as carnes enquanto entravam no açougue.

— É um belo cavalo que vocês têm ali – elogiou o açougueiro indo para trás do balcão.

— Obrigada – falou Li.

Zaki olhava ao redor com a cabeça baixa para esconder o rosto por baixo do capuz, mas absorvendo cada detalhe do estabelecimento.

— Sou Juca, o açougueiro dessa pobre vila condenada.

— O que houve aqui? – perguntou Zaki engrossando a voz para não ter nem a mínima chance de ser reconhecido.

— As Sete Ameaças Prodígio são originadas daqui, entende. Contudo elas se foram há muito tempo, desapareceram um a um até sobrar apenas o pobre Paul. Há alguns dias os primeiros soldados vieram e ele também teve de desaparecer. Estamos aqui à mercê desses soldados que abusam de nossas mulheres, maltratam nossas crianças, nos cobram dinheiro que não temos e fazem mais barulho que uma briga de gatos.

— Mas que coisa horrível – comentou Li – Devem estar todos com muito medo.

Juca assentiu com as sobrancelhas estendidas, mas apenas suspirou e continuou o atendimento.

— O que vai querer, querida? – perguntou ele.

— Coloque vinte quilos do que você tiver aí.

— Vinte quilos? Isso é bastante – ele riu – Vocês comem isso tudo?

— É para nosso cavalo – esclareceu Zaki – Ele come carne.

Juca arregalou os olhos, parecendo realmente acreditar aquele absurdo. Não fez mais perguntas, apenas entrou pela porta e falou os tipos de carne que tinham e que estava empacotando para eles. Frango, boi, carneiro, cavalo (e ele se desculpou por incentivar o canibalismo, o que fez Li rir) e até mesmo peixe.

Ele voltava com sacos amarelos cheios de carne e deixava perto de Zaki, esperando que ele os levasse, mas ele estava ocupando demais olhando pela fresta da janela. Os soldados passaram várias vezes e tentaram pegar Yuki, mas ele relinchava e dava coices nos que se atreviam.

— Pronto – falou ele finalmente colocando o quarto saco de carne aos pés de Zaki – Mais alguma coisa?

— Não, obrigado. Quantas moedas?

— Sessenta.

Li olhou para Zaki, como se estivesse assustada com o preço, mas Zaki não se importou, pegou a sacola e tirou duas moedas de ouro de dentro, o que equivalia a mais de um triplo do valor dito.

O homem arregalou os olhos e sorriu.

— Muito obrigado!

— Guarde isso muito bem para que esses malditos soldados não vejam – depois depositou dez moedas de prata no balcão – Isso caso eles perguntem quanto pagamos.

— Que os ventos soprem ao seu favor! – falou Juca sorrindo de orelha a orelha.

— Obrigado, amigo. Vamos precisar.

Então ele se abaixou e pegou dois dos sacos de carne, um em cada braço e levou para fora, amarrando em Yuki, que bufou com o peso. Depois que os quatro sacos já estavam corretamente amarrados, Zaki chamou Li e foram em direção à mercearia.

— Será que você poderia não comentar com Clyde que viemos aqui? – perguntou Zaki – Ele não ficaria feliz.

— Mas é claro.

Ele a olhou e notou que ela tinha um suave sorriso nos lábios.

— O que foi?

— Não é nada – falou ela – Nada de importante.

— Diga.

— Bem... você foi muito gentil com ele.

Zaki sorriu.

— Eu sou mal com Clyde, mas só com ele.

Ela riu.

— Vocês não são amigos?

— Somos todos amigos, é claro, mas não conseguimos nos dar muito bem. Como a Ana e a Nina.

— Elas não parecem se importar muito uma com a outra.

— As duas não se desgostam exatamente, elas só não se reparam. Eu e Clyde somos um pouco diferentes por que não nos gostamos muito.

— Ele também não parece gostar de Paul.

— Isso por que ele está namorando a irmãzinha dele, se não fosse por isso não haveria desgosto.

Finalmente chegaram à mercearia. Li bateu na porta novamente enquanto Zaki enrolava a corda de Yuki no bastão em frente a ela.

O senhor Galos a abriu. Era um homem ossudo com nariz grande e bigode que encostava na boca fina.

— Pois não.

— Aqui é a mercearia? – perguntou Li.

— Oh sim, sim. Entre, por favor.

Os dois subiram o batente e entraram no cômodo escuro. Tinha uma bancada no meio e várias prateleiras ao fundo com produtos diversos.

— O que irá querer?

— Dois sacos de feijão, um de arroz...

Enquanto Li continuava falando toda a lista de ingredientes, Zaki rodou pelo estabelecimento absorvendo tudo, lembrando da infância quando soltava algumas faíscas e o velho batia palmas, animado. Mais que o chocolate, Zaki amava quando o senhor Galo batia palmas para suas faíscas. Comparado com o que podia fazer agora, aquilo parecia tão pouco. Sentia-se como se tivesse, de algum modo, enganado o velho sobre tudo o que era capaz por muitos anos.

— O que fazem em uma vila condenada como a nossa, se me permitem perguntar – falou ele enquanto pegava os itens da lista.

— Era a vila mais perto – esclareceu Zaki.

— Oh, entendo. Pensei que tinham vindo ver o pobre Ivo.

— Como? – perguntou ele esperançoso, com o maior dos sorrisos – Ivo Jaroisk está aqui na vila?

— Sim – falou o senhor Galo olhando para baixo e com a voz triste – Está sendo mantido prisioneiro no centro da vila.

Zaki não pôde conter-se, agiu simplesmente por instinto. Saiu da mercearia correndo, sem se importar quando o capuz foi puxado pelo vento. Yuki, de algum modo, conseguiu livrar-se dos sacos de carne e galopou atrás de Zaki, deixando que ele mostrasse o caminho.

Zaki podia ouvir os soldados correndo quando o reconheceram e gritando, mas apenas continuou correndo até o centro da vila. Contudo, o que viu ali tirou o sorriso de seu rosto.

Não era Ivo, pelo menos não inteiro. Exatamente no centro da vila jazia uma mesa e a cabeça de seu mestre estava ali, de olhos fechados e cabelos bagunçados.

Yuki bufou, ele não via o que estava ali, então Zaki falou, como os detalhes que ele tanto gostava, o que via.

— Ali! – ouviu gritarem – É Zaki Leeu! Peguem-no!

Foi só quando se viu cercado de soldados que o sangue subiu sua cabeça. Estava zangado e queria sofrer em paz, queria libertar todos ali.

Pensou em todas as casas que estavam ali e em Yuki ao seu lado e então fez uma bolha neles com sua mente. E explodiu.

Gritou enquanto o fazia. Encheu os pulmões com o máximo de ar que conseguia e os esvaziou devagar enquanto berrava sua dor. Suas chamas sofriam com ele, queimando quem quer que não estivesse em suas áreas protegidas.

Quando o ar acabou, caiu ao chão. As lágrimas rolavam em seus olhos como um rio e ele tremia. Seu peito estava apertado e sua cabeça girava.

Tudo ao seu redor estava negro e dos soldados restavam só as cinzas. As únicas coisas que ainda tinham cor eram as casas intactas e um círculo onde jazia Yuki, já em sua forma humana, chorando tanto quando Zaki.

O homem caído encarou enquanto o amigo caminhava até a mesa e pegava a cabeça do mestre. Ele a abraçou como se abraçasse todo o homem e acariciou os cabelos brancos, arrumando-os.

— O que aconteceu? – falou Li aparecendo, mas não precisou de muito tempo para entender o que estava acontecendo. Ela encarou Zaki, caído no chão e tremendo com o choro e abaixou-se com ele, envolvendo seus ombros com seus braços finos.

As pessoas finalmente começaram a sair de suas casas, olhando ao redor, sem parecer entender direito o que tinha acontecido.

— Meu avô costumava me contar que quando nós morremos, várias pombas brancas nos levam para um paraíso no além onde tudo é branco e feliz – falou Li.

— Seu avô gosta muito de pombas – falou Zaki entre soluços.

Li riu fracamente enquanto se distanciava um pouco e limpava as lágrimas de Zaki com o polegar.

— O que quero dizer é que cada um tem sua crença do que acontece depois da morte. Meu avô acredita em um paraíso de pombas, eu acredito em um lugar cheio de flores, água e sem doenças. E você, no que acredita?

Zaki continuava a soluçar, mas conseguiu sorrir fracamente.

— Obrigada, Li.

Ele levantou e gritou:

— Peguem tudo o que tiverem e fujam. Virão mais deles e quando virem o que aconteceu, irá ser pior para todos vocês.

Alguns entraram para pegar o que podiam antes de fugir. Outros chegaram perto, com sorrisos ou lágrimas de tristeza por eles e agradeceram por finalmente terem aparecido.

Já era noite quando todos estavam saindo da vila. O senhor Galo deixou tudo na mercearia e disse que podiam levar tudo o que quisessem, assim como Juca.

Yuki ainda segurava a cabeça de Ivo com carinho, acariciando os cabelos de vez em quando. Li estava com a mão agarrando à de Zaki e ele olhava as estrelas brilhando.

— Lá em cima – falou para ela.

— Como?

— É lá em cima que Ivo está. Eu acredito que quando morremos nos tornamos estrelas brilhantes, olhando para os que estão aqui embaixo e cuidando deles.

— É uma linda teoria, Zaki.

— E agora? – interrompeu Yuki.

— Agora – falou o outro – Eu vou até os confins do inferno para encontrar quem fez isso.

— Zaki, não. Se fizer isso com a raiva que está agora, irá se arrepender.

— Não, Li – falou Yuki com uma sobriedade que Zaki nunca tinha escutado – Zaki tem razão. Agora eles declararam guerra. E é guerra que eles terão.


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Notas finais do capítulo

Winter is coming!