As Sete Ameaças escrita por Leh


Capítulo 12
Parte I: Os Sete – Desaparecimentos 1




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— Bom... – disse Ana olhando bem a flor na mão de Yuki – São quatro pétalas, suaves e macias, com cor clara, entre o branco e o rosa. O caule é fino e esverdeado, mas logo vai ficar marrom, por que vai morrer.

— Plantas ficam marrons quando morrem?

— Sim.

— Mas você disse que o tronco das árvores é marrom, elas estão mortas?

— Não sei. Nunca tinha pensado nisso.

Yuki e Ana tinham acabado de sair do treino de Ivo e estavam suados e cansados, então a garota propôs que eles fossem visitar o campo das flores, onde vários floristas das vilas vizinhas vinham buscar sua matéria prima. Naquele momento, ela narrava para ele como era os arredores.

— Mas existem flores de todas as cores e jeitos aqui. Algumas brancas, azuis, roxas, vermelhas...

— Nada preto?

— Não. Nunca vi nenhuma flor preta. Minha mãe diz que é a cor da morte.

Ele ficou sério e girou devagar a florzinha entre seus dedos.

— Eu só vejo o preto.

Ela fez uma careta, agradecida que ele não tenha notado.

— Mas a senhora Palutti diz que é a cor do renascimento.

Yuki riu um pouco e sorriu.

— Minha visão nunca irá renascer. Ela nunca nem nasceu.

— Mas eu já disse e digo de novo: você vê muito mais que todos nós.

— Obrigada, Anya. Você tem sido uma amiga maravilhosa.

A garota sorriu.

— Você também, Yuki.

— Ana! – gritou a senhora Medved, mãe de Ananya.

A garota fez uma careta de desgosto, sem querer deixar o amigo.

— Vem, eu vou te deixar em casa antes de ir para a minha.

Ele balançou a cabeça negando com um sorriso suave no rosto.

— Eu quero ficar aqui. Gosto muito do cheiro das flores e da sensação de tocar suas pétalas.

Ana olhou para baixo, triste, porém sabia que sua mãe não iria parar de gritar seu nome a não ser que ela atendesse ao chamado.

— Ananya!

— Eu tenho que ir.

— Até amanhã, Anya. Arigatou.

— Tchau, Yuki.

Então ela se virou e caminhou pela fina estradinha de terra que guiava até a vila sem olhar para trás, com a certeza de que veria seu amigo novamente no dia seguinte.

O garotinho pequeno e magrinho apenas se abaixou e começou a sentir as pétalas das diferentes flores no campo. Ele se deitou nelas e fechou os olhos, relaxado, sentindo o cheiro doce das flores e o toque suave do sol da manhã.

Então, com sua audição aguçada, Yuki ouviu numerosos passos se aproximando. Levantou-se em alerta, mas sabia que estavam perto, podia sentir o cheiro de suor e metal misturado ao suave das flores.

— Afastem-se – disse ele entrando em posição de batalha. Não conseguia saber o quão perto estavam dele nem o quantos eram, mas estimulava que era uma pequena tropa.

Ouviu um murmúrio de risadas à sua direita.

— Ei, criança! Estamos aqui! – disse um homem gargalhando com alguns colegas.

O menino corou de vergonha e se virou, tentando se concentrar ao máximo para detectar tudo ao seu redor.

— Não ousem se aproximar da vila! – rosnou ele corajosamente.

Os homens riram.

— Não temos interesse em sua vila idiota. Queremos você.

Yukiko Chô não era burro. Sabia que uma hora ou outra, homens chegariam para tentar pegá-lo. Apenas esperava que estivesse suficientemente bem treinado para resistir sozinho.

— Vocês não vão conseguir me tirar daqui.

— Não nos subestime, criança deficiente – rosnou uma voz conhecida. Yuki era muito bom em memorizar vozes.

— Gunter Kaus. Já venci de você uma vez e o farei novamente!

O homem gargalhou com gosto.

— Vamos ver.

Yuki então se transformou em um touro e avançou, porém, não atingiu ninguém em sua investida. Ouviu risos atrás de si. Será que eles tinham se movido tão rápido?

O touro cego virou-se com uma velocidade sobrenatural e avançou, sem atingir nada novamente. As risadas foram ainda mais altas dessa vez, gargalhadas cruéis de escárnio. Yuki sabia que era humanamente impossível se mover com tanta rapidez. Eles tinham algum truque, estavam enganando seus sentidos.

Ele voltou a ser garoto e cerrou os dentes. Como iria atacar se não sabia onde seus inimigos estavam?

— Aprendi como vencer de você, garoto – falou Gunter de todas as direções – E dessa vez eu vou me vingar muito bem.

Ele sentiu o cheiro de Kaus e a pressão no chão ao seu lado tarde demais. Sentiu o impacto no estomago e caiu de joelhos, tossindo algo melado.

— Como eu queria fazer isso...

Então sentiu outro em seu rosto, fazendo-o cair no chão e mais uma sequência no abdome.

— Chega, príncipe Gunter.

— Eu digo quando está bom.

— Precisa do garoto vivo, Kaus. Essas foram as ordens de seu pai.

Yuki sentia seu corpo inteiro arder e se sentiu extremamente impotente. Não conseguia se levantar, não conseguia se mover de nenhum modo que não para se encolher miseravelmente no chão. Nunca se sentiu tão vulnerável quanto naquele momento.

Sentiu duas mãos pegando seu rosto e levantando, fazendo-o gemer um pouco.

— Yukiko Chô... você parece um pouco mais sensível do que me disseram.

Yuki não iria ficar ali sem fazer nada. Ele se transformou em um rato e estava pronto para fugir em meio às flores, onde tinha certeza de que ficaria bem camuflado, mas foi pegue pelo rabo e levantado do chão. Começou a gritar, desesperado, mas a única coisa que saía de sua boquinha de rato eram chiados grotescos.

— Não se preocupe, Chô, eu irei me certificar de que nunca lhe falte comida, água e cuidados médicos – disse o homem que o segurava. Yuki também era bom em reconhecer emoções nas vozes das pessoas e podia sentir um leve toque de melancolia e culpa na voz desse homem.

Então, sem mais nem menos, tudo ficou vazio e sentiu tudo ser puxado de sua cabeça. Doeu como o inferno. Então sentiu como se tudo o que tivesse de mais precioso lhe fosse tirado a força. Tentou se agarrar às vozes dos amigos, aos momentos bons que passara com Anya, às palavras incentivadoras de Ivo e ao carinho de sua mãe, mas pouco a pouco, tudo isso foi tirado dele até sobrar apenas uma casca vazia.

Sentia uma dormência na garganta como se tivesse gritado muito e sentia um formigamento engraçado pelo corpo. Sentiu seus pés tocarem o chão, estava sendo suspenso por alguém.

Não entendia por que não conseguia ver.

— Está tudo bem, garoto?

— Quem é você?

— Meu nome é Potter Lobus. Como é o seu?

— Nome?

— Sim, como é o seu nome?

O menino pensou um pouco. Sabia que deveria ter um nome, mas qual era? Por que não conseguia se lembrar de nada?

— Eu... não... sei...

— Não se preocupe, isso é normal. Seu nome é Haru Nakashima. Você é um escravo.

— Haru... Naka... shima... escravo?

— Sim. Este é seu chefe – disse o homem pegando a mãozinha do menino e guiando até uma mão calejada, quente e grande – Gunter Kaus.

A mão puxou Haru e apertou seu ombro com força que fez doer. Na verdade, lembrou que seu corpo inteiro doía.

— Eu tenho um lugar especial para você, Nakashima.

—x-x-x-x-x-

Era tudo negro, mas conseguia sentir onde os outros estavam e o que faziam com sua audição e olfato. Porém, o grito da multidão o atrapalhava.

Lágrimas rolavam pelo rosto de Haru. Ele não conseguia parar de chorar. Não queria fazer aquilo, tinha a certeza de que a morte o espreitava. Levou as mãos ao rosto e sentiu as linhas que tapavam seus olhos, de onde a água saía. Disseram que seria melhor assim, fora ordem do seu mestre afinal e com os olhos tapados a luta iria parecer mais emocionante. Ainda doía se tocasse ou tentasse abrir os olhos, por isso fazia o possível para deixá-los fechados, não tinha por que os abrir.

— Eu vou lutar contra um pirralho cego? – mangou o outro gladiador – Vai ser moleza!

Haru não queria morrer, mas não sabia lutar. Sentiu o primeiro golpe o derrubar e perdeu o ar do peito.

Suas lágrimas caíram mais abundantemente que nunca, queria sair dali. Mas primeiro não queria morrer. Queria viver. Precisava viver. Sentia uma necessidade incrível de viver.

Ele se levantou, secando as lágrimas e se controlando ao máximo para impedir que elas caíssem novamente. Percebeu que soube a exata localização do homem quando ele falou. Precisava mantê-lo falando.

— Você vai me matar?

Ouviu uma risada à direita e virou-se.

— Você quer que seja rápido?

Ouviu um sibilo e uma brisa. O homem estava brandindo uma arma, enquanto que Haru não tinha nada.

— Você pode fazer isso? Com que eu não sinta?

O homem riu.

— Sim, eu posso.

Sentiu o outro gladiador bem a sua frente, estava se preparando para dar um golpe final.

Haru moveu-se completamente por instinto. Ele se abaixou, deu um soco na boca do estomago do homem e quando este estava curvando-se para recuperar o fôlego, deu um giro completo e acertou um chute em seu peito com toda a força que conseguia.

Ele sentiu o homem voar, mas ainda vivo. Ouvira muito bem as regras antes de entrar ali no campo de areia: dois gladiadores, um sobrevivente. Era matar ou morrer. E Haru não iria morrer.

Ele se aproximou do homem que começava a se levantar em fúria. Ele investiu cometendo o maior erro que poderia cometer: gritou.

Nakashima sabia exatamente onde ele estava, a distância e, surpreendentemente, o que faria. Estava preparado.

Seu instinto lhe disse para pensar em algo grande, a ser algo grande. Sentiu seu corpo formigar e aumentar e, em alguns instantes, era outra coisa. Não sabia o quê, mas era uma coisa maior e mais forte.

Correu em direção ao homem, que estava sem reação, e o atacou.

Sabia que a luta estava acabada antes mesmo de voltar à sua forma humana.

Ele cambaleou um pouco e tropeçou no corpo melado do homem. Encostou suas mãos nele para levantar e não sentiu nada reconhecível, mas uma massa irregular de carne.

Paralisou. Não queria ter feito aquilo. Como foi se deixar levar para um lado tão selvagem?

Haru ouviu a multidão gritando de alegria e sabia que o estavam ovacionando, mas não queria os gritos histéricos daquelas pessoas violentas. Agachou-se e começou a chorar novamente, sentindo-se extremamente sozinho.


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Notas finais do capítulo

Reviews? :3