Volta? escrita por Jude Melody


Capítulo 8
Alegria




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Desta vez, a lua não me fornece as respostas de que tanto preciso. Eu estou confuso, tão confuso. Sentimentos de culpa e de alívio alternam-se dentro de mim. Culpa porque eu não fui mais incisivo quando tive chance e acabei deixando Kurapika seguir em direção à morte. Alívio porque ele está bem agora e está seguro. Culpa porque ele perdeu algo tão precioso em sua batalha. Alívio porque, apesar de tudo, existe uma possibilidade ínfima de ele me amar.

Será que isso me torna uma pessoa desprezível? Se eu tivesse agido como deveria, Kurapika não estaria sofrendo tanto agora. E, no entanto, eu consigo ficar feliz por ele sorrir para mim. Consigo ficar feliz por poder carregá-lo no colo. Consigo ficar feliz por ele deitar a cabeça em meu ombro enquanto assistimos a filmes e comemos pipoca salgada com leite condensado.

Por quê? Por que eu sou assim? Por que eu me permito esses breves momentos de felicidade? Por que eu me permito chorar quando sei que sou o único que não tem direito de derramar uma lágrima sequer? Por que passo horas observando Kurapika dormir e tenho um sobressalto sempre que ele inspira fundo ou sussurra meu nome?

Cansado, vou até a cozinha e procuro alguma bebida forte, mas só encontro uma latinha de cerveja. Abro-a e faço um brinde à minha mediocridade. Estou a ponto de ingerir o líquido quando a imagem do bêbado que me cumprimentou naquela rua imunda retorna à minha mente. Enojado, despejo tudo na pia e jogo a latinha fora.

Troco a água da vasilha do Kurode, perguntando-me se ele está se alimentando direito. No momento, ele está deitado aos pés da minha cama, velando o sono de Kurapika. É um cachorro fiel, o Kurode. Apesar de ter sido eu quem o salvou daquele maldito vendedor que chutava os filhotes, ele é bastante apegado ao Kuruta. Os dois costumavam passar muito tempo juntos antes... De essa desgraça toda acontecer.

Retorno a meu posto, mas Kurapika não se moveu um milímetro desde que saí do quarto. Cruzo os braços, preparado para a longa vigília. Kurode acorda, solta um bocejo e me encara com seus olhos mimosos. Ele está preocupado comigo. Não é necessário ler sua mente para saber disso. Ele provavelmente sente meu cansaço, minha tensão, minha culpa.

Tento abrir um sorriso para ele, mas a quem estou enganando? Não demora muito para eu cair no sono e mergulhar em um pesadelo horrendo. Vejo olhos escarlates por toda a parte e desato a correr por uma escadaria sem fim. Depois de uma eternidade, chego a um patamar sombrio. Há uma figura ajoelhada no chão. Ela olha para mim, mas há um poço profundo no lugar de seu olho esquerdo. O sangue escorre livremente, manchando suas roupas. Kurapika fica de pé, estendendo os braços na minha direção. Por que, Leorio, por quê?

Acordo com um sobressalto, o coração batendo acelerado. Ao olhar para minha cama, mais um grande susto. Kurapika está sentado, encarando-me. A íris escarlate. Ele também teve um pesadelo, provavelmente um pesadelo muito pior do que o meu. A mesma coisa aconteceu duas ou três vezes no hospital. Ele começava a balançar a cabeça de um lado para o outro. Arfava. Segurava os cobertores com força, gemendo, suplicando pela própria vida. Então, subitamente, ele se acalmava. Mas eu, não.

Eu tento me levantar, ir até ele, mas Kurapika é mais rápido. Ele se aproxima de mim, observando-me de cima. Os pés, descalços. Engulo em seco, tento dizer que está tudo bem, que é melhor ele ir para a cama e descansar, pois ainda não se recuperou totalmente de seus ferimentos. Ele não me responde. Permanece imóvel, fitando-me com seu único olho.

Com um suspiro, abaixo a cabeça e fecho meus olhos. Eu tento me conter, mas as lágrimas são mais fortes, e um soluço escapa de meus lábios. Sinto meus ombros tremerem e sei que estou chorando. Estou libertando toda a mágoa, todo o medo que senti nesses últimos dias. E tenho muitos sentimentos guardados. Muitos mesmo.

Em silêncio, Kurapika estende o braço e pousa a mão sobre meus cabelos. É um carinho suave e simples, mas desperta algo novo em mim. Eu peço desculpas. Inúmeras vezes. Até minha garganta doer, e minha voz falhar. Sou mesmo um tremendo desprezível, mas cheguei a meu limite. Se eu não chorar agora, acho que vou explodir.

A culpa me consome, mas eu não posso simplesmente deixar de viver. Kurapika precisa de mim. Agora mais do que nunca. Mas, talvez, apenas talvez, seja eu quem precisa dele. Eu preciso dele bem. Preciso dele seguro. Preciso dele comigo, porque, quando ele está comigo, sei que nada o machucará.

E é por isso que eu sinto um aperto no peito quando ele diz aquelas três palavras. As palavras que eu sempre quis ouvir. As palavras que eu não tive coragem de dizer quando era ele quem estava chorando em meu ombro. Ele diz que me ama.

Eu ergo o rosto, inebriado pela nova emoção que me domina aos poucos. Encontro aquele olhar escarlate, mas não há raiva ou medo ali. O sentimento que eu vejo é totalmente novo. Ou, talvez, ele sempre tenha estado ali, mas apenas agora tenha conseguido se libertar.

Kurapika toca meu rosto, e eu cubro a mão dele com a minha. Não há luz no quarto. Toda a luminosidade que nos cerca pertence à lua. Mas eu não preciso olhar a lua para encontrar a resposta que procuro. Porque essa resposta vem ao meu encontro na forma dos lábios mais doces que eu já senti em toda a minha vida.


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