Volta? escrita por Jude Melody


Capítulo 5
O sorriso da morte




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Quando eu entrei naquela mansão, um calafrio estranho percorreu meu corpo. O grande salão tinha cheiro de morte. Esse foi o primeiro sinal de que meu oponente não era um mero ricaço com um gosto perverso para objetos raros. Ele era um assassino da pior espécie, do tipo que gosta de brincar com sua presa antes de enviá-la para o reino dos mortos.

Por isso, eu jamais vou compreender o motivo de ele ter poupado a minha vida. Talvez ele apenas quisesse garantir que poderia voltar a brincar comigo no futuro, mas isso não faz o menor sentido. Ele deixou claro que eu sou fraco demais. Ingênuo demais. Quase insignificante. Se esse fosse seu desejo, poderia ter me derrotado com as mãos atadas.

Eu ouvi o som de meus passos ecoar pelo cômodo enquanto caminhava. Meus sentidos atentos não captavam nada, mas minha intuição disparou o alarme, exigindo que eu fugisse. E ele apareceu. Sem emitir qualquer ruído. Sem revelar sua aura. Aquilo simplesmente brotou da escuridão, como uma sombra. E sorriu para mim. Maléfico. Cruel. Perverso.

Naquele momento, não havia mais nada que eu pudesse fazer além de lutar até a morte. Os gritos de dor escapavam de meus lábios, coloridos pelo sangue. Eu caí no chão inúmeras vezes, mas aquele assassino sempre me levantava para me espancar mais um pouco. Depois de alguns minutos, já não havia mais dor. Apenas o nada que preenchia meu corpo. Acho que foi a partir desse ponto que a brincadeira deixou de ser interessante para meu predador.

Ele me lançou no chão uma última vez e se debruçou sobre meu peito. Seus dentes brancos pareciam presas. Seus olhos negros pareciam um poço escuro e sem fim. Sem luz. Apenas trevas. Eles encaravam minhas íris, fascinados pelo tom escarlate dos meus olhos. Aquela era a primeira vez que via um Kuruta de perto, e ele se sentia honrado.

Quando ergueu sua mão em forma de garra, tive certeza de que arrancaria meus olhos para somá-los à sua coleção. Mas ele não fez isso. O que ele fez foi ainda mais cruel. Perfurou meu olho, enfiando seu dedo o mais profundo que conseguiu. A dor foi indescritível. Eu achei que fosse morrer. O sangue desceu quente por meu rosto, tão escarlate quanto minha íris.

O assassino abriu os lábios e gargalhou. Ele estava em êxtase. Louco. Afastou suas garras de mim e lambeu os dedos, deleitando-se com o gosto de minha morte lenta. Eu mesmo não sei como me lembro de tudo isso. Estava em plena agonia naquele momento, sofrendo demais para prestar atenção no que meu algoz fazia. Talvez estivesse chorando. Não sei. Eu me sentia como em um pesadelo.

O porquê de ele não ter perfurado meu outro olho permanece um mistério. Talvez, apenas talvez, alguém o tenha interrompido. Existe essa imagem estranha em minha memória de um olhar brevemente assustado. Ele pareceu bravo no começo, mas depois viu ou ouviu alguma coisa que lhe despertou medo. Seus olhos arregalaram-se, e seus lábios tremeram.

Que espécie de monstro poderia assustar a própria morte?

Uma eternidade depois, recuperei minha consciência. Extremamente debilitado, virei-me de barriga para baixo e me arrastei pelo chão. Várias horas se passaram enquanto eu me movia lentamente, mas talvez eu não tenha percorrido mais do que alguns centímetros. Com meu olho bom, avistei duas botinhas prateadas e me perguntei se aquele seria algum anjo vindo me buscar.

Anjo estranho aquele. Aos seus pés, havia quatro patas alaranjadas, provavelmente pertencentes a um gato. Pelo menos aquela não poderia ser uma fera ainda mais terrível do que o monstro que me dilacerara. Ele tinha o riso mais agonizante que eu já ouvi em toda a minha vida. Se demônios existem, acho que é dessa forma que eles riem.

Fraco, destruído, estendi o braço como pude e toquei uma das botas, manchando-a com sangue. Tentei abrir a boca para pedir ajuda, mas o líquido escarlate subiu por minha garganta e sujou o piso. O anjo ficou enojado e chutou meu rosto. E eu mergulhei de novo na escuridão.

A segunda eternidade passou. Acordei em uma floresta desconhecida. Olhei ao meu redor, procurando pelas botas, pelo gato, mas não encontrei ninguém. Com dificuldade, levantei-me e busquei a lua. Mas ela estava escondida atrás das nuvens, recusando-se a me fazer companhia.

Com um suspiro, dei início à minha caminhada. Depois de algumas horas, encontrei uma trilha familiar e segui por ela até alcançar uma pequena vila. Furtei alguns ovos de um galinheiro e uma torta que descansava no parapeito de uma janela. Normalmente, eu não faria uma coisa dessas, mas estava cansado demais para me preocupar com julgamentos morais. Além disso, era noite, e todos estavam dormindo.

Eu devorei meu jantar em poucos minutos e me servi da água límpida de um córrego. Deitei sob um grande carvalho e dormi por horas. No dia seguinte, prossegui minha jornada. Havia deixado o celular em casa, então não podia ligar para Leorio ou para Senritsu. Será que ele estava me esperando?

Não estava. Foi o que descobri ao chegar ao apartamento que dividimos. Sei que não tenho o direito de dizer isso depois de tudo o que fiz, mas eu fiquei triste. Uma parte de mim realmente acreditava que Leorio estaria em casa, quem sabe fervendo água para comer macarrão instantâneo, apesar de eu já ter dito inúmeras vezes que esse tipo de comida é um veneno e que ele, como estudante de Medicina, deveria saber isso melhor do que ninguém.

Quando eu fechasse a porta da sala, ele apareceria no cômodo com uma expressão zangada no rosto, mas ela logo cederia espaço ao horror. Ele correria até mim, exclamando meu nome, e me tomaria em seus braços, perguntando o que havia acontecido. E eu encostaria a cabeça em seu ombro, pedindo desculpas, talvez até chorando em minha dor.

Mas nada disso aconteceu. E agora eu estou aqui. Não me lembro de ter chegado neste local. E, curiosamente, apesar de toda a dor, de todo o medo, uma parte de mim está feliz. Porque eu te reencontrei. Porque você está bem. Porque você está aqui. Porque você talvez ainda me ame.


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