Volta? escrita por Jude Melody


Capítulo 3
Tristeza




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Não sei quanto tempo leva para a consciência dominar meu ser. Sinto minha pálpebra tremendo e movo meu rosto para o lado, protestando silenciosamente. Estou com dor. Estou com sono. Quero continuar dormindo. Mas o ar parece diferente. O cheiro parece diferente. A familiaridade que sempre me cumprimenta quando acordo não está aqui.

Abro o olho lentamente e pisco diversas vezes para a claridade que golpeia minha íris de forma brutal. Uma dor de cabeça absurda dá-me as boas-vindas. Onde será que estou? Esta não é a minha casa. Esta não é a minha cama. Esta... É vergonhoso dizer, também não é a cama do Leorio. Preciso de alguns segundos para compreender que estou em um hospital.

Tento mover meus braços, mas eles parecem feitos de chumbo. Tudo dentro de mim está muito pesado. Eu não entendo por quê. Apesar de meus esforços, as últimas noites são um borrão em minha memória. Não faço a menor ideia do que aconteceu, do que me deixou assim. E o que é essa sensação estranha no meu olho esquerdo? Por que eu não consigo abri-lo? Por que...?

Escuto um leve ruído e fico alarmado no mesmo instante. O suor desce frio por meu pescoço. Um medo que não me lembro de já ter sentido alguma vez na vida. Eu estou tão indefeso agora. Sequer consigo usar minha corrente. Nem mesmo em meus maiores pesadelos imaginei que pudesse morrer assim. Viro a cabeça sobre o travesseiro, procurando a origem do som.

Leorio.

Uma dor profunda preenche meu peito, deixando-me sem ar. Acho que, se não estivesse tão debilitado, teria arfado de surpresa. Sinto a adrenalina percorrer meu corpo, impulsionando uma reação difícil de reprimir. Eu quero me levantar. Quero me aproximar daquele homem sentado em uma cadeira, a apenas dois metros de distância.

Ele está agachado. As pernas bem afastadas servem de apoio para os seus cotovelos. Seu rosto está enterrado nas mãos. De onde estou, é impossível ver seus olhos. Mas eu não preciso. Sei que ele está desolado. E essa desolação de alguma forma perfura meu peito, como um punhal.

Tento separar meus lábios, mas eles não emitem qualquer som. Estou a apenas dois metros de distância de Leorio, mas não consigo alcançá-lo. Olhe para mim. Por favor, olhe para mim. Não gosto de ver você sofrendo. Então, por favor, por favor! Olhe para mim...

Como se fosse um milagre, ele ergue o rosto. Está cansado como eu nunca o vi antes. Em torno dos olhos, olheiras profundas. Parece até que levou um soco. A pele está pálida, desprovida do leve rubor que eu costumava ver quando assistíamos a um filme. Juntos. No sofá da sala.

O que aconteceu com você?

Quando seu olhar encontra o meu, um pouco de vida parece retornar a seu corpo. Ele se levanta lentamente e se arrasta até mim. Para diante de meu leito e me observa de cima, como se eu fosse uma criança, e ele, meu pediatra. Acho que isso até poderia ser verdade.

Tento dizer alguma coisa. Tento chamar seu nome. Mas uma nova dor preenche meu peito, e eu sinto meu olho arder. Lembro-me de tudo agora. Lembro-me da nossa discussão naquela noite sombria. Lembro-me de sair de casa, batendo a porta. Lembro-me de ir atrás daquele assassino que me espancou até me deixar à beira da morte e depois usou suas garras para...

Em um rompante, sento-me na cama, levando a mão a meu olho destruído. Tudo o que eu encontro é a textura leve dos curativos e finalmente entendo por que o mundo de repente me parece tão fora de lugar. Eu me sinto incompleto. Eu me sinto impotente. Eu me sinto...

Cansado.

Sem dizer uma única palavra, Leorio senta-se ao meu lado e passa seu braço ao meu redor. Eu encosto a cabeça em seu ombro e deixo os soluços explodirem, libertando todas as lágrimas que estavam presas aqui dentro desde que eu escapei da mansão de meu algoz. O choro parece não acabar nunca, mas Leorio continua em silêncio. Não sei se está bravo comigo. Não sei nem se ele me odeia.

Eu só sei que dói. Dói muito.

E não é só por causa do meu olho. É porque ele disse para eu ficar em casa. Ele disse para eu não ir sozinho. Mas eu não obedeci. Eu gritei com ele, virei as costas e me afastei a passos largos. Bati a porta ao sair. E não voltei mais. Pelo menos não enquanto ele ainda estava lá para me receber.

As lágrimas descem quentes por meu rosto, e a dor em meu peito fica cada vez mais forte. Eu não suporto esse silêncio, mas não tenho palavras para quebrá-lo. Tudo que escapa de meus lábios são os soluços. Eu sempre achei que a impotência fosse a maior das humilhações. Não é bem assim. Ela machuca. Mas machuca mais não saber se a pessoa que eu amo ainda é capaz de me perdoar.


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