Saitou caminhava lentamente pelas ruas escuras de Kyoto.
Suas feridas não estavam totalmente curadas, longe disso, mas ele já podia se mover e a agitação de energias se chocando o atiçaram, fazendo-o sair de sua cama no meio daquela noite fria.
—Essa presença gigantesca...É de uma natureza extremamente próxima à do Battousai, mas a outra, um pouco menor...Com certeza é do maldito moleque.
Dizia Saitou com desgosto ao relembrar sua derrota.
# Aquele cara deve estar enfrentando alguém tão poderoso quanto o Battousai para chegar a esse ponto...Não...Esse alguém é tão monstruosamente forte que talvez nem mesmo o Battousai fosse capaz de vencer.#

As ruas de Kyoto estavam vazias. Era tarde da noite e as pessoas estavam se recolhendo cedo para descansar e voltar a reconstruir os locais onde as tropas de Shishio conseguiram causar danos logo de manhã cedo.
—Se eu chegar lá rapidamente, poderei intervir...!
Saitou tentou correr, mas após o terceiro passo ele sentiu as feridas doerem, uma dor profunda e quase incapacitante. Deixar o repouso era uma má idéia, esforçar-se demais era uma PÉSSIMA idéia.
—Provavelmente só vou poder contar com os curativos até disparar o primeiro ataque, SE eu for realmente capaz de o desferir...!
Saitou dizia arfando.
Ele  respirou fundo, esperando a dor diminuir o bastante para voltar a se locomover.
—Se realmente eu conseguir utilizar o Gatotsu uma vez que seja, a ferida com certeza irá abrir...Depois disso... 
Saitou tocou de leve onde haviam as feridas com os dedos da mão esquerda.
—Não serei mais do que uma presa fácil...!

Lutar era uma idéia estúpida, mas era necessário considerar até onde poderia levar caso precisasse, afinal de contas, seu oponente havia o  atacado do nada, sem precisar de uma causa justa para tanto. Saitou estava disposto a ter sua revanche, em que tivesse que decidir tudo em um único ataque surpresa.

Um calafrio percorre a espinha de Saitou quando o gélido vento daquela noite soprou, trazendo uma sensação incômoda ao Ex-Shinsengumi.
As nuvens moviam-se mais rápido do que o normal e quando uma cobriu a lua, a rua foi engolida pelas trevas. Saitou sentiu-se observado, algo estava escondido nas trevas com seus olhos cravados nele. Certamente aquela era a presença de um guerreiro.
—Quem está aí ?!
Saitou questionou sem olhar na direção de onde vinha aquela presença.

Quando o silêncio foi sua resposta, Saitou virou-se e, ao fazê-lo, seu sangue gelou.

Dois grandes olhos escarlates o encaravam de dentro da escuridão. Não era uma presença comum, uma vez que o próprio Saitou havia ficado tenso ao percebê-la.

As nuvens que cobriam a lua começaram a mover-se novamente, permitindo que a luz começasse a fracamente banhar a rua. A criatura era como um enorme lobo, com desgrenhados pelos negros que assim como seus alvos caninos e garras estavam manchados de sangue. A cauda da besta movia-se de forma lenta, porém fluída, da direita para esquerda e da esquerda para a direita. Diferente de quando um cão ficava feliz, o motivo pelo qual o lobo balançava sua grossa cauda estava claro na intensidade com a qual seus olhos encaravam Saitou. Ele parecia pronto para rasgar sua garganta.
—Então...
O lobo pareceu abrir um sorriso que mostrava ainda mais nitidamente suas presas.
—já faz bastante tempo, hein, Saitou ?
Uma voz firme e imponente questionou, aparentemente vinda da feroz criatura. Por entre os dentes da criatura, estranhamente, uma fumaça começou a sair após a pergunta.

Algo naquela voz fez Saitou estremecer. Saitou a conhecia muito bem.

O vento uma vez mais soprou e era como se Saitou estivesse no meio do Bakumatsu uma vez mais, no meio do inferno de 10 anos antes. Gritos de guerra daqueles que matavam misturavam-se aos de dor e agonia daqueles que morriam. O sangue espirrava e jorrava,  manchando espadas, roupas e pele dos que naquele inferno guerreavam.
O chão tornava-se cada vez mais uma gigante poça de sangue que continha os corpos e partes mutiladas dos mortos. A sinfonia infernal da guerra, composta pelos gritos dos que lutavam e morriam, pelos sons do aço das espadas se chocando, do ar e da carne sendo cortados e dos corpos caindo ao chão traziam a loucura aos mais fracos de espírito, mas não a Saitou, que via-se no meio daquele inferno uma vez mais.

Na frente do Ex-capitão da terceira divisão, um homem totalmente vestido de preto por baixo do conhecido manto do Shinsengumi sacou sua espada e gritou. Saitou estranhamente não ouviu o grito, mas ele reconhecia aquele homem muito bem.
O Demônio do Shinsengumi.  
—Então....!
Saitou respirou fundo e devolveu com igual intensidade a encarada do lobo, agora que reconhecia seu antigo superior.
—Você não morreu naquela terrível ocasião, senhor ?!

Quando a luz da lua caiu sobre a besta e a iluminou completamente, a ilusão criada pela intensa agressividade da presença do recém-chegado sumiu.
Onde havia um lobo, agora havia um homem de longos cabelos negros soltos que chegavam no meio de suas costas. Sua pele era pálida e seus olhos brilhavam naquela noite com um intenso azul. Suas roupas eram completamente negras ou em tons escuros de cinza e a aura emanada por ele era sombria e agora estranhamente parecia ter se acalmado.
—Ainda me chama de senhor, mesmo após o fim do Shinsengumi, Saitou ?
A naturalidade com a qual o homem falava sobre o fim do Shinsengumi era um tanto incômoda, mas Saitou não esperava de forma alguma encontrar aquele homem vivo. Sua morte fora confirmada por um sobrevivente do incidente no qual aquele homem havia morrido.

—Você é...Hijikata Toshizo, certo ?
Saitou questionou ao homem de negro.
—Hijikata Toshizo, Vice-Comandante do Shinsengumi, que morreu durante a batalha de Hakodate, no fim da guerra Boshin ?

O homem de preto sorriu e se aproximou de Saitou.
—Sim, Hajime Saitou da terceira divisão do Shinsengumi, eu sou Hijikata Toshizo, um dos cabeças do extinto Shinsengumi.

—Eu achei que estivesse morto...
Dizia Saitou, ainda absorvendo a notícia.
—Você não tinha como vencer...E o relatório sobre suas feridas..
Saitou olhava para o centro do torso de Hijika.
—Era para a tal bala ter, no mínimo, deixado-o incapaz de andar pelo resto a vida.

—Eu dei o meu jeito, sabe ?
Disse Hijikata simplesmente. Saitou estranhara aquilo, pois Hijikata era famoso por ser um homem extremamente rigoroso, tendo recebido o apelido de "Demônio do Shinsengumi" exatamente devido às punições rigorosas designadas por eles a criminosos e aos que desertavam e traíam o Shinsengumi.
—Agora, Saitou...
Hijikata olhou brevemente na direção de onde ambos podiam sentir o choque das energias na luta entre Seijuro e Hiroshi, foi uma olhada rápida, mas Saitou a notou, apesar de ter escolhido não comentar sobre.
—O que pretende indo até lá ? Por acaso pretende enfrentar o jovem que pretende superar o Battousai Himura ?

Algo estava errado. Saitou sabia disso, mas não iria contra seu ex-superior sem provas mais concretas. Ainda mais ao lembrar-se da várias vezes que Hijikata ordenara o Seppuku como punição.
—Por que pergunta ?
Saitou questionou simplesmente.

—Porque, pelo jeito que você estava andando, posso ver que está machucado e incapaz de lutar contra alguém do nível dele outra vez.
Respondeu  Hijikata, que parecia não realmente se importar com as feridas de Saitou, mas com alguma outra coisa.

Um momento de silêncio se seguiu enquanto Hijikata observava Saitou e Saitou tentava conter o crescente incômodo em sua mente, que logo mostrou-se com razão quando Saitou viu Hijikata pousando a mão esquerda sobre a empunhadura da espada e prosseguindo em tom mais sério.
—E também porque eu fui aquele recrutado para manter você longe, Saitou...

Saitou notou pela primeira vez o cheiro, um cheiro que pra ele era tão natural que nem havia notado que a fumaça expelida pelo "lobo" alguns momentos antes era daquilo.
O cheiro do cigarro que agora Hijikata tinha na boca, tragando profundamente a intoxicante fumaça e logo em seguida a expirando. Hijikata encarava Saitou o tempo todo, como se voltar a fumar fosse um claro sinal de que ele não se importava de parar Saitou a força.

Saitou acabou recuando um passo após entender o que Hijikata buscava mostrar.
—Você está com eles ?!
Rosnou Saitou num misto de surpresa e indignação e súbita irritação.
—Você está junto de um moleque que segue os passos do Battousai ?!

Hijikata sorriu desdenhoso.
—Hiroshi faz mais do que “seguir os passos” do Battousai, Saitou...
Hijikata prosseguia com um misto de seriedade e desdém, algo paradoxal, mas que fazia Saitou sentir, lá no fundo, um arrepio preocupante.
—Ele aperfeiçoou suas técnicas para criar algo novo, tão mortal quanto o próprio estilo Hiten Mitsurugi que ele treinou, talvez até MAIS letal...
Hijikaa então aponta com o polegar direito a cicatriz que tinha no rosto, a ferida parecia recente, ainda que já cicatrizada. Ela era uma linha horizontal acima do nariz que cruzava-se com outra linha vinda desde a bochecha direita até o canto esquerdo da testa, uma cicatriz em cruz.
—Isso foi feito por ele quando nos encontramos.
Hijikata ficou absolutamente sério, sem sinal algum de desdém.
—Diga-me, Saitou, você acha mesmo que alguém que apenas se limita a imitar Battousai seria capaz de me ferir dessa forma ?!

Saitou sentiu-se atingido novamente pelos golpes que Hiroshi havia lhe desferido. Ele sequer havia notado as cicatrizes em razão do impossível reencontro com Hijikata e isso o fazia notar o quanto ele estava perturbado pela luta que perdera. Saitou sentia necessidade de uma revanche.

Uma grande explosão pôde ser sentida por ambos quando as energias de Seijuro e Hiro se chocaram. Saitou virou-se para prosseguir, guiado pela vontade que tinha de provar-se perante aquele homem que supostamente podia vir a ser mais poderoso até mesmo que o próprio Battousai, mas foi parado pela exclamação de Hijikata.
—SAITOU !
Saitou congela e não sabe o que fazer naquele instante, sequer virando-se para encarar Hijikata.
—Se for até lá...Saiba que minhas ordens são de matar você caso tente atrapalhar o Hiro.
A voz de Hijikata tornou-se mais amigável quando terminou o que tinha a dizer:
—Se realmente se ainda se vê como um dos "Lobos de Mibu", obedeça seu superior e fique fora disso.

Saitou então finalmente vira-se para Hijikata e seus olhos faiscavam com ira. Hijikata não era mais o mesmo, de forma alguma. Era conhecido o seu repúdio pelo apelido dado ao Shinsengumi e o quanto isso motivou os atos que lhe renderam o apelido de "Demônio". O Hijikata que Saitou conhecera jamais usaria aquele termo para referir-se ao Shinsengumi.
—“Se realmente eu me vejo como um Lobo de Mibu” ?! Você é quem se vendeu, Hijikata !
Os dois ex-shinsengumis encaravam-se. Saitou estava cada vez mais irritado, chegando a não chamar Hijikata de "senhor", mas sim por seu nome e Hijikata, por sua vez, parecia desinteressado em manter aquela conversa por muito mais tempo.
—Você é nada além de um covarde ou pior, alguém que não mais ostenta o orgulho de nossa época. Deve ter sido subjugado na luta contra aquele moleque e agora o serve como um cão adestrado, não merece o título de "Demônio" e sequer merece ser conhecido como um "Lobo".
Saitou respirou fundo e gritou com sua voz firme e determinada, agora que as formalidades mostraram-se desnecessárias e indevidas.
—UM LOBO DE MIBU JAMAIS PODE SER COMPRADO !

Saitou então vira-se e segue caminhando na direção do combate, sem se importar se Hijikata tentaria o atacar pelas costas. Se o tentasse, Saitou poderia até morrer, mas levaria Hijikata junto.

Hijikata sorri tristemente e apenas para si diz:
—Bem...Você mesmo escolheu isso, Saitou...
O sorriso tornou-se uma expressão sombria e a aura assassina que Hijikata havia emanado para que Saitou o percebesse desapareceu, fazendo-o aparentar sumir na escuridão daquela noite.
—Em breve...Talvez não haja mais Shinsengumis vivos....