Bloodlines escrita por Srta Who


Capítulo 1
Capítulo I




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Capitulo I.

            “Há muito tempo atrás a humanidade estava à beira de seu fim. Os líderes das principais potencias mundiais, desesperados em manter-se no poder após uma gravíssima crise financeira e política mergulharam os seus países numa devastadora terceira guerra mundial.

A tecnologia da época permitia a criação de armas químicas e biológicas que que eram capazes de arrasar até mesmo populações de grandes metrópoles em menos de uma semana. Com tal artilharia presente nos dois lados do conflito os soldados do front pereciam rapidamente de maneiras horríveis e dolorosas. Então parte da população, não aguentando mais enterrar pais, mães, tios, irmãs e irmãos, revoltou-se contra seus líderes, recusando-se a servir e iniciando guerras civis em praticamente todas as nações.

Ao Sul de um país que era conhecido como Alemanha criou-se a resistência mais feroz, eles chamavam-se de freie Widerstand (a resistência livre) e tinham como símbolo um par de asas inspiradas numa antiga lenda que dizia que heróis alados de asas negras e brancas que outrora salvaram a humanidade de assassinos gigantes ressurgiriam no momento de maior necessidade dos homens. Os revoltosos, entretanto, foram por anos brutalmente esmagado por líderes megalomaníacos que não aceitavam a desobediência do povo para com suas ordens.

No de 2154 a situação se tornou insustentável, os quase 100 anos de guerra mundial seguidos por outros tantos de guerra civil destruíram mais que vidas, foram dizimadas plantações, tecnologias, as riquezas continentais estavam à beira do fim, o ferro, utilizado na indústria bélica, custava muito caro. A inflação exorbitante fez com que três pedaços de pão custassem uma mochila cheia de dinheiro em alguns lugares. A morte era uma companheira constante e a vida algo do qual as pessoas tinham aprendido a se desapegar.

Até que um novo fator virou o jogo em favor da liberdade. As famílias Ackerman, Alert, Jaeguer, Ral e Reiss com suas habilidades especiais misteriosas e com o auxílio de nobres almas que deram sua vida em prol da causa conseguiram nos libertar das garras autoritárias e corruptas daqueles que assassinavam seu povo para manter seus privilégios...”

—Tsc. Que merda de programa. – Murmurou o homem esfregando os olhos. Suas pálpebras estavam pesadas e imploravam para serem fechadas, o rosto pálido era tomado por olheiras roxas que pareciam que engoliriam seus orbes cinzentos a qualquer momento. – Dá para desligar essa porcaria?! – Ele reclamou com a enfermeira que ouvia atenta cada palavra que saia da televisão. A mulher ruiva encarou-o com uma cara de raiva, uma clara negação.

            Ele estava irritado, muito irritado e muito cansado. Passara a noite inteira sentado naquela mesma cadeira, observando aquela mesma televisão repetir o mesmo tipo de programa, chato e alienante, enquanto bebia a mesma coisa, café, litros e litros de café fortíssimo. Ele não conseguiria dormir, não enquanto não pudesse vê-la. Enquanto não soubesse como ela estava, seria impossível livra-se daquela raiva em sua voz. O mundo teria de lidar com seu péssimo humor e suas olheiras, geradas por falta de sono, enquanto sua mãe ainda estivesse desacordada naquele hospital.

—Levi. – Uma voz masculina muito familiar a seus ouvidos chamou. O rapaz imediatamente distanciou seu olhar do interlocutor que em um timbre animado anunciava os grandes feitos da nobreza para o mundo, e moveu-o para a figura que o chamava. Era um homem alto, cerca de um metro e noventa, tinha cabelos loiros e olhos azuis calorosos bem diferentes dos de Levi que mais pareciam dois pequenos abismos cinzas nos quais seria muito fácil cair e se perder para sempre.

—Erwin. – Ele respondeu levantando.

—Desculpe não ter vindo antes, acabei de sair do trabalho.

—Não tem problema. – Erwin Smith é delegado na cidade de Trost, a capital do distrito Shiganshina, ele lidava com papelada, processos e investigações o dia inteiro. Era extremamente dedicado em seu trabalho por duas razões fundamentais:

1° Ele amava o que fazia.

2° O amor que tinha por suas filhas, Lilian e Anabelle, frutos de seu casamento com sua amada esposa, Hanji.

Hanji é uma professora universitária que tem uma obsessão quase doentia por historias escritas em antigos documentos sobre uma época em que a humanidade quase foi extinta gigantes. Na opinião de Levi, a mulher é louca.

            Além de ótimo profissional, Erwin é um pai dedicado e marido amoroso, avido leitor, exímio enxadrista e por consequência um incrível estrategista, e claro, irmão mais velho de Levi nas horas vagas.

—Como está a mamãe? – O moreno balançou a cabeça negativamente. A mãe deles, Kuchel, foi encontrada por Levi na noite anterior, desacordada no chão da cozinha e com uma imensa mancha na área da testa.

—Ainda inconsciente.

—Os médicos?

—Não disseram nada. – O loiro deu um suspiro de desapontamento. – Incompetentes. – Levi murmurou. Erwin analisou seu irmão por um momento. Aquele baixinho nunca mudava a expressão. Sempre o mesmo olhar, uma mistura estranha de tédio e desdém. O mais velho, entretanto, sabia que por baixo de sua pose imperturbável, Levi estava exausto, física e psicologicamente exausto.

—Você parece mais pálido do que de costume. – Ele comentou.

—O que você esperava? A noite não foi das melhores.

—Eu sei. – Na voz de Erwin havia a mesma compreensão de sempre. –Vá para casa.

—O que?

—Tome um banho, coma alguma coisa e tente dormir um pouco.

—Não posso ir embora.  

 -Eu fico aqui esperando por notícias.

—E quanto a Hanji?

—Já liguei e disse o que aconteceu.

—Mas...

—Sem, ‘mas’, tampinha.

— Já disse para não me chamar assim, eu não sou nenhuma criança, que merda Erwin. – Era engraçado ver Levi com raiva, é como um coelhinho tentando parecer assustador, um coelhinho de olhos demoníacos, mas ainda assim um coelhinho. Se a situação fosse outra Erwin estaria dando boas gargalhadas.

—Então seja adulto e obedeça a autoridade maior no recinto. – O loiro curvou-se para olhar nos olhos de Levi, ele claramente não falou “autoridade maior” apenas no sentido hierárquico da expressão.

—Sabe, Erwin, ás vezes fico pensando o quão bom seria quebrar o seu braço.

—Deveria pensar sobre um banho, você está fedendo.

—Maldito! – Praguejou. Ele sofria de transtorno obsessivo compulsivo por limpeza, então dizer que o moreno “fedia” era um insulto quase imperdoável. Levi suspirou, aceitando que começar uma briga no meio do hospital não seria nada bom, passou por seu irmão mais velho e afastando-se daquelas horríveis e desconfortáveis cadeiras onde passara a noite. – Erwin. – Levi chamou de costas para ele. – Se alguma coisa, qualquer coisa, acontecer...

—Eu sei. – O loiro respondeu. O moreno pôs as mãos nos bolsos do casco, sorriu e continuou a andar para fora do hospital. Erwin e Levi não se odiavam, longe disso, se amavam tanto quanto um irmão pode amar o outro, na verdade, até mais do que isso, porém, como Hanji sempre dizia a suas filhas, que ficavam confusas ao ver o tio e o pai brigando, esse é o jeito que aqueles dois idiotas usam para demonstrar amor.

            O tempo do lado de fora estava frio e nublado, como era de costume nessa época do ano, mas isso não perturbava Levi, o inverno era na verdade sua estação preferida. Ao contrário do verão. Calor o incomodava de uma maneira indescritível, calor faz as pessoas suarem, e suor é nojento. O jovem poderia continuar a pensar em infinitas outras coisas que lhe causavam arrepios de tão repugnantes, mas foi tirado de seus pensamentos por seu estomago, que reclamava pelo jejum prolongado ao qual estava sendo submetido.

—Merda. – O rapaz não comia nada desde as 17:00 do dia anterior, o apartamento onde morava com sua mãe ainda estava longe e ele não ousaria entrar em qualquer café que fosse sem escovar os dentes, aquilo estava fora de cogitação. Sem ver outra alternativa Levi tentou ignorar os roncos que vinham de sua barriga.

            Nevara a noite inteira, então as calçadas da cidade estavam tomadas um imenso tapete branco que em alguns pontos era manchado por um marrom lamacento que fazia o moreno querer lavar tudo com uma mangueira, mas nem toda a neve lamacenta do mundo poderia tirar a beleza de Trost, isso ele tinha de admitir.

A capital foi construída nos padrões que vigoravam antes da guerra, no início do século XXI, haviam grandes arranha céus, e prédios de altura mediana cujo as janelas serviam de telões para propagandas, principalmente do governo, todas as grandes construções eram feitas em tons de branco, cinza e preto o que dava ao lugar um ar melancólico. Os locais históricos da antiga Alemanha que sobreviveram as revoltas rebeldes, como museus, palácios e catedrais, foram destruídos ou reformados de maneira a ficarem irreconhecíveis. O que na opinião de Levi era uma pena, pelas fotos que vira em suas aulas de história da arquitetura, eram todos maravilhosos.

            Há cerca de 100 metros de onde o moreno estava havia um prédio, um dos vários que servia de telão, e lá era transmitido um dos vários pronunciamentos diários de Historia Reiss, a rainha. Uma menina baixinha, loira e de olhos azuis, que parecia ser demasiada inocente para mandar na área dos cinco continentes. Levi ergueu a cabeça e fitou a imagem da monarca enquanto caminhava. Definitivamente a menina não nascera para ser rainha era quase deplorável ver a líder de todos os povos tremer e gaguejar enquanto dava anúncios sobre a economia. Levi distraído com o pronunciamento esbarrou em alguém que transitava na calçada.

—Olhe por onde anda – Ele exclamou irritado.

—Desculpe. – Respondeu a mulher com um carregado sotaque que parecia vir de algum dos distritos orientais. Ela tinha cabelos negros e curtos um pouco acima dos ombros, olhos negros e era pálida, bem pálida.

—Da próxima vez tome mais cuidado. – Ela carregava uma mochila e alguns livros, e não parecia ter mais de 20 anos. Levi, não querendo prolongar aquele dialogo desnecessário e vendo que a garota estava bem, praguejou em voz baixa e retomou seu caminho.

...

            Chegando em casa o rapaz tirou suas roupas, colocou-as na máquina de lavar e entrou no chuveiro. A sensação da água morna descendo por suas costas e aquecendo sua pele fria lhe era muito prazerosa e ajudava a relaxar os músculos duros, resquícios da noite sentado na cadeira do hospital.

Quando acabou o banho e lavou a louça que sujara preparando e comendo o café da manhã eram cerca de oito horas. Já havia perdido parte da aula de geometria gráfica 3 e aquilo o incomodava, se faltasse novamente seria a terceira vez em menos de duas semanas que perdia aula e apesar de ser um aluno mais que exemplar, matar tantas aulas para cuidar de uma mãe cabeça dura poderia prolongar o tempo de curso dele em pelo menos dois períodos.

Talvez, se fosse rápido o bastante, Pixis, seu professor, relevasse o atraso. Mas ele não podia ir, não sem antes fazer uma coisa. Levi pegou o celular no balcão e ligou para Erwin. A ligação chamou uma centena de vezes e caiu na caixa postal.

—Aquele maldito... – Ele ligou de novo e de novo até que na quarta tentativa seu irmão atendeu. –Finalmente! O que foi? Estava dando em cima de alguma das enfermeiras?

—Não, nada disso. – Erwin respondeu distante.

—Aconteceu alguma coisa?

—O que? Não, nada. Eu só estou... deixa pra lá.

—Ainda bem que está no hospital, talvez finalmente descubram o que tem de errado com você.

— Você não deveria estar dormindo?

—Eu só liguei para saber se estava tudo bem.

—Bem... S-Sim, tudo na mesma. A mamãe ainda não acordou.

—Hm, sei.

—Vai descansar, você provavelmente está morto de cansado. Te ligo se acontecer alguma coisa. Tchau. – Ele desligou sem nem esperar por alguma resposta.

—Merda, o que está acontecendo com aquele cara? – Ele não teve tempo para pensar sobre o assunto, precisava mesmo ir. O moreno vestiu um casaco, pegou sua bolsa e saiu. Os professores de Levi o adoram, e sabem que a mãe dele de vez em quando precisa dos cuidados do filho, mas nem mesmo o mais gentil deles poderia encobrir tantas faltas e atrasos, então era melhor que ele corresse. E de qualquer maneira, se Erwin dizia que estava tudo na mesma ele acreditava, seu irmão mais velho nunca mentira para ele.

...

            Erwin guardou o celular no bolso da calça lutando contra o tremor em suas mãos. A fraca e magra mulher sentada na cama a sua frente esforçava-se ao máximo para expressar com seus lábios esbranquiçados e ressecados uma espécie de sorriso de agradecimento. Seus orbes negros já não brilhavam como antes, a cor rosada, sempre presente em suas bochechas, já não mais existia, ela estava amarelada e seus olhos entreabertos indicavam cansaço. Pelo menos, graças aos medicamentos que eram administrados em suas veias, ela não sentia mais dores.

—Há quanto tempo você vem nos escondendo isso? – O loiro perguntou sem olha-la diretamente.

—Tempo demais.

—Por que não nos contou nada?! Nós poderíamos ter feito alguma coisa, poderíamos...

—Er. – Ela chamou o homem por seu apelido de infância. –Eu não queria e não quero atrapalhar a vida de vocês. Você estava prestes a casar, e Levi tinha acabado de ganhar a bolsa de estudos que sempre quis, aquela não era a hora para estragar a felicidade de todos com meus problemas.

—Seus problemas? – O olhos de Erwin ardiam como se estivessem em chamas. – Quando você vai entender que seus problemas são nossos problemas? Você é nossa mãe!  

—Meu filho. Venha aqui. – Kuchel afastou-se um pouco da beirada da cama e indicou com a mão o espaço ao seu lado. O homem loiro a obedeceu e assim que ele sentou a mulher passou os braços ao redor do corpo do filho e lhe deu um beijo no rosto que imediatamente o fez parar de lutar contra as lágrimas, deixando-as escorrer de seus olhos até caírem no lençol branco do hospital.

—Eu e meu irmão vamos dar um jeito... nós vamos pagar seu tratamento. E você vai melhorar, mãe. Você vai melhorar, eu prometo que vai. – O loiro desesperado abraçou a mãe de volta.

—Er, me escute, não quero que diga nada ao seu irmão, nem que se preocupe com tratamentos. O médico disse que no meu estado não há mais volta. A única coisa que posso fazer é continuar tomando remédios contra as dores.

—Então eu tenho de ficar parado olhando você morrer e mentir para Levi? Como pode me pedir isso?

—Você conhece o irmão que tem. Ele vai se fechar para o mundo e se afastar de mim para não sofrer. Vai ser melhor que ele não saiba.

—Mas..., mas.... – Ele já não tinha mais a capacidade de formular uma frase inteira, os soluços vindos de sua garganta não permitiam. Aquilo era um pesadelo, tinha de ser.

—Shhh. – Ela acariciou os cabelos loiros de Erwin. – Eu amo você, meu filho. Mas não há nada que possa ser feito dessa vez. – Ele enterrou o rosto na roupa de Kuchel, como costumava fazer quando criança e naquele momento era exatamente assim que se sentia, como uma criança fraca e impotente diante de um monstro. Um monstro que estava prestes a tirar a vida de sua mãe.


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