All Of Me escrita por Iphegenia


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridinhxs.
Senti muita saudade!!!
A tão prometida one finalmente saiu. Espero que gostem do que preparei.
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/704108/chapter/1

O calor do ambiente, por si só, queimava a pele alva. As chamas, por todos os lados, chegavam até o alto teto e avançavam com fúria em sua direção. Ela estava encurralada, não havia para onde correr nem onde se esconder. A fumaça a impedia de encontrar possibilidades, mas duvidava que existissem outras a não ser entregar-se ao fogo e deixar-se consumir. Retira a jaqueta vermelha e prende os fios dourados em um coque na inútil tentativa de refrescar-se. O som do chamuscar de tudo que havia no cômodo a impedia de ouvir os próprios pensamentos. Se aquele lugar não era o inferno, então era o mais próximo dele que existia.

***

— O que você fez com ela?
Regina está sentada em sua ampla poltrona de couro preta, com a mesa tomada por pastas e documentos, quando Hook invade a sala com tom acusatório. A secretária da prefeita entra exasperada desculpando-se em silêncio por não conseguir conter o intruso. Com apenas um meneio de cabeça, Regina a pede licença e levanta-se. Nesse momento Henry entra correndo e posiciona-se entre o pirata e sua mãe.
— Eu já disse o que aconteceu. Minha mãe não tem culpa de nada. Foi um acidente.
— O que foi um acidente? - Regina imagina, pelo estado do homem, que há apenas duas opções: algo aconteceu com Jolly Roger ou com Emma.
— Não se faça de besta, rainha. Eu sei que foi você.
Enquanto o pirata avança em sua direção, sendo atrasado por Henry, Regina divaga sobre tudo que possa ter feito para irritá-lo.
— Eu não sei do que você está falando.
Hook chuta uma cadeira e, posteriormente, a mesa e bate com seu gancho sobre uma das muitas pastas que estão sobre ela.
— Emma! - Henry toma a frente. Apenas a menção do nome da sheriff é o suficiente para o coração de Regina falhar algumas batidas. - Estávamos no seu cofre até que ela se machucou e desmaiou.
— Se machucou como? - Com o tom de voz mais desesperado do que desejava, Regina pergunta ao repassar mentalmente tudo que havia no cofre com potencial para ferir.
— Ela se cortou. Eu não sei com o que.
— Pare com o teatro, majestade, eu sei que você tem inúmeras razões para desejar a morte de Emma e sei que tem o suficiente para isso naquele cofre. Qual foi a armadilha que você usou?
Nisso o pirata estava certo, Regina tinha incontáveis motivos para desejar a morte de Emma e seria capaz de listá-los. Desde a quebra da maldição até o  distanciamento de seu filho; a loira apenas infernizou a vida da prefeita desde que colocou os pés em Storybrooke. Porém, mais forte do que todas essas razões, uma única é o suficiente para provar sua inocência: os sentimentos que nutre pela sheriff. É incapaz de confessá-los à própria imagem refletida no espelho, mas eles existem e, nesse momento, imaginando o que pode estar acontecendo com Emma, ameaçam explodir pelo seu corpo. Assim como nunca os declararia, jamais faria mal a Emma, então, ignora a presença do pirata e encara o filho:
— Você pode me levar até ela?
— Você não vai chegar perto dela. Nem pense nisso. - Hook segura os braços da rainha com força, imprensando-a na parede, mas, sem precisar mover um músculo sequer, Regina o lança alguns metros longe e o imobiliza.
— Você pode nos acompanhar e tentarmos, juntos, encontrar algo que possa ajudar sua namorada ou pode ficar aqui enquanto for do meu desejo, o que prefere?
O abaixar dos olhos do pirata é entendido pela morena como concordância e os três partem para o loft de Snow, onde encontram uma mãe aos prantos, um pai aflito e uma jovem desacordada. Regina caminha apressada até a cama onde o corpo de Emma repousa e aproxima suas mãos para sentir a magia que está agindo na loira. Passa uma mão pelo seu rosto prendendo uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e desliza o polegar pela bochecha pálida.
— É uma maldição do sono.
— Eu já os avisei sobre isso. - Rumple surge no cômodo com uma caneca exalando aroma de café em uma das mãos enquanto a outra mantém-se no bolso da calça. Um sorriso debochado manifesta-se no canto de seus lábios, como se estivesse divertindo-se com toda a situação.
Sendo uma maldição do sono, a única coisa capaz de quebrá-la é o beijo de amor verdadeiro, ou seja, chamaram-na ali à toa, apenas para presenciar o despertar de Emma através dos lábios de outro. Apenas para torturá-la, mesmo sem consciência de tal feito.
— Se já sabiam, por que ainda não a beijou? - Pergunta diretamente para Hook. Os soluços de Mary são contidos instantaneamente ao mesmo tempo em que uma risada escapa da garganta de Gold. Os olhos de David percorrem o quarto enquanto os de Hook, constrangidos, não sustentam os da rainha. - Você não conseguiu, não é? - A constatação alivia a pressão que sentia as costelas fazerem sobre seu coração.
— Deve ter algo mais nessa maldição. - O pirata grita aproximando-se de Regina, que, no susto, recua alguns passos, no entanto, o homem é impedido de continuar pela bengala de Rumple.
— Qualquer maldição pode ser quebrada com um beijo de amor verdadeiro. - A voz do Dark One ecoa pelo quarto trazendo de volta os soluços de Snow, que é amparada pelo marido.
— Então isso não é uma maldição. - Os olhos do pirata ganham uma tonalidade avermelhada e umedecem com as lágrimas que escorrem pelo seu rosto até encontrarem o piso de madeira batida.
Rumple e Regina se encaram por longos segundos. Apesar da antipatia que compartilhavam pelo pirada, ambos sabiam a dor de um amor não correspondido. O Dark One já esteve na mesma posição que Hook, não conseguindo despertar Belle da maldição. E Regina solidariza-se com o homem que, assim como ela, ama a sheriff, mas que não é retribuído na mesma intensidade. No caso da prefeita, de forma alguma. Suspira baixo e ajoelha-se ao lado da loira segurando sua mão, sem se importar com os olhares lançados.
— Ela vai ficar assim para sempre? - Henry pergunta unindo-se à mãe.
— Eu não sei, querido. Na Enchanted Forest, provavelmente, mas aqui a magia é imprevisível.
— Quando eu passei por isso, eu morri. Ela vai morrer também?
Regina não precisou responder para que todos ficassem cientes de que aquilo poderia acontecer. Uma lágrima fina escapou pelo olhos da rainha e foi rapidamente contida. Tão rapidamente que poderia passar despercebida se não fossem pelos olhares fixos nela.
— Ela não vai morrer. Você fez isso e vai desfazer. - Hook, novamente, eleva o tom de voz e caminha na direção de Regina, que, impaciente, o ergue no ar sem nem mesmo tocá-lo.
— Eu vou avisar apenas mais uma vez: eu não tenho culpa de nada. Eu não estava com Emma, eu sequer autorizei que ela entrasse em meu cofre, e eu nunca a condenaria a uma maldição dessa. Então, você pode parar de me atacar e ser de alguma serventia ou terei o imenso prazer de por fim a sua vida. Entendeu? - Não esperou por uma resposta e o lançou contra a parede.
Ao contrário do que aconteceria em dias comuns, ninguém intercedeu pelo pirata. Mary ainda não havia conseguido conter o choro e David não tinha condições emocionais para consolá-la, apenas mantinha-se abraçado a ela. Henry deitou-se na cama com Emma e passou um de seus braços pela cintura da mãe, repousando sua cabeça no peito que indicava uma respiração cada vez mais lenta.
— Regina, se existia um dispositivo de segurança para a outra maldição, não pode existir uma para essa? - Snow recebe apenas um revirar de olhos de Regina.
— Infelizmente não há, Snow. Pelo menos não temos conhecimento de nada do tipo. - Gold responde pausadamente.
— A maldição é sua, Regina. Será possível que criou isso sem hesitar nem um pouquinho? - Charming aproxima-se da rainha em passos largos, mas sem agressividade, apenas angustiado.
— A maldição não é minha, David. É da Maleficent, mas eu garanto que não há nada que a quebre a não ser o beijo de amor verdadeiro.
— Mas o beijo não funciona. - Dessa vez o tom de voz de Hook não é alto ou enfurecido, é simplesmente triste.
— Sinto muito ser eu a ter que dizer isso, mas se o beijo não funcionou é porque um de vocês não ama tanto assim. - Pela dor que a rainha enxergava no pirata, já tinha uma resposta para aquilo. Se alguém estava em débito quanto à sentimentos naquela relação, esse alguém era Emma. - Se isso fará com que sintam-se melhores, eu irei conversar com Maleficent.
Após alguns minutos de caminhada lado a lado com Regina, Rumple a observava atentamente: seus olhos estavam distantes e seus pensamentos longe demais para que se concentrasse em qualquer tipo de conversa que ele tentasse iniciar. Após um suspiro pesado e alguns piscar dos olhos, a morena direcionou sua atenção ao homem.
— O que você acha disso?
— Disso o que? - Rumple deixa escapar um mínimo sorriso de canto.
— Você pode, por favor, conversar comigo por cinco minutos sem estar carregado de deboche? - Regina, que geralmente não era paciente, estava ainda menos amistosa com toda a situação de Emma. Não estar em condições de ajudar aquela que sempre a salvou de tudo, de todos e de si própria a deprimia.
— Eu não estou surpreso. Você achava mesmo que Emma amava aquele tipo? - Rumple fala sem abandonar o olhar do rosto da rainha, atentando-se para cada reação.
— Eu pensava. - Um novo suspiro escapou das narinas de Regina, agitando uma mecha de seu cabelo que pendia sobre seu rosto. Ela a prendeu atrás da orelha antes de prosseguir. - Em todo caso, Emma é boa demais para ele.
— Você vai mesmo perder nosso tempo indo até Maleficent atrás de uma solução que não existe? - O tom sério de Rumple fez com que o peito, já tão dolorido de Regina, sentisse uma pontada ainda mais aguda.
— Quero apenas certificar-me de que fiz tudo que podia. - Parou de caminhar e tocou hesitante a mão do homem, que interrompeu seus passos e girou o corpo para ficar de frente para a morena. - Por desencargo de consciência.
Mais uma lágrima solitária rolou pela bochecha direita de Regina e ela não teve pressa de secá-la, mas quando o fez, esticou seus dedos até a nuca e puxou alguns fios de seu cabelo em frustração.
— Talvez a resposta para o despertar de Emma esteja aqui dentro. - Rumple apontou a direção do coração de Regina.
Ambos fizeram o restante do trajeto em silêncio. Quando chegaram na casa de Maleficent, que ficava alguns poucos quilômetros dentro da floresta, encontraram a feiticeira sentada confortável em uma perfeitamente ornamentada cadeira de bambu, com uma caneca de algum líquido quente em mãos, uma manta cobrindo suas pernas e com a atenção voltada para um livro. Quando se deu conta da aproximação da dupla, fechou o livro e o repousou em seu colo.
— Visitas? - Sorriu irônica.
— Das mais agradáveis, suponho. - Regina caminhou até as costas da feiticeira e a envolveu em um terno abraço.
— Alguém está carente. - Maleficent abandonou a caneca no chão ao seu lado, assim como o livro, e puxou Regina para seu colo iniciando um cafuné assim que a morena escondeu o rosto na curva de seu pescoço.
— Que linda imagem. - Rumple zombou e sentou-se no degrau que separava a varanda de um jardim com flores mortas. - Viemos em uma missão já perdida.
— Desenvolva. - Pediu a feiticeira antes de envolver os braços entorno da cintura de Regina, que não se moveu.
— Emma Swan caiu na sua maldição. - Gold soltou as palavras como se fossem nada.
— Como é? - A face da mulher ganhou um sorriso divertido, especialmente ao ouvir Regina resmungar contra seu pescoço. - Pensei que seu alvo fosse a mãe, majestade.
— Não fui eu. Foi um acidente. - Regina encarou-a nos olhos pela primeira vez. - Ela estava com Henry em meu cofre e acidentalmente se cortou com seja lá o que for que continha a maldição.
O semblante abatido e a voz perdendo ritmo no decorrer da resposta não passou despercebido pela feiticeira, que há muito suspeitava que a amiga nutria sentimentos pela savior, embora não tivesse noção da intensidade.
— Você sabe que ela é a responsável pela sua derrocada, não sabe, minha rainha? - Regina apenas acenou com a cabeça. - Mas qual o problema? Sabem que, infelizmente, a maldição pode ser facilmente quebrada pelo beijo de amor verdadeiro.
— Desde que a pessoa tenha um.
A resposta de Regina pegou Maleficent de surpresa e foi acompanhada de um suspiro pesado de Rumple. Dentre todas as pessoas do mundo, ironicamente, o fruto do amor verdadeiro, aparentemente, não possuía um.
— É impossível que ninguém a ame.
— Algumas pessoas certamente sim, o ponto é que, ao que parece, ela não ama ninguém. - A voz de Regina era apenas um fio. Se aquilo fosse, de fato, verdade, a risada escandalosa de Emma, suas inconveniências e implicâncias nunca mais seriam ouvidas, assim como as íris brilhantemente esverdeadas jamais voltariam a ser vistas, e Regina não tinha certeza de que poderia viver sem isso.
— Vocês aceitam chá? - Maleficent quebra o silêncio após alguns minutos.
Regina esboçou um sorriso sem graça em resposta enquanto o homem acenou positivamente com a cabeça. A rainha levantou-se para libertar a feiticeira da cadeira e sentou-se no degrau ao lado de Rumple, que mantinha o olhar vagando pela floresta a sua frente. Maleficent rapidamente voltou com suas canecas e as entregou para cada um, pegando a sua própria e sentando-se ao lado dos dois.
— Teoricamente seus problemas deveriam estar resolvidos, já que com essa moça fora do jogo, seu filho é, novamente, apenas seu. Além disso, os mocinhos perdem força sem ela. A garota fofoqueira deve estar afogando-se em sofrimento. Não era isso que você queria desde o início?
— Teoricamente. - Regina respondeu simplesmente enquanto encarava seu reflexo no conteúdo da caneca.
— O que há de errado? - Maleficent usa uma mão para afagar as costas de Regina.
— Eu não sei. Acho que apenas sinto-me culpada pelo incidente e frustrada por não poder fazer nada. - Toma um gole de sua bebida antes de finalizar. - Eu já deixei essa história de vingança para trás. Daniel não a aprovaria, em todo caso.
A feiticeira e o sombrio trocam um olhar compreensivo. Apesar dos desentendimentos e lutas travadas, havia união e generosidade entre eles. Os vilões, de alguma forma inexplicável, têm essa conexão, e o trio não fugia a regra. Talvez a falta de amor em suas vidas, a carência de pessoas em quem confiar e que se importavam verdadeiramente, favorecesse esse tipo de ligação. O fato é que, naquele momento, não eram Maleficent, Dark One e Evil Queen, eram apenas três velhos conhecidos, com o mínimo grau de amizade, compartilhando um momento delicado o suficiente para não perturba-lo com competições inúteis.
— Não há qualquer chance de despertá-la de outro modo? - Regina perguntou mantendo os olhos em uma roseira seca. A resposta era muito óbvia para ela, mas em algum canto de seu coração havia esperança de que a feiticeira a surpreendesse com uma resposta positiva, no entanto, tudo que recebeu foi um "sinto muito" sussurrado contra seu ouvido, seguido por um beijo leve em seu rosto.
Após mais alguns minutos em silêncio, Regina pôs-se de pé, alinhou suas roupas, tomou o último gole de seu chá e entregou a caneca para a amiga.
— Preciso ir. - Aguardou uma resposta, mas Maleficent e Rumple apenas a observaram. - Quero verificar como Henry está.
Regina sabia que esse seria o desfecho daquela visita, mas também sabia o olhar de expectativa e esperança que seu filho lhe lançaria e não estava em condições de lidar com isso. Então, apenas telefonou para ele no caminho para casa e, após averiguar que estava tudo fisicamente bem com ele, já que de outras formas era muito pouco provável, disse que nada poderia ser feito.
Não conseguindo cair no sono durante as primeiras horas da madrugada, Regina ingeriu um comprimido para dormir e finalmente sentiu suas pálpebras ficarem pesadas. Seu sono foi agitado, com vários pesadelos com os mais diversos cenários onde Emma poderia estar. Apesar de nunca ter estado em uma maldição daquela, Regina sabia que a loira não estava apenas adormecida. Sua alma, seu espírito ou seja lá o que for era torturado de alguma forma em outra dimensão. Acordou com o som do celular anunciando que havia recebido algumas mensagens. Conferiu o relógio e percebeu que ainda não passava das oito da manhã. Tomou um rápido banho, escovou os cabelos até atingirem um liso perfeito e foi ao loft de Snow atendendo ao chamado do filho.
— A que devo a honra dessa convocação? - Regina adentrou a sala e sentou-se no sofá com o melhor tom de deboche que conseguia forçar. Apesar da ciente preocupação quanto à savior, recusava-se a permitir que mais alguém notasse isso, além de Rumple e Maleficent, que, inevitavelmente, perceberam no dia anterior.
— Em primeiro lugar eu quero que saiba que eu não a culpo. Emma procurou isso sozinha quando foi ao seu cofre e mexeu em suas coisas sem permissão. Mas eu estou sofrendo tanto, ela está sofrendo também. Aquele é um lugar horrível. - Snow não conseguia conter as lágrimas e Regina distraiu-se pensando que, naquele ritmo, a mulher estaria seca em apenas mais alguns minutos. Se o corpo humano é setenta por cento constituído por água, sessenta e cinco por cento Mary já havia perdido.
— Você pode ir direto ao ponto? - Tentou focar-se no que a enteada dizia.
— Quero saber se não há a possibilidade de criar um contra-feitiço. - As palavras saltaram da boca de Snow em suplício. Em partes ela já sabia a resposta. Se Regina e Gold haviam dito que não havia o que fazer, então não havia. Depois de tudo que passaram juntas, a princesa confiava a vida na madrasta que outrora dedicou cada segundo de seu tempo em tentar matá-la.
Não houve espaço para uma resposta, pois Maleficent surgiu na sala do loft, diante de olhares assustados, com um sobretudo cinza combinando com seu terno feminino e um chapéu sustentado milimetricamente no lado direito de seus cachos loiros.
— Eu precisava ver o destino cruel da savior com meus próprios olhos. - Uma risada melodramática arrasta por sua garganta.
— Era só o que faltava. - David resmunga enquanto senta-se ao lado de Regina.
Henry, por precaução, acompanhou a feiticeira até o quarto. Não precisou de mais do que dois minutos para que a dupla voltasse à sala com expressões opostas. Henry completamente abatido e Maleficent com os lábios contorcidos em um sorriso que tentava, em vão, disfarçar. Não por se importar com Emma ou com os sentimentos de seus pais e filho, mas por notar a tristeza que havia consumido e definhado a rainha em menos de vinte e quatro horas.
— Eu estive pensando, vocês já tentaram beijá-la? - A feiticeira senta-se do outro lado de Regina e pergunta olhando para os outros três.
— Incontáveis vezes. - David responde em meio a um suspiro e recosta sua cabeça no ombro da rainha, para logo se recompor ao notar o olhar semicerrado da esposa.
— Vamos ser sinceros aqui. - Maleficent pega a mão de Regina e entrelaça seus dedos. - Quando o garoto - aponta para Henry - estava nessa situação, foi um beijo de Emma que o despertou. Já a terceira maldição, quando os pombinhos dividiram o coração, quem a quebrou foi Regina com um beijo em Henry. Ou seja, não foi um beijo de amor romântico, pois o garoto não sente isso por ninguém...
— Porque ele é uma criança. - Regina interrompe, mas é ignorada.
— Traduzindo: Obviamente ela os ama e é recíproco, então, se ela não despertou com um beijo de vocês, é porque ela ama alguém romanticamente. O desafio de vocês é descobrir quem é essa pessoa e torcer para que também a ame.
— Sabemos que esse alguém não é o Hook. - Rumple surge na porta do apartamento batendo sua bengala contra o chão.
— O que vocês, vilões, têm para aparecerem na casa dos outros desse jeito? - Mary pergunta com a voz exaltada enquanto Regina, Gold e Maleficent trocam olhares confusos não fazendo ideia do que a princesa está falando. - Você tem certeza de que é exatamente isso que significa? - Pergunta diretamente para a feiticeira.
— Absoluta. - Levanta-se puxando Regina pelas mãos e acena para que Gold saia do apartamento. - Vamos tomar um café.
Sentados no balcão do Granny's, Regina repassa com os amigos todas as pessoas por quem Emma pode ter interesse ao tempo em que a dupla descarta um por um.
— E se essa pessoa estiver morta? - Regina deita a cabeça no balcão. - Pode ser Graham ou Neal.
— Aquele caçador fracassado não obteria um coração tão surrado quanto o de Emma. - Gold entorta os lábios em desgosto.
— E Neal? - Regina cresce seus olhos chocolate para o café que ele toma.
— Tampouco. - Passa a xícara para a rainha. - Era só pedir outra para a garçonete.
— Por que você não tenta? - Maleficent assiste Regina afogar quando as palavras escapolem de sua boca. Com o rosto corado, Regina tenta fugir da pergunta levantando dois dedos para Ruby, que traz dois cafés. A rainha empurra um para Gold, toma o último gole do seu e passa a bebericar o recém deixado pela loba. - Regina?
— Eu não sei do que você está falando. - O pescoço, assim como o rosto, ganha uma coloração cada vez mais avermelhada.
— Ah! Pelo amor de Deus! - Rumple bufa.
— Agora você mente para nós? - A feiticeira arqueou a sobrancelha em um semblante quase tão intimidador quanto o de Regina quando o faz.
Ciente de que não tinha para onde correr e que não sentia nada que a dupla já não soubesse, desistiu de tentar disfarçar qualquer coisa, embora assumir esteja fora de cogitação. Tentou soar o mais indiferente possível:
— Tanto faz. Não é algo que daria certo.
— Então temos uma confissão? - Estranhamente não havia ironia na voz de Rumple, na verdade, havia surpresa.
— Nunca! - Regina respondeu entre dentes e levantou-se abandonando o café e algumas notas em cima do balcão.
Enquanto caminhava para casa, Regina repassava todos os acontecimentos e crucificava-se a cada dois minutos por ter permitido que o Dark One e a feiticeira deduzissem que houvesse dentro dela qualquer tipo de sentimento, que não fosse repulsa, pela filha de Snow White. Desistiu de ir para a mansão e seguiu uma rota que a levou até os estábulos. Utilizando magia, trocou suas roupas por trajes mais apropriados e montou em um cavalo negro que trouxe da Enchanted Forest. Nesses momentos sentia falta de Rocinante e como se entendiam sem que comandos verbais fossem necessários. Esse cavalo que ela montava não havia sido batizado, ao menos não por ela, pois recusava-se a criar novos laços afetivos com qualquer um que não fosse Henry. Embora, em seu âmago, soubesse que falhara miseravelmente, pois, além do filho, Maleficent, Rumple e até mesmo Snow haviam conquistado espaço em seu coração. Mas seu fracasso não parava por aí, mais do que espaço, uma pessoa havia simplesmente se apossado de seus pensamentos e sonhos, assim como passado a controlar o ritmo de seus batimentos cardíacos. A pessoa que levou por água abaixo anos de sua vida tentando cumprir a promessa de vingança e transformando em vão a morte da única pessoa que acreditou e ficou ao seu lado durante todo a processo de transformação daquela Regina doce e apaixonada naquela rainha sem compaixão e escrúpulos. Emma Swan era sua ruína e seu amor.
A cada passada do garanhão, Regina sentia os músculos relaxarem. A brisa fresca contra o rosto a havia acalmado consideravelmente enquanto as paisagens iam sendo deixadas rapidamente para trás. Desviou da floresta buscando manter-se em campo aberto, o que a levava a um desvio provavelmente nunca utilizado por qualquer habitante. No entanto, o aperto em seu peito ainda era forte o suficiente para sentir-se sufocada, como se algo estivesse impedindo que o ar chegasse até seus pulmões, assim como impedia que tudo que ocupava seu coração, saísse. Em uma incontrolável vontade de extravasar, Regina desce do animal e passa a correr sobre as próprias pernas até o topo de um penhasco. Instantaneamente lágrimas rolam por seu rosto. Sem tempo para raciocinar sobre o que estava prestes a fazer, Regina abre os braços sentindo-os cortar o vento, libera o peso de seu corpo e entrega-se à gravidade. Em queda livre, um grito estridente é arrancado de sua garganta dolorida e ecoa por todo o ambiente. Enquanto seu corpo aproxima-se do chão em velocidade impressionante, sua mente vaga até a loira inconsciente que a atormentava há anos. Desde a primeira vez em que seus olhares se cruzaram e impulsivamente a questionou sobre o amor que sentia por Henry, e como o simples som da palavra ganhava mais intensidade quando pronunciada por ela, passando por quando, irracionalmente, Emma tomou seu lugar e foi consumida pelas trevas, até o último momento juntas. Há poucos dias haviam se desentendido, quando a morena destilou seu arsenal de deboche contra a loira e recebeu como resposta um olhar desapontado. Aquela não era a última lembrança que gostaria de ter dela. Os olhos sempre brilhantes e vívidos de Emma não poderiam ser direcionados para ela, uma última vez, tão nublados e entristecidos. Enquanto as lágrimas eram jogadas contra suas orelhas a medida que o vento a encontrava, o arrependimento corria por suas veias. Poucas vezes, em décadas, notou sentimento tão verdadeiro e ácido quanto o remorso que a consumia. Regina já havia provado o gosto de viver em um mundo onde a pessoa que ama não existe e não era uma sensação que estava disposta a tomar para si novamente. Quando Daniel se foi, apegou-se à sua dor e raiva e elas eram a única coisa que a impedia de flutuar sem rumo, era tudo que ela tinha. As sensações que Emma despertava na rainha não eram nem de longe semelhantes às que Daniel despertava. Enquanto Daniel a trazia paz, Emma a deixava a beira da insanidade. Enquanto o homem a fazia sorrir despreocupadamente enquanto a envolvia em seus braços, Emma fazia Regina querer espancá-la cada vez que se cruzavam e depois chorar em seu peito como uma garota fraca. Ainda assim não havia a menor possibilidade de Regina suportar a própria existência sem Emma Swan. Não arrependia-se, contudo, de manter os sentimentos em segredo. Era conformada com o namoro da loira com o pirata e com a prova de true love que haviam enfrentado no submundo, e estava satisfeita com as coisas como eram, pois assim nunca correria o risco de ser rejeitada e garantia a savior o mais próximo possível, já que Henry era uma ligação eterna entre as mulheres. Mas uma coisa é não ter Emma em sua cama, outra é não tê-la no mundo e a possibilidade da morte da loira doía mais do que imaginava ser capaz de suportar. Sentia que seu peito poderia rasgar a qualquer momento expondo um duro coração negro coberto por hematomas e sangramentos incessantes. Quando estava próxima do chão o bastante para sentir o cheiro da grama, aparatou-se para o topo da colina novamente e, não conseguindo sustentar o próprio peso, caiu de joelhos sobre as pedras. Aproveitando a provável contusão, usou-a como desculpa infantil para permitir que as lágrimas a atingissem copiosamente.
Permaneceu deitada de lado, com os braços envolvendo as pernas, até que o choro cessasse completamente e a frequência cardíaca adquirisse um ritmo próximo a normalidade. Caminhou lentamente até o garanhão que pastava há alguns metros de distância, alheio ao sofrimento da mulher, e trotou de volta ao estábulo e, posteriormente, caminhou até a mansão. Após um banho quente no chuveiro, com a água eliminando todos os resquícios de areia e relva, deitou-se com uma camisa larga e caiu em sono profundo.
Quando a manhã se aproximava, uma rajada fria encontrou a pele exposta de Regina fazendo-a despertar. Juntamente aos pelos eriçados, a rainha sentiu um aroma inebriante e o reconheceu imediatamente. Adocicado e viciante, ela identificaria o cheiro de Emma entre milhões de outros. Mas não era o de um perfume específico, pois ela duvidava muito que Emma usasse um, era o cheiro natural da savior e tão compatível com ela que jamais poderia ser engarrafado e comercializado para alguém que não fosse a própria. Lembrou-se das palavras de Maleficente: "por que você não tenta?". A resposta era óbvia. Regina tinha certeza de que Emma nada sentia por ela, portanto, seria apenas mais uma atitude humilhante que a levaria mais para baixo, no entanto, corria-se o risco da loira não sobreviver por muito mais tempo e crescia dentro da rainha a vontade de provar aqueles finos lábios rosados ao menos uma vez. Fechou os olhos e concentrou-se no aroma e nas lembranças dos sorrisos que já viu brotarem na boca que tanto desejava. Quando voltou a abrir os olhos percebeu que, inconscientemente, aparatou-se para o quarto de Emma. A loira estava deitada exatamente no mesmo lugar e posição de quando a viu há quase dois dias. No lugar da regata branca e da jaqueta vermelha, usava uma blusa fina de mangas compridas, provavelmente de Snow. Estava coberta até a cintura por uma manta de pelos sintéticos de tom pastel e os cabelos estavam perfeitamente penteados. Sua pele estava extremamente pálida, os lábios ressecados e havia uma tonalidade escurecida em torno de seus olhos. A aparência adoecida fez com que o estômago de Regina revirasse em desgosto e desejasse profundamente ser poderosa o suficiente para salvá-la ou até mesmo trocar de lugar com ela. Regina acreditava merecer aquele destino mais do que qualquer outra pessoa, especialmente Emma que, para a rainha, merecia somente o melhor de tudo. Mas ela não era capaz disso, era capaz de muitas coisas, mas nunca de realizar o que mais desejava. Nunca conseguiu trazer Daniel de volta, nunca conseguiu se vingar de Snow White e nunca conseguiria salvar sua amada. Sim, amada, porque nesse ponto Regina já não tentava enganar a si mesma. Sabia que era amor, a magia mais poderosa de todas, o que sentia pela loira. Aquilo que deveria criar felicidade, mas que sempre escorria por entre seus dedos. Aproximou-se da cama e sentou-se com a cintura roçando na de Emma, tomou uma de suas mãos e a acariciou cantarolando sussurrado a música que sempre a fazia lembrar da sheriff:
You're my downfall, you're my muse. My worst distraction, my rhythm and blues. 'Cause all of me loves all of you. Love your curves and all your edges, all your perfect imperfections. I'll give my all to you. (Você é minha ruína, você é minha musa. Minha pior distração, meu ritmo e tristeza. Porque tudo de mim ama tudo em você. Ama suas curvas e todos os seus limites, todas as suas perfeitas imperfeições. Eu vou te dar tudo de mim).
Passou a língua pelos lábios umedecendo-os e aproximou-se do rosto da loira sentindo a respiração lenta contra seu nariz. Com as duas mãos, fez conchas em cima dos olhos de Emma, tapando-os. Aspirou o cheiro da loira e permitiu-se inundar com o aroma. Nesse momento seu coração pareceu interromper os batimentos em expectativa e, finalmente, cobriu os lábios de Emma com os seus. Flashes de toda sua vida passaram por sua cabeça enquanto provava a sensação de estar no lugar certo pela primeira vez na vida. Quando sentiu as pálpebras da sheriff tremerem sob seus dedos, iniciando o despertar, aparatou-se dali imediatamente. Quando Emma recobrou a consciência e abriu os olhos, não encontrou ninguém no quarto, mas isso não era preciso para que soubesse quem a despertou. O gosto de maçã que preencheu seus lábios apenas confirmavam quem era a sua salvadora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Em primeiro lugar quero mandar um xero e um beijo para a querida Vic Rodrigues. Sinto falta desses carinhos.
Um beijo grande para Luah Fabray, que me incentivou a escrever a one.
Eu demorei mais do que o previsto, mas aqui está. Espero que não tenham desistido de mim.
Algumas pessoas me perguntaram se eu pretendo escrever outra fic. A resposta é sim, no entanto, durante o semestre da faculdade é bem complicado e eu estou começando meu TCC, então não tenho uma previsão de quando vou escrever, já que gosto de atualizações rápidas. Mas fiquem de olho.
Obrigada pela leitura. Quem gostou, comente, favorite e recomende. Me deixaria muito feliz!
Beijos ♥