Manuscritos da Melancolia escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 1
Caderno




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“Ivan corava, incapaz de reagir às carícias de Dave em seu membro ereto. Estavam finalmente juntos depois de meses separados pela guerra; a lascívia entre eles podia enfim se manifestar em forma de amor. ”

— Pare por aí, Kei! Eles não vão publicar isso!

A resposta no mensageiro instantâneo fez com que o escritor se desconcertasse. Escrevera a história pensando no seu colega, o qual acabara de responder do outro lado da tela.

— Mas o nosso relacionamento vai ficar em aberto, Milky!

— Cale a boca!

Kei e Milky, ou melhor dizendo, Leon e Alexander, riram. Os apelidos que usavam por conveniência acabavam por apimentar o relacionamento virtual entre os dois escritores, que nunca se tornara real pela distância entre eles.

Leon morava em Cheyenne. A capital de Wyoming era afastada demais da residência de Alex, no estado de Nova Iorque, especificamente no vilarejo de Fishkill. Um local sem nada para se fazer.

— Eu te falei que já estou em Nova Iorque, Milky?

— Achei que a reunião na editora fosse só na quarta-feira.

— É sim. Vai fazer algo amanhã?

— Ficar em casa… provavelmente nada.

— E se eu aparecer aí?

— O que você vai fazer aqui?

— Te ver. E te entregar meu caderno.

O caderno era quase uma desculpa. Ele continha o manuscrito do livro que Leon planejava publicar, pelo qual viera para a reunião na editora. Mais do que isso, queria finalmente conhecer Alex, uma amizade até então apenas virtual.

— Isso me assusta. Mas seria legal.

Justamente por morar em um local isolado, Alex não se socializava fora da internet. Era também um escritor, cuja qualidade dos textos era invejada por Leon. Em contraponto, raramente saía de casa, publicando apenas por meio digital.

— Estou vendo os horários de ônibus. Devo chegar por aí pouco antes das duas. Tenho… umas duas horas para te ver.

— Traz o caderno então.

— Tudo bem. Vou descansar, é bom você ir também. Não quero te arrancar da cama, sei que gosta de dormir até tarde. Boa noite.

Kei está off-line.

~

Doze horas se passaram, o ônibus com destino a Fishkill partia com Leon entre os passageiros. Por via das dúvidas, mandou uma mensagem para Alex confirmando sua partida. Sabia que o outro dormia, consequência do mau hábito deste em escrever de madrugada, acordando apenas para o almoço.

Leon não se preocupava. Tinha o caderno em mãos, aonde pensava em escrever um capítulo extra para o manuscrito, sem contar as tantas partes cítricas que cortara do texto final para tornar a história publicável. Em geral, cenas de sexo; sabia que Alex gostava do estilo — este publicava contos de teor semelhante.

Acabou não escrevendo nada na viagem por nervosismo. As horas se passavam, a ansiedade crescia. A amizade virtual prestes a se materializar. Imaginava, por motivos óbvios, ser um encontro mais comedido; as tantas cantadas e provocações do meio online eram quase em tom de brincadeira entre os dois, o que não significava a ausência de afeto. Pelo contrário.

Prefiro deixar que ele decida, pensava Leon.

O ônibus chegou ao seu destino pontualmente às duas da tarde. Tinha até as quatro e meia para o encontro, ou somente conseguiria retornar na manhã seguinte.

Tempo o suficiente para responder as dúvidas, se Alex estivesse por lá.

Leon desesperou-se ao ver o terminal se esvaziar. Tinha visto uma única foto de Alexander, de alguns meses antes. Mesmo sabendo que o colega mudara a aparência, poderia facilmente reconhecê-lo se o visse. E teve certeza de que não estava lá. Reconheceu sua falha em não ter conseguido o endereço de antemão, irritando-se consigo mesmo e com o outro.

Sentou-se, percebendo ter sido traído por seu celular, sem bateria. Apesar de possuir um carregador, levou cerca de vinte minutos até encontrar uma tomada e finalmente ligar o aparelho.

Quando o fez, percebeu que Milky estava off-line pelas últimas nove horas. Isso significava não somente que Alex não visualizara sua mensagem, como era também sinal de que ainda dormia após amanhecer o dia escrevendo.

E pelo que conhecia do colega, poderia acordar a qualquer momento. Fosse este em cinco minutos ou em três horas.

O sol batia na face de Leon enquanto ele insistia em entrar em contato com Alex, sem sucesso. O número de telefone que tinha do rapaz sequer completava as chamadas. Em uma atitude de desespero, procurou por colegas em comum, esclarecendo a situação. E por mais que tentassem, não podiam ajudar.

Um bom tempo se passou até que Alex finalmente respondesse, incrédulo por ter acordado tão tarde.

— Acordei… O que aconteceu? — Milky perguntou, pelo mensageiro.

— São quatro e meia. — Kei respondeu, visivelmente irritado com a ausência de resposta. — O que eu faço com você?

— Me mate.

— Aonde eu vou para te matar?

— Eu não sei… acabe com isso, eu não mereço a minha vida.

O ônibus de retorno apitava, sinalizando estar prestes a partir. Leon podia voltar para Nova Iorque nele, perdendo a viagem, ou apenas na manhã seguinte, perdendo a reunião com a editora do livro. Inclinava-se à primeira opção

— Aonde você mora?

— Sei lá… eu não acreditei que você vinha mesmo. Estou surtando.

— Eu avisei que vinha. Mas você estava dormindo.

— Eu sei, é minha culpa.

— Me diz aonde posso te encontrar. Eu vou até você.

— Mas…

Leon percebeu o erro que cometera. Conhecia Alex o bastante para saber que isso podia acontecer. Não que o outro não quisesse vê-lo, mas sua introversão não deixava que o encontro entre eles ocorresse.

— Vou voltar. — Encerrou Leon, embarcando no ônibus nos últimos segundos.

Dois minutos de silêncio no mensageiro. A pouca carga que Leon conseguira no celular estava prestes a acabar.

— Desculpa… quer dizer, pedir desculpas não muda nada.

— Começo a pensar que foi de propósito para não me ver…

— Eu não consegui dormir cedo…

Kei está off-line.

Leon planejava continuar a conversa, mas a bateria não suportou. O capítulo extra, não escrito na viagem de ida, virou um conto paralelo materializado no percurso de volta. As últimas folhas do caderno, recebendo o peso do desencontro, se iniciavam com uma breve frase que sinalizava o acontecido.

Manuscritos da Melancolia.


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