Desde o Jardim, fui um garoto que não sabe se comunicar muito bem. Eu fazia referências a Star Wars a todo o momento (ainda faço, na verdade) e era muito difícil alguém me aturar.

Na verdade, sem contar meus pais e minha irmã Esther, apenas uma pessoa me aturava. E seu nome era Rebecca Tucker.

Red foi minha melhor amiga desde o Jardim de Infância. Ela sempre sentava ao meu lado no almoço, nas aulas, fazia dupla comigo nos trabalhos, sentava comigo no ônibus. Até mesmo levávamos frutas diferentes só para trocar, íamos ao cinema, chegamos até a ir juntos a Casa Bonita, era divertido. Mas tudo isso mudou quando chegamos ao quarto ano. 

Neste nível, todos estavam se achando maduros e assim grupos foram formados (alguns de maneira forçada) para “aprimorar a interação”. Havia os populares, os nerds, os emos, os feios, entre outros. Red se encaixou automaticamente entre as garotas populares e eu, obviamente, fui empurrado entre os nerds. Achei que isso não atrapalharia nossa amizade, mas logo que os grupos foram definidos, ela começou a me evitar e passou a andar apenas com suas amigas.

Mesmo que Red me evitasse, continuei a observá-la e percebi que todos nossos anos de amizade não haviam sumido dela.

Lembro-me bem de uma vez que ela sugeriu O Ataque dos Clones para suas amigas quando elas estavam decidindo qual filme assistiriam no cinema naquele final de semana. Sorri nesse momento, ao lembrar de todas as tardes que ela foi a minha casa e ficamos assistindo Star Wars e Star Trek por horas. Obviamente suas amigas vetaram essa escolha por ser um “filme de nerds” e Red sorriu de uma maneira que eu sabia que era fingida.

— Hehe, escolhi só porque acho o personagem principal e o amigo dele uns gatinhos! Principalmente o amigo dele. — Disse ela, tentando passar verdade em sua afirmação.

— Você gosta dos caras de cabelo escuro? — Perguntou Heidi Turner, que estava sentada a sua frente.

Ela corou levemente e voltou a comer sua laranja, que eu sabia que era sua fruta favorita.

A nossa maior interação durante esse período foi um passeio escolar até o Vilarejo dos Peregrinos, onde todos falavam que era 1864. Nosso professor mandou que andássemos de mãos dadas, e Red instantaneamente me deu a mão. Fiquei surpreso, já que nós não nos falávamos há muitos meses. Durante o passeio, conversamos tudo o que fomos capazes de falar, e aproveitei a companhia dela intensamente.

Eu não tinha percebido, mas sentia muita falta dela. Sua voz, seu cheiro, seus cabelos, a maneira como ela mexia nas suas mechas enquanto falava, as sardas que ela tentava esconder com maquiagem, sem muito sucesso... Ah, o perfume que ela sempre usava... que possuía um cheiro cítrico que nunca identifiquei a qual flor pertencia.

Todos esses detalhes que eu tão ansiosamente tentei absorver naquele espaço de tempo, todas essas e outras coisas próprias dela, que eu sentia muita falta...

Mas meu momento evaporou quando homens armados invadiram o lugar e nos ameaçaram.

Fiquei na frente dela quando os homens nos colocaram no chão, afim de protegê-la de qualquer coisa que pudesse machucá-la. Red ficou tão agradecida que depois que os homens foram presos e fomos embora, ela sentou ao meu lado no ônibus, esquecendo suas amigas esnobes durante a viagem toda, que infelizmente durou apenas algumas horas, insuficientes para cobrir todos os longos meses de nosso afastamento. Quando a viagem terminou, eu ainda tinha tanto a conversar com ela...

Achei que depois disso ela voltaria a falar comigo regularmente, mas vi que sonhei alto demais, já que no dia seguinte, ela estava de novo com suas amigas idiotas, e eu, estava com Bradley, com lembranças ecoando estrondosamente em meu coração, barulhentas como as naves nos primeiros filmes de Star Wars. Apesar de tudo, aqueles momentos, que vivi e guardei me alegrariam por um bom tempo.

Mesmo sem ela, não fiquei sozinho durante esse tempo. Comecei a sentar no almoço com meu amigo Bradley. Ele também é fã de Star Wars e fora isso, temos muito em comum. Posso dizer que no tempo que Red me evitava, ele foi meu melhor amigo. Além dele, comecei a andar por aí com Craig, Token, Tweek, Jimmy e Clyde. De alguma maneira, me encaixei no grupo deles e, entre todos, Clyde se tornou um amigo muito próximo, confesso que me senti extremamente traído quando ele começou a namorar com Red. No entanto, graças ao Mestre Yoda, o namoro dos dois não durou mais de uma semana. Também havia meus amigos de fora da escola, administramos um blog sobre ficção científica juntos. Em algum momento cheguei até mesmo a brincar com Eric Cartman e acabei na Somália rendendo um transatlântico francês com meu sabre de luz por isso, um momento heroico, quase morremos depois disso, porém foi divertido.

Ao longo do tempo, minhas interações com Red só diminuíram.

Às vezes nos entreolhávamos durante as aulas, como se nos revisitássemos e conversássemos apenas com nossos olhos. Mas era algo raro, e se alguma amiga dela percebia, surgiam comentários como “Eu vi você olhando pro garoto do Star Wars na aula, quer dar uns pegas nele, hein?”.

 Isso me irritava profundamente, pois era graças a coisas assim que Red havia se afastado.

Um certo dia, houve uma palestra sobre a arte yaoi na escola e nela mostraram imagens de Tweek e Craig fazendo coisas que eles normalmente não faziam. Diferente dos outros garotos, eu era familiarizado com o assunto e sabia muito bem que aquilo não queria dizer que Craig e Tweek eram realmente gays. Quero dizer, tem milhares de fanarts e fanfics Obi-Wan x Anakin e outras milhares Spock x Kirk, e eles não são realmente gays... até onde sei.

Durante esse evento, observei Red. Ela se comportou como todas as outras garotas e achou tudo aquilo fofo e bonito. Não duvido que ela não tenha chegado em casa e pesquisado os dois casais citados anteriormente.

Achei que Tweek e Craig não eram gays de verdade, até que os dois terminaram na frente da escola toda. Fiquei impressionado com tudo que Tweek havia dito durante a discussão, nunca pensei que o Craig poderia fazer todas aquelas coisas que Tweek falara. E também fiquei curioso para descobrir quem era Michael, o provável pivô da separação.

No dia seguinte, Craig faltou à aula e Tweek apareceu, mas estava muito desanimado. Fiquei chateado pelos dois, já que são meus amigos. Red parecia muito triste também, era como se o relacionamento deles desse esperança para algo.

Porém, no outro dia, Tweek e Craig apareceram na escola andando de mãos dadas, para a espanto de todos (inclusive eu mesmo). Apesar da surpresa, fiquei feliz por eles terem voltado.

Red, no entanto, parecia... esperançosa? Não lembro de ter visto aquela expressão em seu rosto antes desse dia.

Na hora do almoço, sentei ao lado de Bradley, como fazia desde o começo do ano. A mesa que sentávamos era perto da mesa das garotas. Pude ouvir nitidamente uma conversa de Red que me chamou muita a atenção.

— Wendy, quando você falou que “todo tipo de amor é mágico...” — ela não olhava diretamente para a garota de cabelos negros e boina rosa a sua frente quando falava. — Você quis dizer que até mesmo uma garota popular e um nerd podem se amar, e vai ser lindo mesmo assim?

Aquilo não era uma pergunta típica de Red, normalmente ela era muito segura para pedir esse tipo de “conselho”. Suas amigas também devem ter percebido, já que um conjunto de sobrancelhas se arquearam por toda a mesa. Wendy, por sua vez, não se abalou e segurou as mãos de Red, respondendo em tom sonhador.

— Claro, qualquer tipo de amor é mágico!

Red sorriu timidamente e jurei que ela tinha corado.

Bradley terminou de comer e saiu correndo do refeitório sem se despedir. Fiquei um pouco confuso, mas logo terminei de comer também e segui calmamente para o pátio. Procurei meus amigos, mas todos estavam ocupados demais para me dar atenção.

Clyde estava implicando com Tweek e Craig, Token estava conversando com sua namorada, Jimmy não estava no pátio e os outros estavam jogando futebol. Decidi que ia apenas me sentar em algum canto e trabalhar em um post pro meu blog.

Porém, antes que eu fizesse isso, Red apareceu em minha frente!

— Kevin, posso falar com você? — Ela estava ofegante, como se tivesse corrido para me alcançar através do pátio.

— C-claro... — Respondi, surpreso.

Fazia quase um ano desde que ela não me procurava diretamente e aquilo fez meu coração palpitar. Ela pegou minha mão e me levou para um canto isolado do pátio, nem os emos conseguiriam nos ver ali.

— Sabe, Kevin... Você lembra daquele baile que tivemos no terceiro ano? — Perguntou ela, olhando diretamente nos meus olhos e sorrindo timidamente.

— Claro que me lembro! — Dei um largo sorriso assim que as lembranças vieram.

No terceiro ano, tivemos um baile próximo do final do ano. Lembro-me bem que Red decidiu dançar com Token e eu fiquei tristemente na volta dos dois, sentindo-me deixado de lado. Nenhuma outra garota quis dançar comigo e, tampouco, queria dançar com outra. Foi assim até que uma garota com roupas vulgares (que Red posteriormente também usou, mas odeio lembrar disso) chegou e beijou vários garotos, incluindo Token. Depois disso, Token teve apenas olhos para ela, deixando Red de lado.

Ela ficou chateada e se sentou na arquibancada. Fui conversar com ela e a chamei para dançar comigo algumas músicas, ela aceitou e ficamos dançando até o fim do baile.

Depois que terminou a festa, nos expulsaram do ginásio, Red ficou sentada esperando os tios, e sentei ao seu lado para esperar meus pais. Como Esther estava ocupada demais brincando na neve, e Craig estava brincando na pracinha, fiquei sozinho com Red sentado em um banco.

Conversávamos e em algum momento, ela pegou minha mão e falou que eu era o garoto mais legal entre todas as galáxias. Fiquei extremamente feliz ao ouvir isso, e respondi que ela também era a garota mais legal entre todas as galáxias.

Agradeci por Esther estar distraída, se não ela pularia no pescoço de Red nesse exato instante, minha irmã gêmea era incrivelmente possessiva. Mas, antes que falássemos alguma outra coisa, faróis brilhantes iluminaram o lugar, os tios de Red haviam chegado para buscar ela e Craig. Red foi chamar o garoto da touca azul e largou minha mão, me deixando sozinho com minha irmã.

Devo ter ficado muito tempo lembrando disso, pois quando me dei conta, Red estava me chamando, ao que parecia um bom tempo. Quando dei atenção, ela prosseguiu.

— Então... você ainda me acha a garota mais legal entre todas as galáxias? — Perguntou ela, enquanto segurava minhas mãos entre as dela.

Pensei um pouco nisso. Mesmo depois que ela me evitara, continuava a garota mais legal que já conheci em toda minha vida.

— Claro, você é, e sempre será, a garota mais legal de todas as galáxias, nem mesmo nos planetas mais distantes das galáxias mais longínquas se pode encontrar garotas como você. — Declarei sem largar suas mãos.

Ela deu um largo sorriso, enquanto olhava para nossas mãos unidas.

— Sabe, Kevin... Eu também ainda te acho o cara mais legal entre todas as galáxias e eu... gosto de você, sabe? — Contou ela, sem me olhar diretamente.

Fiquei sem reação. Eu também gostava dela, na verdade, gostava desde sempre, mesmo depois que nos afastamos, continuei gostando dela.

— Eu... eu... — Gaguejei inutilmente, tentando formar uma frase, sem sucesso.

— Então, Kevin, que tal você ser Han Solo, e eu Princesa Leia? — Sugeriu ela, piscando o olho direito em minha direção.

Dei um sorriso largo. Eu aceitaria de qualquer maneira, mas agora não poderia recusar de jeito nenhum, ela usou um golpe baixo!

— Sim, Red! — Ela sorriu e me abraçou assim que disse isso.

Aproveitei para afagar seus cabelos vermelhos e sedosos, que sempre foram algo que admirei muito. Ela fez o mesmo com meus cabelos pretos e finos. Quando nos desvencilhamos, Red segurou meu rosto próximo ao seus e fechou os olhos. Antes que eu entendesse o que estava acontecendo, nossos lábios se encontraram em um selinho demorado que Red plantou em meus lábios. Foi bobo, mas foi meu primeiro beijo.

— Vem, vamos andar de balanço! — Chamou ela, estendendo a mão para mim assim que o beijo acabou.

Ela entrelaçou seus dedos aos meus, e voltamos de mãos dadas para o parquinho. No caminho, fomos interceptados por Clyde, que começou a implicar com a gente.

— Esse Kevin, hein... pegando a Rebecca. Achei que você era dos quietinhos, cara. — Debochou ele, balançando as sobrancelhas maliciosamente.

Desejei que Clyde fosse enviado para o planeta mais distante, da galáxia mais distante. Meu desejo foi concedido em parte, já que ele percebeu que Craig e Tweek estavam olhando um para o outro de maneira estranhamente dócil e correu para implicar com eles.

No entanto, assim que ele saiu, uma das amigas de Red, Bebe, veio nos perturbar.

— Eu sempre soube que você queria dar uns pegas no Garoto Star Wars, hein, Rebecca?! Quero ser a madrinha desse casamento estelar! — Declarou ela, sonhadora.

Desejei que ela fosse para um planeta ainda mais distante que o planeta que queria que Clyde fosse. Porém, diferente de Clyde, Bebe foi embora espontaneamente, piscando de forma atrevida para nós, assim que terminou o comentário.

Quando chegamos ao balanço, ficamos nos revezando para empurrar um ao outro no brinquedo.

A partir desse dia, eu e Red continuamos juntos, como se aquela separação em grupos nunca tivesse acontecido, só que agora, também ela me surpreendia com pequenos beijos e segurávamos a mão um do outro enquanto fazíamos isso, exatamente como eu sempre quis.