Memories escrita por Yuuko chan


Capítulo 2
Capítulo 1




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"O sol desaparece e a escuridão invade o bosque inteiro, meu senhor." Uma horrorosa criatura sem nome, miúda e mal cheirosa começou a dizer em tom de advertência, enquanto se pendurava feito um macaco nas ramas de um árvore a ponto de cair. Poderia passar perfeitamente por um humano senão fosse pelo chifre no meio da testa parecido a um pequeno diabinho, e olhos tão amarelos como os de um gato preto. As criaturas de Alborel o chamavam "coisa", uma aberração sem raça própria, a mistura de vários seres sobrenaturais que se alimenta das desgraças alheias, e se deleita com os desejos mais sombrios.

— Não ouse enganar-me outra vez desprezível verme.- Uma doce voz de tom aveludado se fez ouvir através da grossa névoa da tarde, quase noite. - Ou terá de buscar outra cabeça para pôr sobre o seu imundo pescoço.- Ditou ganhando consistência, uma forma pálida com braços e pernas escondida entre o nevoeiro, Coisa conseguiu ver com seus olhos mesmo estando a escuras.

A forma não saiu das sombras, mas, largos fios de cabelo prateado sobrevoavam dispersos contra o vento, com um brilho anti-humano....quase celestial. Era tão bonito que Coisa inclusive desejou tocá-los com a ponta dos dedos, mas não teve coragem suficiente para fazê-lo. Coisa não era idiota, ele sabia perfeitamente que se houvesse levantado o braço, esse teria sido arrancado em um corte limpo de espada. E sinceramente, Coisa gostava de seu membro bem a onde estava, emendado junto ao ombro como deve ser.

"Eu jamais enganaria a você, meu senhor." Coisa pulou da árvore e abaixou a cabeça em profundo respeito, medo talvez. "Venho aqui para dizer algo que te fará feliz. O que vossa alma anseia mais que qualquer conhecimento." Ele sorriu satisfeito, vendo como a forma deixava de mover-se a espera de uma resposta. "Um humano meu senhor....Um humano habita dentro destas terras!" A sombra em reação a notícia começou a caminhar lentamente, perigosamente até onde estava Coisa.

Algo afiado brilhou na escuridão.

— Espero que você não esteja falando sobre os bastardos que vivem fora do bosque. - Declarou a sombra fazendo-se ver ao fim. Um extraordinário par de olhos azuis com pigmentos escarlate fitou com indiferença o redor. Era sem dúvida alguma, a criatura mais encantadora que Coisa jamais havia visto em toda a sua vida. Com um longo e prateado cabelo suave, tão único como o mais caro diamante, de aparência pálida e quebradiça como uma donzela em apuros. Mas, sem importar o bonito e vulnerável que pudesse parecer, a criatura era o dobro, não, o triplo de mortífero.

Miserável daquele que se deixe enganar por tal vil beleza, morreram antes sequer de saciar os seus mais depravados desejos, pensou Coisa ao sentir a ponta de uma espada roçar seu pescoço. O aço em contra de sua carne o fez lembrar-se do passado, quando conhecera por primeira vez a essa estranha criatura.

<< No começo Coisa sentiu luxuria, algo incluso mais poderoso que a fome, e tão primário como o desejo satisfazer-se. Ele queria deitar a linda criatura contra a terra negra de Alborel, desvesti—la, enlambuzá—la em preto, agarrar seu lindo cabelo prateado com a ponta dos dedos e fazê-la sua. Até que, descobrira pesaroso que a criatura era macho quando ela empurrou a Coisa para bem longe em defesa própria, com uma força invejável. Coisa sequer teve a chance de se defender, já que a criatura se encontrava rapidamente encima seu com duas dagas de aço contra seu pescoço e um olhar assassino. Com uma vontade louca de assassiná—lo. Logo disso, assustado, Coisa prometera que não havia pensado em machucá—lo sequer, simplesmente buscava a um amo que servir. A criatura claramente não acreditou em suas palavras, mas, ao final fizeram um trato. Coisa deveria avisá-lo de todas as novidades que passassem no bosque, principalmente sobre aparições de humanos que não fossem os mestiços, filhos de humanos e bestas, que habitavam fora de Alborel. Em troca disso, a criatura quase angelical não torturaria Coisa até a morte. >>

A espada perfurou um pouco mais a sua pele, fazendo assim que Coisa deixasse de pensar no passado com rapidez. Agora se encontrava com a mesma criatura do passado, igualmente jovem e belo mas, com a diferença que agora levava uma espada em mãos ao invés de dagas.

"Não meu senhor, não!" Coisa alçou a voz tentando esconder sua covardia. "Não são esses mestiços que espreitam o bosque!! É um humano de verdade meu senhor! Eu posso sentir o fedor que desprende." Explicou sem deixar de olhar a espada apoiada confortavelmente sobre seu pescoço. "Não existe sangue mais aguada e sem gosto que a de um humano."

— Você falou isso com alguém mais? - A criatura perguntou sem abaixar a espada. Parecia, a diferença de Coisa, um homem alto, pálido e doentio de beleza estonteante. Ainda que, os homens jamais seriam iguais de fortes como era essa criatura. Só em comparar as duas raças pela aparência exterior já era uma blasfêmia. Algo que deveria pagar-se com a morte.

"Não meu senhor, você é o primeiro em sabê-lo." Respondeu com fervor, mas a espada, indiferente a sua verdade se aprofundou mais na pele do miúdo monstro.

— Onde está? - A criatura perguntou baixando a cabeça até que a sua testa tocou com a de Coisa. A espada não se moveu do lugar.- O humano, onde está? - Voltou a perguntar com monotonia ao não escutar uma resposta de Coisa.

"O humano habita na cabana proibida do bosque, onde existe o caminho marcado em pedras." Explicou perdendo o alento. "Onde a luz chega fraca e a segurança é apenas uma ilusão."

— Bom trabalho. - Coisa observou aliviado como a espada se afastava de seu pescoço, mas por pouco tempo. A criatura só havia dado um pouco de distância entre a carne da vitima e o aço de sua arma, para que a mesma cortasse com mais facilidade.

Coisa só se dera conta disso quando já foi tarde demais.

" Meu senhor?! Você prometeu n-não..." Antes que Coisa pudesse terminar de falar, a espada fez um curto ruido sonoro, como se houvesse cortado o vento e não um pedaço de carne com ossos. As folhas mortas no chão, os troncos das árvores e o lindo cabelo prateado da criatura haviam sido banhados em sangue púrpura.

— Em efeito meu caro, - concluiu a criatura satisfeita consigo mesma. - Prometi não torturar-te com minha ira, senão liberar-te. - Deu-se meia volta, e com agilidade começou seu largo caminho até cabana proibida. - E foi exatamente o que eu fiz, liberei você de todos os pecados com a ponta de minha espada. - Suspirou limpando a sua arma no longo manto verde escuro que levava posto, com indiferença ao cheiro forte de sangue que começava a captar seu nariz. Havia esperado muito tempo para esse momento, o fedor a morte não faria que ele mudasse de idéia tão facilmente assim.

Depois de mais de noventa e sete décadas esperando, ao fim havia conseguido o que mais desejava: Uma segunda chance para voltar a recomeçar.

Talvez, essa fosse uma das poucas ventagens em ser um elfo. Esperar sem medo a que morte te fizesse uma visita.

★★★

Frio foi um dos primeiros fatores que fizeram Melina abrir os olhos. O segundo era o ruído incessante das cigarras.

— Droga, esqueci a janela aberta. - Melina esticou as pernas sobre o colchão sem levantar-se. Seu corpo estava dormente e ela não tinha vontade nenhuma de sair da cama, mas, o friozinho fazendo cocegas na sua nuca já não era agradável. Ademais, Melina tinha medo de que algum bicho entrasse no quarto. - Cadê o interruptor da luz? - Ela começou a cutucar tudo com o dedo em busca de algo, até que sem querer quase derrubou um objeto posto de enfeite no lado de sua cama.- Mas que drooooga. - se levantou de uma vez por todas ao notar que daquele jeito não iria parar em lugar nenhum.

Se antes ela já enxergava pouco com a quase inexistente luz solar do bosque, agora estava completamente cega. Sorte dela que o guia, ainda sem nome porque ela não se acordava, havia deixado a luz acesa embaixo, por que o bosque de Alborel não ajudava muito, a não ser que Melina tivesse visão noturna, coisa que não era o caso.

Com cuidado de não quebrar nada ou se machucar, Melina caminhou até a janela um pouquinho desajeitada e a fechou, bem, tentou fazê-lo. Seguia estando tudo muito escuro, Melina não enxergava o mecanismo para fechar a janela, assim que digamos, simplesmente a encostou. - Perfeito.- Ela sorriu satisfeita voltando pelo mesmo caminho de antes até parar em frente da cama de casal, logo girou-se, e começou a seguir a pouca luz que dava o chão de madeira até pisar na que seria a portinha para baixar. Sorte a sua que a escadinha ainda seguia posta, e a portinha de madeira tinha uma espécie de mecanismo que a fazia fechá-se só.

Então, com a ajuda das duas mãos Melina empurrou a portinha para baixo com todas as suas forças, mas sem querer, um descuido seu, quase a fez cair de cabeça no chão. Sorte a dela que se havia segurado a tempo. Ao final de contas não queria ter de ir a um hospital no seu primeiro dia de férias. - Respira Melina, acidentes acontecem. - Falou em voz alta pondo o pé no primeiro degrau da escadinha, tentando deixar de tremer.

Quando Melina pôs os pés no chão quase teve vontade de chorar, ela não havia caído e tampouco ficara entalada na abertura da portinha. PALMAS PRA ELA GENTE! A guerreira merece.

A segunda coisa que ela fez foi buscar o router, ver a senha do WIFI e bisbilhotar a geladeira. Que por certo, estava vazia.

— BEM! sorte que eu vim preparada. - Ela sorriu consigo mesma lembrando das guloseimas que havia comprado no meio do caminho.

Sem pensar duas vezes, Melina saltou encima do sofá com o tênis ainda posto, sequer se preocupou em tirá-los, não tinha vontade. A sua mochila de viagem se encontrava apoiada no braço do sofá, assim que com facilidade Melina a tirou do chão, e a colocou protetoramente no seu colo.

O primeiro que tirou de dentro dela foi seu laptop, encendeu a tela, pôs a sua própria senha e conectou a Internet. Logo, os doces. Principalmente a bolsinha de amendoins aberta, sua paixão. - Como era a estória mesmo? - Melina se perguntou, comendo uma mão cheia de amendoins enquanto pensava consigo mesma. Hoje escreveria o prólogo da estória que havia estado rondando a sua cabeça por semanas, e quem sabe, talvez incluso a continuasse se fosse boa o suficiente para vendê-la.

Com rapidez abriu o Microsoft World e digitalizou "PROLOGO" em grande, não se preocupou em por assentos, só era uma idéia tosca por agora. Logo, comeu uma segunda mão cheia de amendoins antes de voltar a olhar a tela em branco. - Bem, comecemos. - observou por um momento a porta de entrada antes voltar toda a sua atenção em escrever.

★★★

Quando Melina se dignou em olhar a hora, já havia passado da meia noite. Ela tinha começado a escrever lá por volta das oito e quarenta, mas, estava tão concentrada no que fazia que o tempo passou voando. O prólogo havia sido curto, a presentação da protagonista -Uma adolescente ruiva de dezesseis anos que se perdia num bosque encantado pouco depois do sol nascer.

Melina ainda duvidava sobre o rumbo que tomaria a estória, como por exemplo: Que tudo ao final não fosse mais que um sonho, produto da imaginação fértil da protagonista. Ou algo mais fantástico, como a protagonista sendo chamada por uma voz que ninguém mais escutava além dela mesma. A voz do amor da sua vida preso dentro daquele bosque.

Inclusive, poderia até chegar a ser algo mais trágico, com o bosque representando o caminho da protagonista depois da morte, etc. - Merda, não estou gostando do resultado. - Melina suspirou cansada apagando a ultima estrofe que escreveu. Já cansada de seguir digitando guardou o projeto, abriu Google Chrome e entrou em Youtube. Um pouco mais animada buscou a sua lista de canções favoritas, apertou o play e subiu o volume ao máximo.

Não tinha sonho, o amendoim havia acabado faz tempo e seu rabo de cavalo desfeito fazia que Melina tivesse dor de cabeça, por isso mesmo o desfez completamente. Resultado? Juba de leão.

Depois disso, deixou o laptop sobre o sofá com a música tocando enquanto caminhava de um lado para o outro da cabana. Bisbilhotou em tudo, até na chaminé com curiosidade infantil, buscando um tesouro escondido seja lá o que for. Até dançou um pouco, bagunçado mais seu cabelo, tentando parecer sexy. Uma gorda sexy ao menos.

Então de repente, escutou-se um ruído baixo e constante. Melina foi rapidamente até seu laptop e deteve a música, mas o ruído não parou. Surpreendida, Melina olhou ao redor em busca de sua origem, pensando que fosse um mosquito até, mas, um mosquito não ficaria parado em um único lugar por muito tempo e, tampouco zumbava assim de alto.

Com um nó formado na garganta Melina descobrira que o som vinha da porta de entrada. E para ser mais exatos, no lado de fora da porta da entrada.

Algo não vai bem, pensou ela momentos antes de escutar o primeiro toque na porta. Melina não se moveu do lugar. Já era de madrugada, assim que quem demônios abriria a porta para um desconhecido estando em um bosque deserto pela noite? Exato, ninguém.

Dessa vez, a maçaneta fez um pequeno "Clic", como alguém quisesse entrar. Melina engoliu o grito.- Tranquila, Melina tranquila. - Falou consigo mesma, imaginando de repente como seria a reação das suas heroínas em uma situação assim. Provavelmente, fariam o contrário que Melina estava a ponto de fazer a continuação: CORRER ATÉ AS ESCADAS!

E foi exatamente isso o que ela fez quando escutou como abriam a porta atrás dela. Pouco mais e grita "Eu quero a minha mãe!" Enquanto se preparava para subir o terceiro degrau e alguém a pegou pela perna esquerda.- Não!- Esperneou feito louca movendo o corpo de um lado para o outro como gelatina. O único problema era que ela pesava demais, e a escadinha começava a ceder sob ela.

— Hey! Calma, tranquila.- As mãos a libertaram com rapidez mas mesmo assim, Melina foi incapaz de olhar pra baixo, ao menos não por um tempo.- Sou eu, Marc. O guia de antes.- Explicou. Só então Melina voltou a respirar com normalidade.

  Ah, é verdade, ela pensou lembrando-se do nome dele por fim. O guia se chamava Marc O'pala, certo.- Caramba! Eu quase tenho um treco.- Melina sorriu envergonhada, mas também raivosa dele haver entrado daquele jeito.

— Desculpe. Eu havia te chamado umas quantas vezes antes, mas como você não me respondia eu me preocupei.- Falou com um sorriso manso pegado na cara, coisa que surpreendeu bastante a Melina. Marc antes em nenhum momento havia sorrido assim para ela, nem sequer quando a viu por primeira vez. E ademais disso, Melina também resolveu deixar passar o feito de que Marc não a havia chamado em primeiro lugar, já que não se escutou voz vinda de fora  antes. Bem, talvez ela estivesse errada já que tinha a música muita alta, mas....

   — Olha, se eu não responder quando me chamam será por que eu estou ou muito ocupada ou atualmente dormindo.— Ela respondeu o mais educadamente possível, como se fosse algo obvio, e com um embrulho no estômago se dera conta de que Marc ainda seguia sorrindo da mesma forma mansa que antes.  Era muito estranho.— Bem, se você veio até aqui é por que tem algo que me dizer, certo?

— Melhor do que isso, tenho algo para te mostrar. — O sorriso de Marc aumentou enquanto apontava a porta aberta da entrada. Melina só viu escuridão lá fora.

— Por que não fazemos isso amanhã? — Melina tocou com a ponta dos dedos um fio de seu cabelo, até que lembrou-se que o tinha completamente desfeito! NA FRENTE DO GUIA! Só então ela havia entendido por que Marc sorria tanto, pensou Melina ficando vermelha como tomate. O único alivio para ela era que a sua pele era escura, assim ninguém notaria a sua vergonha. 

— Só será um momento.— Marc garantiu confiado, com uma tranquilidade abismal.   E Melina soube então que ele não a deixaria em paz até que ela cedesse, e foi exatamente isso o que ela fez. Ainda que meio a contra gosto.

Com lentidão ela foi até o sofá, apagou o seu laptop, tirou a xuxinha do braço e fez um coque rapidamente antes de dar meia volta e encontrá-se com os olhos de Marc.  Melina apartou o olhar de forma quase  automática enquanto ia de caminho até a porta, não gostava de como ele a observava. O que Melina não notou foi que Marc ainda seguia sorrindo enquanto os dois saiam da cabana, apoiando as mãos protetoramente sobre o hombro dela.

E como estava muito escuro, ela tampouco se dera conta de que o caminho pelo qual estava sendo guiada não era o marcado em pedras....


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