Quando o azul que não era do céu que o engolia, que estivesse em seu navio com a pequena tripulação, apenas admiraria o horizonte com as mesmas cores marinhas, com céu que escurecia depois da longa tarde, cortado por nuvens brancas que se perdiam na imensidão, com o mar que se conectava de forma estranha ao céu e se mostrava mais grandioso. 

Havia algo de interessante quando olhava para o mar, sendo um filho de um mercante, tinha que ter tido esse interesse nos negócios da família, isso se sua família estivesse viva para ver no que Shay se tornou, a ordem e credo que seguia e tentava obedecer.

Sua mãe teria desgosto em olhar na sua face ao ver que o filho matava por um bem maior, seu pai fingiria com toda certeza que ele não existiria, mas custava ainda manter a sanidade ao lembrar dos dias em que navegava com o pai em seu navio de porto pequeno, que carregava cargas de negócios como tabaco ou até mesmo peles de animais exóticos da América colonial.  

Gostava de se lembrar de momentos em que não se via envolvido de assuntos como os assassinos, gostava quando corria como um garoto sem noção de perigos extremos, observando curioso os movimentos das docas e sorrindo quando o navio de seu pai chegava ao porto, ignorando o bagunçar em seu cabelo rebelde e apenas o acompanhando até a casa que estava longe de ser no centro da cidade de Nova York.

O que mais o fascinava era o balançar do navio, esse que se seguia a um infinito de duas cores conjuntas, do azul claro do céu ao escuro do mar, o ritmo corriqueiro a qual os marinheiros tinham. As ondas o faziam seguir seu curso, os marujos cantavam ao fundo a famosa drunken sailer empolgados e Shay apenas guardava em sua memória de menino tudo o que poderia. Claro, essas eram uma das memórias que ele mantinha guardadas para se manter sã. 

Mas tinha outra memória que Shay guardava com todas suas forças, mesmo que ao seu lado no presente estivesse o homem que antes já lhe tirou de momentos em que arrumava briga, pois tinha a fama de arruaceiro e que o seu amigo o ajudava a escapar. Liam O'Brien era mais velho que Shay e por lógica, o mais forte e o que sempre o livrou de encrencas, o que sempre lhe ensinou a se defender sozinho, o que foi seu "irmão".

Foram poucos os momentos em que passaram a infância até o pai de Shay decidir definitivamente que o levaria em todas as viagens, o que foi um choque tanto para Shay e Liam naquela época. Por que iriam se separar? Não era justo, parecia que nada se é justo quando se é um menino. 

O momento presente, Shay se recusava e se indagou diversas vezes com a função da ordem, de pedidos frios em missões e de reclamações do mestre assassino da colônia americana. Mas enquanto estava em seu navio, quando estava na Morrigan, parecia que nem as ordens de Chevalier afetavam a cabine do capitão, a cabine de Shay.

Atracado no porto de Waterfront em Nova Iorque, o balançar não chegava a incomodar ambos os homens que compartilhavam a mesma cama na cabine, o lençol vermelho cobria apenas uma parte de seus corpos e as peles nuas se tocavam ao pouco que acordavam, pelo menos um acordava já que Shay olhava de forma neutra para seu "irmão" de batalha e credo, o companheiro que talvez outros os considerassem melhores amigos. 

Liam resmungava com o peso de Shay sobre si, talvez ignorando o suor e calor daquela estação que entrava e impregnava. O observava atento, a cabeça pousada no peito do outro enquanto aos poucos esse despertava e conseguia dar sua atenção ao Cormac mesmo acabando de acordar.

A onda que balança do lado de fora era a mesma que poderia comparar ao que sentia com o outro, ao que sentia com Liam, Shay negava falar por orgulho, deixando-se levar apenas pelas sensações quando ambos se juntavam, vezes embriagados e outras sóbrios e conscientes, momentos em que se questionavam se era correto ou moral se deitarem, transarem com ardor e libido do desejo, mas não precisavam de um questionamento em momentos como esses, quando a onda que os arrastava apenas os embalava pelas sensações. 

— A quanto tempo estais me observando? — A voz rouca pelo sono ressoou e apenas fez Shay dar uma breve risada com o mal humor matinal do outro. 

— Preciso mesmo lhe contar? Indagas como se eu tivesses feito algo ruim — Comentou brevemente, se levantando e ignorando o incomodo em sua cintura, observando a cor dos olhos claros de Liam e se colocava sobre o colo desse — Sabes que nunca fui de cometer algum erro, principalmente em missões.

— Deverias ouvir o que falas, Shay Patrick Cormac, é como se falasse de outra pessoa e não de si — Respondia, se apoiando pelo cotovelo e franzindo o cenho diante da posição que o outro — Achei que estaria... Indisposto depois da noite de ontem, pessoas além da Morrigan podem ter ouvido cada fala indevida sua.

Aquilo fez Shay rir, a preocupação do outro com o que acontecera era sim engraçada, mas era claro como água que se incomodava com as falácias e frases indevidas que poderiam ser proferidas logo cedo. Aquilo era o de menos, poderia ignorar e seguir em frente, deixar a onda que balançava as sensações de seu ser lhe guiarem para novamente aqueles toques, a troca de calor entre ambos ocorrer de novo e de novo.  

— Por que não te calas? Apenas deixe que o momento se cumpra — Sussurrou, fazendo Liam se deitar novamente para poder dar a mesma sensação de antes, ignorando o balançar do navio, da onda que o fazia ranger a madeira que os sustentava e que guiava seus sentidos.