How To Save A Life escrita por LLPotterhead


Capítulo 5
Riptide




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Por quase uma vida inteira, evitei todo tipo de regra. As de conduta, as sociais, as de trânsito. No trabalho, ignorava ordens e conseguia matérias do meu jeito, popularmente conhecido como “Explosivo Swan” – que consistia em ás vezes me esconder dentro de lixeiras para ouvir furos de reportagem para a capa -. Gostava de viver do jeito mais livre que conseguisse encontrar, mesmo que essa liberdade eventualmente tivesse consequências, e as únicas coisas que realmente me prendiam eram Henry e suas necessidades infantis. Pensando bem, talvez esse fosse o motivo de a situação atual me incomodar tanto. As regras me prendiam e cercavam por todos os lados agora. Regras sobre que remédio tomar e quando – essas anotadas em papéis coláveis espalhados por toda a casa -, regras ditando em que momento sair e com quem sair, porque agora tratavam-me como uma inválida incapaz de ir ao mercado e voltar sem sofrer nem um tipo de acidente no caminho. O que, cá entre nós, era exatamente o que eu era.

Impotência.

Acho que esse era o pior de tudo, afinal. A sensação de impotência.

Outra coisa da qual eu passei a precisar – e que com certeza não me agradava – era o monte de idiotices que Archie me dizia no consultório. Naquele momento, eu apertava o volante do fusca com força o suficiente para deixar os nós dos meus dedos brancos, mordendo a parte interna da bochecha e repetindo mentalmente o mantra do Dr. Hopper:

Meu nome é Emma Swan e eu tenho 23 anos. Saí de um coma de três meses há dois, e do hospital há uma semana. Tenho um pequeno problema com amnésia retrógrada, o que no momento está atrapalhando bastante porque eu preciso urgentemente achar uma droga de uma clínica pediátrica em uma rua que com certeza está aqui, mas dentro do meu cérebro é como se nunca tivesse existido. Minha cabeça é como um labirinto, e eu me perco nele diariamente. Meu irmão está ferido e precisa ir a algum lugar para ser tratado, mas não posso fazer nada. Não consigo.

— Emma?

Olhei para o lado e encontrei Henry encolhido no banco do carona. Ele mal tinha falado durante todo o caminho desde a sua escola, apenas fechando os olhos e cerrando os dentes de dor apesar de ter quase uma fratura exposta na perna, se esforçando para me deixar menos preocupada.

— Oi.

— A Rubs disse que agora você tem um problema de memória, tipo a Dory de Procurando O Nemo – ele se inclinou no banco, aproximando-se de mim – Não exatamente igual, porque você esqueceu as coisas que aconteceram antes de você dormir igual a Bela Adormecida e não as coisas que estão acontecendo agora.

Assenti de um jeito hesitante, me perguntado onde ele estava tentando chegar.

— Só que a gente se mudou bem pouco antes de você ser enfeitiçada –  continuou -, só um mês antes e eu sei disso porque olhei no calendário. Daí o Killian disse que você não lembrava mais das ruas daqui ou de onde ficam as coisas, nem da sorveteria mesmo gostando muito de sorvete de chocolate, e que eu teria que mostrar tudo para você de novo.

Balancei a cabeça novamente em um movimento afirmativo.

— Emma? – chamou de novo.

— Estou aqui.

— Você disse que estávamos chegando – afirmou.

— E estamos.

Henry se afastou de mim e deu uma espiada na janela, com uma expressão pensativa. Demorou um ou dois segundos para falar de novo, depois de analisar as ruas lá fora.

— Você não sabe como chegar lá, né?

Eu respirei fundo até meus pulmões parecerem que explodiriam de tanto ar, e quando a resposta saiu, minha voz estava fraca.

— Não, Henry.

Quanto tempo alguém precisa para se tornar necessário para você? Quanto tempo até que alguém seja suficientemente próximo a ponto de ser capaz de dizer sem hesitar sua comida favorita ou que você odeia cheiro de chiclete de tuti-fruti? Antes de responder, adicione o fato de que é impossível manter um diálogo, considerando que você não pode falar, e o máximo de comunicação possível é um monólogo. Pense em quanto tempo poderia significar. Se eu alguém me perguntasse isso antes do coma, eu diria que muito. Questão de anos, talvez. Mas ela só precisou de 7. 7dias.

Todos os dias eu previa sua chegada pelo barulho dos saltos, e o aparelho que monitorava meu coração sempre dava minha resposta corporal sem minha permissão. O ritual era o mesmo desde que eu tinha saído da UTI e me mudado para um quarto particular que me permitia visitas: Ajeitar meu cobertor e meu travesseiro, e em seguida verificar minha pulsação ela mesma como se já não houvesse aparelhos fazendo isso; mexer em todos os aparelhos ligados ao meu corpo e, por fim, ajeitar mechas loiras que na verdade já estavam no devido lugar. Parecia que procedimento todo era culpa da sua personalidade metódica, mas eu conseguia ler nas entrelinhas. Para mim era uma conversa silenciosa na qual ela dizia “Eu estou aqui e não vou embora”.

Ela nunca tinha falado diretamente comigo, mas sentava ao meu lado por em torno de uma hora e meia diariamente na última semana – e eu sabia por causa da sua obsessão irritante com a pontualidade. Antes de sair sempre checava o relógio (suponho) e saia resmungando por causa do que os ponteiros lhe mostraram -. Ás vezes lia livros em voz alta, como se fosse só um hábito particular, mas no meio da leitura costumava se interromper e reprimir-se por estar lendo para alguém que “nunca ia ouvir”. Falava com Henry e tinha começado a fazer perguntas sobre mim em sua última visita. Primeiro meu nome, discretamente, como quem não tem um real interesse. Depois minha idade, minha cor favorita, qual era meu hábito mais irritante. Logo Henry, com o jeito inocente dele, já tinha tecido meu perfil inteiro.

A proximidade desprovida de palavras me trazia uma sensação de que eu precisava conhecê-la. Do jeito convencional, de olhos abertos e dizendo “Oi, é um prazer te conhecer, meu nome é Emma”.

 

As memórias vinham em um fluxo constante, como sempre, cada uma me acertando na cara como um tapa. Cheguei a virar a direita no lugar errado e dessa vez foram necessárias mais coisas para me trazer de volta. O barulho dos pneus do fusca contra o asfalto, a mão de Henry intensificando o aperto na minha e um grito de susto feminino. Corrigindo, talvez não de susto e sim de raiva. Eu tinha acabado de quase atropelar uma pessoa.

Meu pé se afundou no freio automaticamente, provando que eu não estava tão enferrujada na direção mesmo depois de um tempo considerável. Olhei para o banco do lado, checando o estado de Henry, e concluí que com exceção do ferimento que já estava ali ele estava perfeitamente bem. Deixei o carro parado em ponto-morto no canto da rua e desci para ver se minha quase-vítima tinha tido a mesma sorte.

O que encontrei do lado de fora podia ser uma cena cômica. Cômica, se não fosse trágica. Havia uma mulher, provavelmente quem tinha gritado. Ela não parecia ter sido atingida, mas as rodas do fusca pareciam ter passado por cima de uma poça de água com vontade, encharcando-a inteira.  Brigava com o guarda-chuva, que eu supunha ter se fechado no momento do susto, murmurando palavrões que não se esperariam de uma pessoa que andava com tanto ar de realeza. Assim que ela ergueu um pouco a cabeça, as feições se tornaram reconhecíveis para mim, principalmente transformadas naquela mesma careta de quando a molhei de café no hospital. Os cabelos castanhos curtos, o ar de superioridade, o jaleco branco com Dra. Mills bordado próximo a gola. Mills, Regina Mills.

— Você é real – a afirmação escapou da minha boca antes que eu notasse quanto estúpida estava sendo. É claro que é real, Emma. Você esbarrou com ela no hospital, viu seu nome nos registros.

— Real? – ela rosnou, sem desviar a atenção do guarda-chuva – Quase realmente morta, você quer dizer. O que diabos estava pensando? Você praticamente jogou o carro em cima de mim! Isso sem contar com a velocidade com que aquela lata de sardinha amarela estava indo, aquilo deve infringir umas três leis de trânsito de uma vez.

Levou pouco tempo até que o tornado Mills saísse de seu acesso de raiva e me olhasse. Sua reação foi exatamente a mesma de quando me viu no hospital: A expressão de raiva passando lentamente a uma de surpresa e depois retornando a de raiva. A cicatriz acima do lábio se enrugava e ela comprimia os olhos quando fazia todas essas caras, tornando suas caretas peculiares.

Depois que notei que estávamos há mais tempo do que seria considerado normal encarando uma a outra como se tentássemos decidir se era real ou estávamos tendo alucinações, ensaiei um pedido de desculpas:

— Eu...você machucou alguma coisa?

Emma Swan 0 x 1 Falta de habilidades sociais.

Ela abriu um sorriso sarcástico familiar.

— Além do orgulho e da dignidade? Aparentemente não –  enquanto falava comigo, sua mão finalmente encontrou o lugar certo para apertar para fazer o guarda-chuva abrir de novo, e isso foi a deixa para o fim de uma conversa que estava visivelmente a incomodando. É claro que dessa vez eu tinha dado um motivo concreto para que ela não estivesse exatamente ansiosa para conversar comigo, mas do jeito que ela me olhava, parecia estar vendo um fantasma. Uma coisa cuja  familiaridade a assustava.

Ela desviou de mim como se eu não fosse nada realmente significativo no seu caminho, e eu, em uma das minhas atitudes impulsivas, a segurei pelo braço.

Eu tinha esbarrado com ela no hospital e tinha lembranças vagas e apagadas da sua mão segurando a minha, mas aquilo era novo. Contato físico proposital. O olhar raivoso dirigido a minha mão no seu braço fez com que eu a soltasse imediatamente, mas ainda tinha sua atenção.

Eu precisava pedir ajuda. Para várias coisas, incluindo minha falta de memórias anteriores ao acidente, mais as principais delas eram meu irmão e minha falta de capacidade de achar uma simples clínica.

— Desculpa mesmo – minha voz saiu mais baixa que o esperado, então eu limpei a garganta e continuei – Começamos do jeito errado, então acho que podíamos começar de novo. Oi, é um prazer conhecer você apesar das circunstâncias horríveis, eu sou a Emma.

[...]

O consultório da Dra. Mills era algo que se esperaria dela: Impecavelmente limpo, decorado com cores neutras, organizado á um nível psicótico de TOC e prático. Não vi quadros com fotos de família ou algum enfeite ou objeto que tivesse algum sentido pessoal, emocionalmente relevante. Era frio e impessoal, assim como ela mesma á primeira vista.

— Pode me contar como foi que você fez isso? – Regina fez uma tentativa de tirara atenção de Henry dos curativos que ela fazia em sua perna. Havia tanto sangue que eu mesma observava da porta, cerrando os olhos a cada careta de dor do meu irmão.

Por mais bizarro que pudesse parecer, não foi difícil convencê-la a me ajudar, apesar de ter sido um problema fazer com que o furacão Mills me escutasse. Sempre tinha uma resposta sarcástica na ponta da língua e uma revirada de olhos para combinar com ela em cada uma das minhas tentativas de comunicação. A única coisa que a deixou sem resposta foi eu tê-la chamado pelo sobrenome sem que ela o tivesse dito. Ficou mortalmente assustada, me encarando como se eu fosse uma stalker maluca mesmo que estivesse bordado no seu jaleco.

No fim das contas, foi o próprio Henry que a convenceu a me ajudar, não eu. Foi só olhar para ele que o olhar de reconhecimento estava ali de novo, com um efeito totalmente diferente de quando era comigo. Passou a insistir em me ajudar e daí foram segundos até que descobríssemos que ela atendia na clinica que eu procurava, e apesar de ser oncologista e não pediatra poderia cuidar de Henry.

Eu podia jurar que sempre que eu me inclinava para a janela do corredor para verificar o estado da chuva lá fora os dois começavam a cochichar coisas sobre “Possíveis maldições quebradas” e “Amnésia ao estilo Dory de Procurando o Nemo”.

— Tinha uma bola – Henry explicou, olhando para a planta de plástico no canto da sala como se tivesse alguma coisa muito interessante nela – Ela caiu do outro lado do muro...

— E você pulou – concluí.

Ele deu de ombros, se contorcendo ao sentir as mãos ágeis de Regina finalizando o curativo. Eu fechei os olhos de novo, odiando ser obrigada a ver coisas que me lembrassem de meu tempo presa no hospital. Só que fechar os olhos foi o suficiente para me mandar direto para o meu labirinto mental, para as minhas lembranças.

Em algum momento, aquele silêncio desajeitado que me incomodava passou a incomodá-la também e isso fez com que pela primeira vez depois de muito tempo eu ouvisse sua voz:

— É o seguinte, Swan – resmungou -, me disseram que você ouve o que a gente diz. Sem querer ofender, mas eu me sinto idiota fazendo isso, como se estivesse entrando em uma estufa e falando com uma planta – minha primeira amostra de suas piadas de humor negro. Como mais tarde eu viria a observar, era sua forma de se defender.

 

Quão bizarro era que ao fechar os olhos eu ouvisse Regina Mills e ao abri-los eu a visse, em carne, osso e sorriso irônico?  Parecia que um mistério se escondia em cada um de seus comentários defensivos, e não conseguir decifrá-lo ia acabar fritando meus neurônios um por um até que minha cabeça explodisse, como em um desenho animado.

Regina foi acalmando Henry até que seus gemidos de dor sumissem, sendo substituídos por uma conversa baixa entre os dois.

O silêncio que se seguiu a sua confissão ficou pairando entre nós de uma maneira sufocante e achei que ela tinha desistido. Mas continuou, em um tom sussurrado que fazia parecer que tudo aquilo que ela me contava era um segredo:

— Eu não te conheci direito antes. Bom, poucos minutos não são o suficiente para ter certeza, Miss Swan, mas mesmo assim eu conheci partes boas de você. Em tão pouco tempo você provou que podia ser convencida, irritante, abusada,  intrometida...e surpreendentemente corajosa, a ponto de me salvar de mim mesma quando ninguém ao menos tentou fazê-lo.

 

Eu ouvia palavras sobre a chuva forte, que nos impediria de sair dali, e em seguida perguntas de Regina a Henry sobre porque eu estava fechando os olhos com tanta força e parecia tão transtornada. Escutei Henry responder que eu estava me lembrando de alguma coisa, resolvendo meu problema com a amnésia.

Ela parou de novo, sempre se aproximando e tocando minha mão e em seguida se afastando de novo como se o contato a incomodasse.

— Não sei explicar tudo isso, não quando eu não sou a melhor em conversar nem quando é com as pessoas acordas – suspirou – É como um ciclo infinito onde todas as pessoas que entram na minha vida se machucam e me machucam junto. Você não me conhecia, dormiu sem saber o meu nome, mas resolveu dar um mergulho profundo na minha cabeça e tentar me entender. Você está morrendo e a culpa é minha. Isso significa que eu te devo uma, Swan, e estou te dizendo que odeio dever para as pessoas. Eu vou falar até você acordar. Vou falar sem parar até você acordar levantando a sobrancelha do seu jeito questionador e rebelde e me perguntando quem diabos eu penso que sou. Acorde logo, Miss Swan, porque juro que você não quer me ouvir falar tanto e eu estou sem tempo.

 

Quando as imagens pararam de se enfiar na minha cabeça, Regina já estava do meu lado, apertando meu braço.

— Swan? Por Deus, se você tiver qualquer coisa, eu sou oncologista, não vou poder resolver.

Soltei a respiração.

— Interessante saber que você gostou tanto de mim que me quer viva – abri um sorriso, agarrando a oportunidade de provoca-la.

Ela revirou os olhos.

— Swan, coitada, tão convencida – negou com a cabeça – Eu queria dizer que estamos presos aqui, Emma. Ilhados. O sinal de telefone caiu, está chovendo como eu não vejo acontecer há anos, e você não pode ir a lugar nenhum como garoto daquele jeito.

A encarei, sem reação.

— Vamos ter que ficar aqui? Quero dizer, no seu consultório?

— Evidentemente, Swan, ou esperava que ficássemos em Hogwarts? – a resposta irônica e o sorriso seco mostrava o que me esperava pelo resto da tarde. Eu ficaria confinada com o motivo da minha confusão mental.


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Notas finais do capítulo

Capítulo confuso mas as coisas vão se esclarecer mais lá pra frente.
No próximo capítulo vamos ter um POV da Regininha u.u
Ultimamente eu tô uma lesma pra postar, sei disso, mas não desistam de mim, por favor.
Obrigada por ler até aqui, deixem o que vocês acharam nos comentários, curtam e compartilhem com os amigos.
Xoxo.



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