Encadeado escrita por daddysaidno


Capítulo 5
Jura


Notas iniciais do capítulo

Olha só o último capítulo pae



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/702657/chapter/5

Um burburinho, ora interrompido por cliques simultâneos, ora por batidas, chamou a atenção de Jacó que, deitado de bruços, tentava voltar a dormir. Abriu um olho por reflexo e surpreendeu-se ao ver o quarto tão claro. Deveria ter sido acordado há muito tempo. Sentou-se na cama e percebeu que não era só um burburinho do lado de fora. Fazia tanto barulho que não sabia como dormira tanto.

Puxou uma das cortinas da janela e não sabia o que era aquilo que estava vendo. Precisou olhar por um bom tempo para assimilar o quadro que se formava do lado de fora da casa grande. Correria ao longe, a casa do Mestre de Açúcar havia sido colocada abaixo, e a senzala estava em chamas. Paralisado, observava a silhueta enegrecida da fumaça que se arrastava em lufadas até o céu claro, placidamente contrastando com a algazarra no chão. Sebastião.

De pijamas, atravessou correndo o quarto, mas encontrou a porta trancada. Voltou à janela e saiu até a sacada, pendurando-se pelos parapeitos como acostumara-se a fazer. Alcançou o chão e correu até a entrada da casa, onde encontrou tudo revirado e destruído. O som de balas distantes o assustou. 

Foi agarrado pelo braço quando chegou à varanda, o capataz puxando-o de volta para dentro como se os tentasse esconder. Jacó gritou e chutou até afastá-lo, conseguiu deixar a casa grande. Os pés estavam descalços e doíam contra a terra seca enquanto corria na direção dos escombros da casa do mestre, o cabelo escuro grudado na testa suada. 

Parou, arfando, quando chegou às ruínas de onde deveria estar a janela de taipa que pulava todas as noites, e não havia nada lá. Mas havia um desespero instável na garganta. — Tião! — gritou para todos os lados — Sebastião! 

Apesar de não ter certeza do que estava acontecendo, sabia que balas soando e a senzala em chamas significava que os negros não estavam obedecendo. E se não haviam muitos deles por ali, estavam indo embora. Seu coração apertou e quis chorar, como a criança que era. — Sebastião! — continuou gritando quando passou a correr na direção da senzala em chamas, mas foi agarrado pela cintura e derrubado no chão. Uma mão sufocou seus gritos.

— Shhh, shh! — reconheceu João, um dos escravos já velhos, sussurrando para que fizesse silêncio. Jacó ficou imóvel, os olhos inquietos tentando ver o que acontecia ao redor, até que as balas pararam e João o largou.

— O que tá acontecendo, João? — quase não entendeu a própria voz embargada.

— É uma rebelião, garoto — João o puxou pelo braço para que levantasse e se escondessem pelos escombros —, os caifazes tão aqui. Você tem que voltar pra dentro de casa, viu? Corre antes que alguém te veja.

— Cadê Sebastião?

— Ele tá bem, já deve ter ido. Vai, vai, vai — tentou empurrá-lo pelos ombros para que corresse de volta pra casa, mas a insistência de Jacó era maior.

— Eu tenho que ver ele, Jão. Eu tenho que contar a ele! Pra que lado? — levantou-se o suficiente para que pudesse ver ao redor, mas foi puxado para baixo de novo. — Só me diz o lado, João!

— Você vai ser morto!

— Eu não vou pra casa sem encontrar Sebastião — havia nele o mesmo olhar da criança que não dava outro nome a quem já tinha um, e não cederia à ideia de que era diferente de alguém. 

João seguiu ofendendo-o das formas que pôde, mas levantou e o puxou pelo braço para que corressem. Atravessaram o pátio até a senzala e enfiaram-se no mato para chegar ao canavial, correndo abaixados com medo de que fossem atingidos. João, acima de tudo, temia a ofensiva dos senhores quando percebessem que ele estava com o filho do patrão. 

Correram por bastante tempo, enfiando-se no mato por caminhos que pareciam não levar a lugar algum, até chegarem a um descampado. 

Pararam no terreno aberto, esperando, até que o primeiro homem saiu de dentro das árvores, abaixado com uma faca na mão, e o segundo veio atrás. Logo estavam cercados pelos escravos fugidos.

— O que você está fazendo, João? — o primeiro perguntou, guardando a faca com agressividade. — Você trouxe Jacó? 

— Que merda é essa?

— Sebastião! — Jacó gritou de repente, procurando entre eles — cadê Sebastião?

O som de rodas batendo contra a terra os interrompeu, a imagem de duas carroças irrompendo o mato para encontrá-los.

— Rápido, rápido! O trem já vai sair — um dos guias, com os arreios numa mão e uma espingarda longa na outra, gritou, e os negros começaram a subir.  — Anda, anda, anda!

Jacó supôs que aquele fosse um caifaz. Contou os negros que subiam nas carroças, mas Sebastião não estava lá. Seu peito apertou e soluçou, desesperadamente procurando pelo amigo. Sentiu uma batida forte na nuca, a dor acentuou sua vontade de chorar, e virou-se a tempo de sentir os dois braços grandes que agarravam seus ombros. O calor do peito largo aninhou seu corpo como se fosse um pássaro, o cheiro de suor e Sebastião entre o pescoço e a clavícula. Deixou-se chorar.

Poderia ficar ali dentro pelo resto da vida, se deixassem. Mas o caifaz continuava a gritar e, antes que percebesse, Sebastião o largou. Quis protestar, mas sua boca foi tomada pelos lábios cheios dele, e ficou sem fôlego nem palavra. 

— Eu vou te encontrar — Sebastião avisou antes de começar a correr para longe —, e vamos ver as lanternas de novo, viu? — havia um sorriso que poucas vezes Jacó havia visto no rosto dele, embora o suor e o barro sujassem seu rosto inteiro, e a pressa o fizesse respirar com dificuldade. A camisa, grudada no corpo, evidenciava as marcas que ele carregaria a vida inteira nas costas.

— Sebastião! — Jacó gritou, antes que não tivesse mais a oportunidade de contar, mas a carroça já se afastava e ele não o ouviria.

— Eu sei! — Sebastião respondeu, sem que ele sequer tivesse dito, e permaneceu acenando enquanto o carro descia o descampado na direção das linhas de trem.

Jacó, de pijama e descalço, o cabelo assanhado grudado na testa suada, tremia. Nem importava se estava chorando como um homem não deveria chorar. O cheiro que impregnou seu corpo era forte como o negro, e doce como ele. Quando não se via mais nem a poeira da carroça, sentou-se no chão.

As lanternas só aparecem uma vez a cada ano. Tentou contar quantos dias faltavam para que as próximas viessem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado dessa short que eu fiz super nas pressas, apenas para fugir do vasilo ♥