Cookies de Laranja escrita por Mychelle_Wilmot


Capítulo 2
Assando os Cookies


Notas iniciais do capítulo

A primeira parte do capítulo se passa durante o episódio Naka-Choko (2x10). A segunda parte se passa antes/durante Aperitivo (3x04).



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— Não vai levar muito tempo para a comida ficar pronta agora, Will. Não mais que meia hora, eu diria.

Will estava olhando para Hannibal quando ele disse isso, observando sua expressão presunçosa. Por uma vez na sua vida, ele não estava fazendo nada para disfarçar o quão satisfeito ele estava com o rumo dos acontecimentos.

Isso não era surpreendente para Will; Hannibal não achava que ele ainda precisasse fingir nesses momentos, não quando ele tinha certeza de ter ganhado. Não era de se surpreender que ele parecesse tão convencido.

— Sem tempo o suficiente para preparar uma sobremesa - Will disse antes que o silêncio se estabelecesse entre eles.

— Eu não pensei em fazer uma sobremesa, ou mesmo acompanhamentos para hoje. Hoje o prato principal será mais do que suficiente.

— Eu estou um pouco surpreso quanto a isso, tenho que confessar. Eu achei que a receita era um pouco simples demais para os seus padrões, especialmente sem mais acompanhamentos.

— Como eu disse, o prato principal é mais do que suficiente. Eu não quero nada roubando o protagonismo da carne que você providenciou, Will.

Presunçoso como nunca. O fato de até hoje Will nunca ter dado um soco em Hannibal era uma realização pessoal duramente conquistada.        

— Se você insiste. Mas é uma pena não precisarmos de sobremesa - Will disse, fazendo uma expressão triste, extremamente falsa. Jogando a linha.

— Por quê? - Hannibal perguntou, inclinando sua cabeça. Mordendo a isca, como Will esperava.

— Não é nada realmente refinado, mas eu trouxe uma espécie de sobremesa para nós. Mas se você acha que não é preciso… - Will deu de ombros.        

— Por favor. Eu não ousaria ser tão descortês quando você teve tanto trabalho para trazer a carne e uma sobremesa. O que você trouxe para nós? - Hannibal perguntou, seus olhos quase brilhando.        

— Deu muito menos trabalho do que a carne, acredite - Não era mentira; não levou mais do que uma hora e meia para Will fazer a sobremesa, enquanto a carne foi um processo longo, sangrento e cansativo - Mas foi igualmente gratificante fazer.        

Will foi até uma das sacolas que ele havia trazido mais cedo, e tirou de dentro um pequeno pote de plástico, debaixo do olhar curioso de Hannibal. Ele colocou o pote na mesa, silenciosamente convidando Hannibal a dar uma olhada.        

Hannibal aceitou o convite, e Will observou com atenção a expressão em seu rosto quando ele abriu o pote - ele queria ver se seria capaz de surpreender o doutor, ao menos um pouco.        

E por alguns segundos, ele pode confirmar que conseguira; os olhos de Hannibal se arregalaram um pouquinho, e suas sobrancelhas se ergueram em sua testa conforme ele olhava para o conteúdo do pote.        

Quando ele olhou para Will, sua expressão estava novamente recomposta, mas Will já havia tido a satisfação de saber que ele foi capaz de surpreender Hannibal.        

— Eu acho que a cobertura não está muito boa, mas eu fiz o meu melhor.        

Hannibal balançou a cabeça, um sorriso mais expressivo que o normal em seus lábios.        

— Se eu não tivesse medo de estragar o meu apetite antes do jantar, eu estaria provando um agora mesmo.        

Will ergueu suas sobrancelhas exageradamente, em uma claramente falsa expressão de súplica.        

— Só um, doutor. Eu realmente queria saber o que você acha.        

Hannibal tentou fingir que desaprovava a ideia, mas ainda havia o resquício de um sorriso em seus lábios.        

— Tudo bem, se você insiste…        

Will assistiu vividamente Hannibal pegar um dos cookies de dentro do pote e morder um pedaço, a expressão em seu rosto se tornando satisfeita conforme ele mastigava.        

Will achou que Hannibal imediatamente faria algum comentário, mas ao invés disso ele deu mais duas mordidas até comer o cookie inteiro e continuou em silêncio, o que fez Will se sentir um pouco impaciente.        

— E então? Você gostou? - Will disse, tentando manter seu tom neutro.        

— Gostei muito, Will. É sempre incrível notar como você sempre continua a me surpreender, mesmo nos menores detalhes.        

Will olhou para baixo por um momento, não querendo demonstrar satisfação diante do elogio.        

— Dificilmente é uma surpresa quando foi você mesmo que me ensinou a receita.        

Hannibal negou com a cabeça.        

— Eu simplesmente lhe mostrei o caminho. O que você vez com o conhecimento que eu te passei é inteiramente seu mérito.        

— Eu ando praticando ultimamente. Eu tenho tido alguns dias tediosos no meio dos dias muito movimentados, e é um bom tempo para aperfeiçoar meus dotes culinários.        

A parte mais depressiva era de que isso não era uma mentira criada para manter Hannibal ainda mais interessado nele. Pouco após a sua liberação do BSHCI, Will notou que ele começou a se tornar mais meticuloso na cozinha. Ele começou a preparar até mesmo a comida dos cachorros de forma mais elaborada e refinada.        

Ele sabia que isso era a influência de Hannibal - a influência que ele forçou dentro de sua cabeça e a influência causada pela leveza de sua antiga amizade. Hannibal usou mais de uma maneira para entrar dentro de sua pele, e os modos mais dolorosos não foram quando ele usou drogas ou provocou convulsões nele.        

— Seus esforços foram recompensados, então - Hannibal fechou a tampa do pote - E eu lhe agradeço por esse presente, Will. Será muito apreciado, e não apenas pelo gosto.        

Will sabia que Hannibal provavelmente teria gostado dos cookies mesmo que o gosto deles fosse horrível - era a ideia por trás do gesto que ele gostava. O fato de que Will usou o conhecimento e algo que ele aprendeu com Hannibal para fazer essa surpresa.        

— Sabia que você gostaria.        

A expressão de Hannibal era quase terna agora, e isso estava tornando difícil olhar para ele.        

Will estava quase abrindo a boca para quebrar o silêncio, mas antes disso Hannibal virou-se para ele.        

— Por mais que eu adoraria ver você tentar me persuadir a provar mais um, eu devo me retirar agora para pegar um vinho na adega para nosso jantar. Eu acho que hoje pede algo mais especial do que nós geralmente tomamos.        

— Vá em frente, doutor.        

Com um sorriso, Hannibal deixou Will sozinho na cozinha, olhando para as panelas ainda no fogo.        

Olhando para paredes tão familiares, Will permitiu-se um pequeno sorriso. Ganhar a confiança de Hannibal estava sendo mais fácil do que ele inicialmente achou que seria. É claro, ele sabia que não podia ousar pensar que a confiança que Hannibal tinha nele era cega, mas a carne de “porco” que ele providenciara para o jantar faria maravilhas para manter sua faceta assassina para Hannibal - já estava fazendo, julgando pela expressão de satisfação que ele mantinha no rosto desde que Will chegara.        

Os cookies não eram parte do plano, mas Will achou que seria um toque especial; um link para o passado deles mascarado como um presente para o futuro, e Will estava satisfeito por ver que Hannibal reagiu como ele previra.

E se Will sentira-se genuinamente tocado quando Hannibal o elogiou, ninguém fora da sua cabeça precisava saber.

***

Após Will ter sido liberado do hospital, ele praticamente sobreviveu com comida enlatada em seu primeiro mês em casa, considerando que ele mal conseguia entrar em sua cozinha.

Ele só começou a cozinhar novamente quando Winston lhe deu um olhar triste após Will servir outra vez ração enlatada para o bando. A triste resignação que ele viu nos cães foi o suficiente para fazer Will encarar sua cozinha outra vez, ao menos por tempo suficiente para fazer uma refeição decente para seus cães.

Foi difícil a princípio - nada havia acontecido em sua pequena cozinha, mas isso não importava, não quando ele via sangue no chão e cobrindo a sua pia,         não quando ele parecia estar cortando carne humana enquanto ele preparava a comida dos cachorros. Mesmo assim, ele engoliu seu desconforto e fez o que precisava ser feito. Desconforto já era um sentimento familiar, familiar e sem sentido quando as piores coisas que ele um dia temera já haviam acontecido.

No fim do seu segundo mês em casa, ele já havia se adaptado o suficiente para fazer refeições rápidas para si mesmo sem ver sangue em cada canto. Ele ficou feliz de ver as alucinações pararem, mesmo quando elas foram substituídas pela constante companhia de Abigail.

Abigail havia visitado ele algumas vezes no hospital, mas nas duas últimas semanas que ele passou lá ela não apareceu. Ela esteve ausente por tanto tempo que Will chegou a cogitar que ela havia ido atrás de Hannibal sozinha, que ela já havia encontrado ele e estava assombrando-o em ruas europeias ensolaradas. Ele só viu que esse não era o caso quando ele acordou durante uma tarde e encontrou Abigail brincando com Buster e Daisy.        

A princípio Abigail estava quieta, apenas observando a tudo o que Will fazia sem oferecer nenhum comentário. O ferimento em seu pescoço estava sempre aberto agora, mas ela nunca dava atenção para o sangue que pingava de seu pescoço. Will estava aliviado em ver que ela voltou, mas ele não falou com ela nos primeiros dias. Eles eram companheiros de casa silenciosos, vivendo em abençoado isolamento.        

Conforme os dias passaram, Abigail começou a se tornar mais atrevida e mais curiosa, começou a falar com os cachorros e começou a fazer perguntas a Will. Will apreciou a mudança, apreciou a chance de ouvir alguma outra voz além da voz de Hannibal que vivia dentro da sua cabeça. Ela fazia a ele perguntas sérias e perguntas bobas, e ouvia ele por horas e horas, o observando com seus grandes olhos azuis e sorrindo como ela nunca sorria em vida.        

Abigail foi quem teve a ideia de usar o seu barco para ir atrás de Hannibal, e ela até foi com ele para comprar as peças necessárias para arrumar o seu motor. Ela sempre prestava atenção no que estava acontecendo com ele, e não levou muito tempo para ela notar que ele estava evitando ficar na cozinha.        

— É bobagem evitar ficar na cozinha. Não é o tipo de lugar que você pode se dar o luxo de ficar sem.        

Abigail estava sentada numa cadeira perto da porta, observando enquanto Will rapidamente lavava as panelas que ele usara para fazer o almoço dos cães.        

— Eu não planejo evitá-las para sempre, mas as associações ainda são muito recentes na minha mente.        

Abigail deu um sorriso triste; ele sabia que ela também se lembrava do som dos suspiros desesperados dela, do som da respiração falha dele, o som dos passos de Hannibal se afastando conforme ele os deixava para trás.        

— Ainda assim - ela virou a cabeça de lado; o ferimento em seu pescoço estava fechado hoje, e Will se sentia grato por aquele detalhe - Não foi nem nessa cozinha. Já é tempo de você superar isso. Eu estou com vontade de ter uma refeição mais elaborada hoje.        

Will sorriu diante da atitude dela.        

— Eu sou o pai errado para isso, Abigail. Nunca fui muito bom com pratos requintados.        

Ela revirou os olhos pra ele.        

— Isso é besteira, e você sabe disso. Mas tudo bem! Você pode ao menos fazer pra mim alguns docinhos.        

— Eu não sou muito bom com sobremesas - ele disse, balançando a cabeça.        

— Você pode fazer pra mim aqueles cookies italianos que o Hannibal te ensinou.        

— Não.        

Abigail não pareceu impressionada com a sua negação imediata.        

— Por que não?        

— Você sabe por quê.        

— Oh, por favor. Por que isso te lembra dele? Nesses dias, não tem nada que não lembre ele para você.        

As palavras de Abigail eram bruscas e dolorosas, mas o seu tom não era cruel, apenas o tom de alguém que sabia a verdade em suas palavras, e Will não pode se convencer a sentir raiva dela.        

— Mas você nem come - Will tentou argumentar com ela.        

— Você come - ela deu de ombros - E se eu estou querendo alguns doces, você provavelmente também está.        

Will suspirou, relutante em ver a verdade nas palavras dela. Fazia dias que ele estava com vontade de comer algo doce, mas ele havia rejeitado a ideia logo após ela ter se formado em sua mente. Ele nunca teria considerado agir se Abigail não estivesse olhando para ele com uma expressão suplicante.        

No final, ele acabou cedendo - ele não conseguia negar nada para Abigail nesses dias. Ele se sentia terrivelmente culpado toda vez que ele pensava em dizer não pra ela.        

Will tentou focar apenas nos aspectos mecânicos do que ele estava fazendo, apenas prestando atenção na maneira que os ingredientes se misturavam e em Abigail, assistindo ele com uma expressão presunçosa. Ela se comportou durante o tempo todo em que ele fez a massa, e só abriu a boca quando ele colocou os cookies no forno.        

— Você acha que esse seria o tipo de vida que nós teríamos? Preparando refeições juntos, indo para lugares turísticos como americanos tolos, realmente nos conhecendo, todos nós?        

Will sorriu tristemente.        

— Eu acho que teria muito mais sangue e tripas nessa bonita fantasia.        

— Mas nunca é só uma coisa com ele, não é? Ele sempre tem objetivos paradoxais quando nós somos o assunto.        

Paradoxal era um eufemismo, quando o passatempo favorito de Hannibal parecia ser machucá-lo apenas para se a pessoa a cuidar dele até ele ficar bom de novo. Ou ao menos costumava ser, até Hannibal se cansar de brincar com ele e destruir o jogo.        

— Eu costumava pensar assim, também - Will suspirou.        

As palavras de Abigail fizeram Will se lembrar do dia em que Hannibal lhe ensinou essa receita, do quão deliciado ele parecia estar. Essa memória deveria estar manchada pela traição, pela certeza que a amizade deles realmente nunca significou nada para Hannibal além de um jogo, um estímulo mental, mas a única coisa que ele sentia era tristeza quando ele pensava nisso. Ele se sentia magoado, abandonado pela única pessoa que havia verdadeiramente visto quem ele era, que conhecia todos os seus lados.        

— Eu acho que é uma pena nós nunca termos cozinhado juntos, todos nós - Abigail suspirou, suas sobrancelhas se franzindo - Teria sido legal.

— Teria.

— Você deveria dizer isso a ele, quando nós encontrarmos ele de novo.

Will ergueu as duas sobrancelhas.

— Por que eu faria isso?

— Não há maneira melhor de machucar um homem como Hannibal do que palavras.

— Perdão?

— Hannibal respira em sangue. Ele regozija com violência. Violência nunca vai seriamente afetar ele, mas palavras alcançam sua alma, e a alma dele é  talvez o único lugar onde ele ainda é um pouco humano, um pouco fraco. Um pouco vulnerável.

Will olhou para o rosto dela, então - não era uma observação cruel ou maliciosa. Ela disse essas palavras em um tom calmo, quase entediado. Abigail estava sempre calma agora, o que fazia ela uma fonte de estabilidade em seus piores dias, apenar dele odiar usar ela dessa maneira.

— Eu posso pensar em outras maneiras.

Na verdade, Will não tinha ideia do que ele faria quando ele visse Hannibal outra vez. Às vezes ele achava que ele colocaria seus braços ao redor dele e jamais o deixaria partir novamente. Às vezes ele achava que ele iria cortar sua garganta e o deixar sangrar a seus pés, só para ver se Abigail gostava da visão. Qualquer uma das opções parecia boa, dependendo do seu humor.

— Nenhuma mais eficiente do que essa, e você sabe disso.

Will balançou a cabeça, mas ele não estava descartando as palavras dela.

— Eu achei que você queria ir com ele.

— Eu quero ir com ele - Abigail deu de ombros - Mas eu não sou contra fazer ele sofrer um pouquinho antes de ceder. É o mínimo que ele merece, depois de nos abandonar. E nós dois sabemos que ele nunca vai se desculpar por nada que ele fez.

Will fechou os olhos, vendo Hannibal por trás de suas pálpebras. Eviscerando ele e o perdoando. Derrubando ele de seus braços e pedindo perdão ao mesmo tempo.

— Não - ele disse, suavemente - Ele nunca vai se desculpar.

Abigail se tornou quieta depois disso, apenas observando Will tirar os cookies do forno e colocar cobertura neles. Ela até ficou com ele enquanto ele comia alguns; o gosto estava bom, mas o sabor cítrico estava muito mais azedo do que das outras vezes que ele fez a receita.

Depois, quando Abigail foi embora (para qual fosse o lugar que ela ia quando não estava com Will), Will colocou os cookies no fundo do seu armário de cozinha, torcendo para que eles apodrecessem antes que Abigail se lembrasse de perguntar sobre eles outra vez.


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Notas finais do capítulo

Terceiro e último capítulo vem dentro de alguns dias.



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