Minha teoria sobre o país das maravilhas escrita por Hey Juliet


Capítulo 3
2


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa meus amores
Muitas muitas desculpas pela demora. E eu queria ter alguma desculpa mais elaborada que a mesma desculpa de "escola, vida corrida" de sempre, mas eu não tenho. Infelizmente. Só uma promessa que eu espero realmente, realmente cumprir de que o próximo capítulo venha mais rápido dessa vez.
Mass enfim
Espero que vocês gostem, deixem rewies, sejam felizes e Feliz Setembro ( dia 16 é meu aniversário, tá gente?)
Beijooos



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“Não havia nada de tão notável nisso; nem Alice achou tão extraordinário ouvir o Coelho murmurar para si mesmo: ‘Ai, meu Deus!Ai meu Deus!Vou chegar muito atrasado’. Quando pensou nisso bem mais tarde, ocorreu-lhe que devia ter se espantado; na hora pareceu-lhe muito natural”

Olhando para a rua molhada e todas as palavras que vinham a minha mente se relacionavam indiretamente com o adjetivo “patético”.  Porque naquele outono, com as folhas caindo, os cachecóis esvoaçando, as neblinas traiçoeiras e as garoas repentinas; tudo era complemente triste e patético no meu olhar.

Mas nem sempre foi assim.

Havia um tempo em que eu adorava o outono. Amava essa estação do ano com cada gota de adoração que eu tinha.Todos os aspectos do outono traziam um significado diferenciado. As folhas caindo eram um sinal de renovação; os cachecóis esvoaçando eram pontinhos de cores radiantes no meio do cinza das calçadas e do marrom das árvores; as neblinas traiçoeiras apenas escondiam as melhores surpresas; e as garoas repentinas eram apenas uma promessa de que o inverno estava quase chegando.

Eu adorava o outono.

Agora, eu só via tristeza e imundice nessa época do ano.

Naquela tarde, uma hora após os detetives irem embora, eu decidi que ficar naquela casa estava me fazendo sentir claustrofóbica. Ao redor do meu quarto, cada coisinha trazia alguma lembrança relacionada a Felicity ou relacionada a algum momento que ela estava, no mínimo, nos bastidores da situação. E eu não aguentava aquele lembrete permanente. Eu não o queria.

Então eu fui embora. Coloquei o meu cachecol vermelho – Felicity odiava esse cachecol – no pescoço, peguei minhas chaves e fui embora. Não sei bem para onde, mas o ar frio de outono que bateu no meu rosto no instante que coloquei meus pés para fora de casa me fez sentir muito melhor.

Durante todo o tempo que passei andando pelas ruas da cidade, não pensei aonde ia. Simplesmente fui andando. Meus pés me guiavam como se quisessem dar férias para meu cérebro. E eu andei, andei, andei, andei. Enquanto pensava sobre as ruas, os cachecóis e os outonos.

Devo ter passado por algumas pessoas conhecidas no caminho, mas automaticamente abaixei a cabeça e acelerei o passo nessas ocasiões. Passei mais tempo olhando para a calçada do que para os lados. E esse comportamento não foi um problema significativo já que meus pés me guiavam com uma confiança de que sabiam exatamente para onde estavam indo.

De tamanha atenção que eu não estava prestando durante o caminho, praticamente tropecei quando meus pés pararam de me guiar e meu cérebro finalmente voltou a comandar meu corpo.

E quando parei para olhar para os lados e reconhecer aonde meu subconsciente tinha me levado, xinguei em alta e clara voz, sem me importar de estar em solo sagrado.

A grama estava muito molhada e eu quase senti vontade de vomitar. As barracas ainda estavam montadas da última quermesse, mesmo que todas estivessem vazias e sem as tendas coloridas. As duas torres brancas se erguiam orgulhosamente brilhantes, como se nenhuma massa de frio ou morte pudesse lhe abalar. E não sei a razão, mas os azulejos caros e as poucas pedras preciosas ao redor da porta – parecendo um convite chamativo – pareciam ainda mais brilhantes que o de costume.

Fiquei uns cinco minutos parada lá. Olhando,ouvindo e respirando com a respiração pesada.

Por causa do frio ou por causa do que tudo aquilo me lembrava?

Eu ouvia as vozes cantando as canções que Felicity costumava cantar todo santo dia. Meu coração se acelerou como se tivesse tentando ultrapassar a velocidade das batidas da bateria do órgão . As melodias, as letras, as promessas sagradas já conhecidas por mim faziam alguma coisa se revirar dentro do meu estômago.

Culpa?

Eu nunca realmente gostei daquele lugar, mas passava a maior parte dos meus dias lá. Num lugar onde meus pensamentos deveriam ser completamente voltados ao amor a alguém que eu nem sabia se realmente acreditava.

Talvez aquela coisa estranha no meu estômago fosse realmente pura culpa.

E talvez por isso que meus pés novamente tomaram a rédea do meu corpo e me levaram, passo por passo, até aquelas portas gigantescas. E eu realizei a caminhada de vinte e cinco passos em 10 segundos, tentando ignorar aquele sentimento, aquelas lembranças e aquela vontade de vomitar que não me abandonava.

Mas eu não consegui atravessar aquela linha entre o dentro daquele lugar e o fora.

As portas abertas pareciam convidativas mas quando me coloquei a alguns milímetros de distância daquele chão sagrado, senti um choque atravessando meu corpo inteiro. Como se uma cobra em forma de eletricidade estivesse se enrolando nos meus ossos e os esmagando com calma, eu senti uma estranha pontada dentro de mim que nunca tinha experimentado antes.

Aquilo tudo era culpa?

Respirei com calma, dei dois passos para trás e fiquei encarando a linha divisória, pensando se deveria entrar ou ficar para fora.

Mas aquele pensamento me fez sentir algo realmente, realmente errado comigo. Algo como uma premonição subjetiva percorrendo meus pensamentos.

O que tinha de errado?

“ Talvez simplesmente não seja certo ir sem ela”

Respirei fundo, repetindo para mim mesma que não havia nada de significante ali e seria bem menos doloroso para mim mesmo simplesmente ir embora.

Virei as costas sem dificuldade e dei o primeiro passo em direção a qualquer lugar que fosse longe dali.

Comecei a andar pensando que o Padre havia me chamado.

Mas continuei andando mesmo assim.

 (...)

“Aquelas fritas? Salmonela. Aquela água? Salmonela. E, por santo Deus, aquele x-burger é pura salmonela.”

Ela ia apontando para todas as comidas que a lanchonete servia enquanto lia o cardápio engordurado.

Levantei minha sobremesa.

“E o milk-shake?”

Ela levantou o dela – de chocolate; enquanto o meu era de morando – e tomou um longo gole.

“Ah, isso é completamente diferente”

(...)

O cardápio continuava engordurado como sempre.

 E por mais que as janelas estivessem embaçadas, o ar-condicionado ligado ( estava 10 graus lá fora, pelo amor de Deus), a limpeza do lugar fosse realmente duvidosa e Augusto não tivesse parado de olhar para mim desde o momento quando eu pisei na Lanchonete de Esquina( péssimo nome, péssima limpeza e péssima comida com exceção do milk-shake; por que eu ia lá mesmo?); eu gostava daquele lugar e ia lá praticamente todo dia desde que comecei a frequentar a instituição religiosa que ficava do outro lado da praça.

A Praça Central era um dos principais pontos turísticos que tínhamos lá.Na verdade, era mais como o único ponto turístico. Era o nosso Cristo Redentor em Abençoada.  Os 500 m² de grama verde, sempre devidamente cuidada e cortada, era o local de encontro do grupo de mães e também do encontro geral dos drogados da cidade(todo dia, depois das 22h, perto do gazebo). A praça era bem antiga e simples, mas ficava no exato centro da cidade e todas as lojas razoavelmente importantes para a economia local foram se construindo ao seu redor com o passar do tempo.

A Religiosidade ficava do outro lado da Lanchonete de Esquina.Da minha mesa perto da janela, eu conseguia ver as torres, as pessoas e quando um silêncio ocasional se espalhava, eu conseguia até ouvir o órgão tocando. Naquele momento, era o exato contanto que eu precisava ter de lá. Não sei bem o porque.

— Tá frio pra cacete lá fora, mas imaginei que o frio não iria interferir no seu paladar.

Não levantei meu olhar, mas sorri levemente quando o milk-shake foi colocado bem na minha frente.

— Não mesmo – respondi.

Ainda com minha cabeça baixa, ouvi os passos se afastando rapidamente em direção a cozinha. Levei minha boca ao canudinho e senti toda a minha tensão dos últimos três dias indo embora quando o primeiro gole da minha bebida chegou a minha garganta, tão gelada como se alguém tivesse esfregando gelo puro nas minhas amídalas.

Levantando o olhar, vi que eu era a única cliente ali. O relógio da parede marcava 16;02, o que justificava a falta de movimentação. Os últimos resquícios de pessoas para o almoço tinham ido embora há uma hora e as primeiras para o café da tarde chegariam logo.

O relógio da parede, eu chupando o no canudinho e os movimentos de Augusto começando a limpar as mesas eram os únicos barulhos no local. Houve um tempo que a TV passava uma boa parte do dia ligada, mais chiando do que transmitindo algum som, mas alguns meses antes o proprietário tinha mandado Augusto  deixar o aparelho desligado durante o dia; o que fazia a Lanchonete ficar bem silenciosa.

Por essa razão eu quase caí da cadeira quando Augusto interrompeu o silêncio e falou:

 – Eu não entendo porque pedir um milk-shake com esse clima.

Talvez eu estivesse olhando discretamente os músculos do braço dele se flexionando e relaxando conforme limpava as mesas .E talvez eu me sentisse extremamente envergonhada por estar fazendo isso. Mas eu tinha o costume de ir naquele lugar todo santo dia com Felicity, que era uma das pessoas mais taradas que eu conhecia. Depois de alguns meses, acabei pegando a mania.

Tentando não olhar para ele diretamente, com intenção de esconder o rubor que subia pelas minhas bochechas, fingi estar muito concentrada mexendo na minha bebida e respondi:

  –Seria muito mais lógico pedir um mil-shake se você simplesmente ligasse o aquecedor em vez do ar condicionado.

— Ou você poderia simplesmente colocar um casaco razoavelmente quente como qualquer pessoa normal e aí eu poderia te fazer um chocolate quente.

Levantando a cabeça, respondi:

 – Não usar casacos como aquele é a minha maneira de protestar contra a caça injusta aos animais simplesmente por uma questão de moda.

Ele não me encarava mais, pois tentava limpar uma das prateleiras altas e precisava ficar de costas para minha pessoa. Mas me respondeu categoricamente:

 – Acho que o máximo de comoção que você vai causar ao governo não comprando um casaco de pele será os custos públicos do seu enterro no cemitério municipal, depois de uma rápida e dolorosa morte por hipotermia.

 – Você realmente poderia se preocupar em pensar menos em como desenvolver frases para esconder sua evidente obsessão comigo.

 – Ó, minha lady, como farei isso se meus pensamentos orbitam em torno de teu coração?

Ele revirou os olhos e foi embora, novamente em direção a cozinha.

Sorri e terminei de tomar meu milk-shake de morango.

(...)

O céu já tinha começado a escurecer quando eu saí da Lanchonete.

Fiquei uns 20 minutos enrolando lá mesmo depois de terminar de tomar meu milk-shake, na esperança de que Augusto trocasse mais algumas palavras comigo; o que não aconteceu. Ele ficou na cozinha todo o tempo depois daquela conversa e só saiu rapidamente quando os clientes do café da tarde começaram a chegar.Mas logo voltou para a cozinha também. Então larguei uma nota de R$ 5,00 em cima do balcão e fui embora.

A minha casa ficava a 15 minutos da Praça Central a pé, e a minha cidade sendo a centésima-alguma-coisa menor cidade do estado de São Paulo, não tinha praticamente nenhuma criminalidade. Por isso mesmo, fui andando com calma por entre as ruas de pedras e pensando com quanto aquele lugar se parecia às vezes com aquelas cidades italianas românticas que apareciam em filmes americanos.

Algumas quadras antes de chegar na minha casa, me abaixei para pegar uma pétala vermelha que estava no chão. Era até poético, já que a mesma se encontrava devidamente deitada e sozinha em um filete de pedras no meio da rua. Uma pétala só. Me perguntei se o vento não poderia tê-la trago, mas logo o pensamento foi substituído quando meu estômago roncou de fome. Apertei o passo.

Alguns passos depois, ainda sentindo aquela sensação no estômago, recolhi outra pétala  vermelha do chão. Exatamente como a outra, alguns metros depois. Cheguei a conclusão que o vento de mais cedo provavelmente tinha prejudicado o jardim de alguém que morava ali por perto, espalhando as pétalas das roseiras por toda a vizinhança.

Mas o vento nem tinha sido tão forte assim.

Ignorando a sensação no estômago e apertando o nó do cachecol ao redor do meu pescoço, andei mais alguns metros.

Olhando diretamente para a calçada dessa vez, recolhi mais três pétalas vermelhas nos próximos três minutos.Todas como se estivessem devidamente encaixadas na calçada. Foi então que eu percebi que aquela sensação no meu estômago não era realmente fome, mas meu bom senso dizendo que alguma coisa estava se mostrando estranha.

Então eu virei a esquina da rua da minha casa.

Andando lentamente os primeiros passos, franzi meu cenho quando observei a rua que se seguia e observei um padrão se estendendo pelo chão.

Um caminho de pétalas vermelhas.

Um longo caminho de pétalas vermelhas, que seriam realmente bonitas se, estranhamente, não se encontrassem devidamente colocadas uma em cada pedra da calçada.Cada posterior extremamente na frente da anterior, como se alguém as tivesse colocado organizadamente em fila.

Com o olhar, seguindo a coloração vermelha pela calçada, senti um frio na espinha quando reconheci aquele padrão enfileirado de pétalas como um caminho a ser seguido.

Diretamente para a minha casa.


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