O Último Reino Antes do Fim escrita por Cherry_hi


Capítulo 10
Ato 10 - A Hime e os mistérios de Seitomura


Notas iniciais do capítulo

Disclaimer: Sakura Cardcaptor e seus personagens pertencem ao CLAMP



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O Último Reino Antes do Fim

Escrito por: Cherry_hi

Revisado por: Yoruki Hiiragizawa

Ato 10 - A Hime e os mistérios de Seitomura

 

Ela estava em pé, numa estranha caixa metálica. Olhava para um painel colorido onde alguns números não paravam de subir. Segurava um pacote comprido nas mãos, para o qual olhava com carinho. Virou-se para trás e viu um grande espelho, onde arrumou o cabelo. Aparentava ter uns 10, 11 anos de idade.

Ela sentiu um tranco leve e ouviu uma espécie de sininho, enquanto o que pensava ser uma parede sólida de metal a sua frente deslizou pro lado e revelou um pequeno corredor. Ela caminhou até uma porta e tocou um botão. Segundos depois, a porta se abriu e ela viu um garoto da sua idade… ele parecia nervoso… “Encontre-nos… onde as almas…”

Um nevoeiro branco tomou conta do lugar e ela não conseguia ver nada. O mesmo nevoeiro branco do sonho do Abismo…

“Encontre-nos… onde as almas… des…”

O nevoeiro passou e agora ela estava sentada em um sofá, entregando o pacote que segurava para o garoto, que parecia surpreso…

“Por que você está me dando isso?” ele perguntou, com uma voz que lhe era familiar.

“Porque você me deu o chocolate no dia dos namorados” Ela respondeu, com simplicidade. O garoto ficou vermelho, muito vermelho.

“Como assim? Como você sabe?!”

“Estava na caixa de cor… Encontre-nos… Espelho… Encontre-nos”

O rosto do garoto entrava e saia de foco, como se ele estivesse no meio da neblina. Ela via vagamente a expressão transtornada e a boca se mexer, mas não conseguia escutar o que ele dizia… A névoa branca se misturava com selvageria, e a voz continuava a repetir “Encontre-nos… encontre-nos”...

“...muito bonzinho” pôde ouvir a garota dizer com a voz muito distante enquanto sorria para o garoto, que continuava embaraçado e agora segurava uma caixinha de palitos nas mãos…

“Tenho cert... a pessoa de quem... também gosta de voc…”

A névoa parecia agora mais violenta do que nunca. Ela encobriu o rosto do garoto, da garota, os móveis, as paredes… tudo… Só havia branco… e a voz…

“Encontre-nos… espelho… desc…”

A Hime acordou com um som oco de madeira batendo. Demorou alguns segundos para se lembrar de onde estava e que aquele barulho provavelmente era de alguém batendo na porta. Ouviu um farfalhar e ela viu pelos olhos entreabertos Tomoyo, já completamente vestida, apressar-se para atender. Repentinamente, Kero entrou no seu campo de visão e, muito rápido, pegou as pontas das cobertas da Hime e a cobriu dos pés a cabeça, levando a mão na boca e pedindo que ela ficasse quieta. Ela escutou Tomoyo abrindo a porta e duas vozes conversando, rapidamente. A amiga da Hime deu uma risadinha e então a porta pareceu ter sido fechada outra vez. Logo em seguida, falou:

— Pode sair, Kero-chan. Ela já foi.

— Quem era? - Ele perguntou, enquanto a Hime se sentava na cama, esfregando os olhos.

— Okuma-san.

A Hime parou no meio de um bocejo, sentindo seu estômago se revirar e as bochechas arderem levemente. Limpando a garganta, perguntou:

— E o que ela queria? Não me diga que Kurōkami-senpai está querendo me atormentar até no domingo! - Ela claramente notou que sua voz tremeu ligeiramente ao falar o nome do rapaz, mas resolveu ignorar.

— Não exatamente. Okuma-san realmente veio em nome dele, mas pediu somente para lhe entregar isso aqui. - Ela estendeu um embrulho retangular que a Hime pegou, curiosa.

Suas bochechas arderam ainda mais quando reconheceu a capa de “Poder Real”. Havia um pedaço de papel sobressaindo pelo livro fechado e ela puxou delicadamente. Numa caligrafia firme e ligeiramente inclinada para a esquerda, estava escrito:

“Não esqueça de devolvê-lo. Espero que aproveite a leitura. Kurōkami Chiisa.”

A Hime sentiu um sorrisinho bobo se formar em seu rosto involuntariamente.

— Por que você está sorrindo assim? - Kero perguntou imediatamente e a Hime sentiu as bochechas esquentarem mais um grau.

— Er… nada não. Gosto bastante desse livro, só isso.

— Mas você sorriu depois de ler esse bilhete. O que tem escrito aí?

Antes que a Hime pudesse pensar em alguma coisa, Tomoyo interferiu:

— Kero-chan, será que você poderia pedir para a Flower-san adiar a reunião de hoje para depois do almoço? Creio que a Hime vai precisar de um tempinho para ler este livro.

O pequeno guardião gemeu.

— Ah, não, Tomoyo-chan!

— Por favor, Kero-chan. Se não fizer isso, ela e Watery-san e Glow-san farão um caminho desnecessário até o ponto de encontro e poderão ficar preocupadas. Além disso, Flower-san me disse que queria experimentar uma nova receita de bolo hoje, mas que provavelmente não poderia fazer por causa da reunião. Acho que agora ela teria tempo para…

— Ah, está bem, eu vou!!! - Kero falou, exasperado, mas claramente se notava que sua motivação mudou a menção da palavra “bolo”.

— Obrigada, Kero-chan! Marque para as duas da tarde, sim?

— Claro!

O guardião abriu uma frestinha da imensa janela do quarto das meninas, olhando para os lados. Em seguida, sumiu pelo jardim.

— Obrigada, Tomoyo-chan…

Mas percebeu que agradeceu cedo demais, porque logo em seguida a morena pegou suas costuras e se sentou na beira da cama da Hime, fitando-a com um olhar maroto.

— Então… o que tem escrito nesse papel para você ficar com esse sorrisinho de alegria?

— Tomoyo-chan! Você também?? - Ela gemeu, tentando disfarçar o embaraço que sentia.

— Hihihi… sim! E vai perceber que sou muito mais insistente que o Kero-chan!

— E qual é o propósito disso tudo?

A morena sorriu, misteriosa, e voltou seus olhos para suas costuras.

— Só estou curiosa, Hanako-chan! Afinal, ontem você fugiu para se esconder de Kurōkami- senpai. Este, por sua vez, após me interpelar na saída da escola ontem, perguntando por você, continuou a procurar com sua persistência notável. E então… - Ela fez uma pausa dramática enquanto faziam um nó na linha com um gesto bastante floreado. - Horas depois, você chega neste mesmo quarto corada, esbaforida e inquieta. Não perguntei nada ontem porque você foi direto para a cama, onde ficou suspirando até finalmente adormecer. E, Hoje, quando recebeu este livro…

— Tomoyo-chan!!! - A Hime quase gritou, na defensiva, cobrindo-se com o lençol, já que obviamente não poderia enterrar sua cabeça no chão de madeira do quarto.

A morena não se deixou intimidar e puxou  as coberta de cima da Hime, que tentou resistir. Segundos depois, Tomoyo jogava os lençóis da Hime em outra cama.

— Isso só confirma minha teoria, Hanako-chan.

— Que teoria? - A Hime resmungou, abraçando os joelhos.

— Que ele gosta de você… e que você gosta dele.

— Até onde eu sei, você achava apenas que ele gostava de mim!! De onde tirou a ideia de que EU gosto dele?

— Eu atualizei minha teoria há dez minutos, quando você sorriu para esse bilhete. - Tomoyo espetou a agulha numa almofadinha e tirou seu bloco de desenho do bolsão do avental. Rabiscou durante alguns minutos e então mostrou a Hime um esboço do seu próprio rosto, com o sorriso mais sonso que já vira na vida. - Você estava exatamente assim!

— Que exagero, Tomoyo-chan!!!

— Se eu mostrar para Kero-chan, ele vai concordar comigo…

— Pelos céus, NÃO!!!!! - A voz da Hime saiu muito aguda.

— Está bem, então… não vou mostrar pra ele, mas estou determinada a descobrir a verdade, Hanako-chan!!

— Eu não vou falar nada!!

— Não vai ser preciso. Seus 50 tons de vermelho nas bochechas vão me dizer o que quero saber. - Tomoyo cruzou as pernas e apoiou o cotovelo na de cima, sustentando com a mão o rosto pensativo e divertido que perscrutava cada nuance de seu olhar constrangido. - Vamos ver… imagino que você não deva ter feito um bom trabalho se escondendo e ele a encontrou.

A Hime não falou nada, mas se amaldiçoou por sentir as bochechas esquentarem um pouquinho mais.

— Sim, foi isso. Agora… se me lembro bem, você comentou que havia retirado um livro bastante interessante da biblioteca. Só que a maioria dos livros de magia estão nas sessões reservadas… aposto que este aí está… - Ela apontou para o livro, sem tirar os olhos da Hime - Com certeza um rapaz tão apegado às regras deve ter percebido que você fez coisa errada… possivelmente vocês andaram brigando… Mas isso não explica porque você voltou toda excitada ontem…

— EU NÂO ESTAVA EXCITADA!! - Ela gritou, embora seu rosto absurdamente corado dissesse o contrário. E Tomoyo sabia disso…

— E hoje… Okuma-san veio trazer um livro de magia que obviamente é da biblioteca, da sessão reservada… da parte de Kurōkami senpai… algo aconteceu depois da briga. Vocês conversaram? - As bochechas da Hime passaram de vermelho vinho para vermelho tomate. - Não… não foi só isso. Será que… vocês… se beijaram?

De vermelho tomate, o rosto da Hime ficou quase roxo.

— SIM!!! Pelos céus!!! Vocês se beijaram!!! - Tomoyo falou, super excitada.

— NÃÃÃÃO!!! AGENTENÃOSEBEIJOU!!!!! - Tomoyo ficou olhando insistentemente para a Hime, que positivamente sabia que agora todo o sangue de seu corpo estava concentrado na sua cabeça. Acabou completando baixinho. - … porque o relógio da escola tocou e eu fugi.

Tomoyo bateu palmas, parecendo mais excitada ainda.

— Que fofo!!

— Não é nada fofo, Tomoyo!! Eu não devia… me sentir assim por causa dele! Ele é um mala!! Chato, mandão, certinho…

— MAAASS… você gosta dele, Hime-sama! - Tomoyo cantarolou, dando risadinhas. - A gente não escolhe por quem se apaixona.

A Hime afundou a cabeça no travesseiro.

— Por que não me conta o que aconteceu ontem, detalhadamente? Senão vou ficar enchendo seu saco o dia inteiro…

Demorou mais uns quinze minutos e muita persistência até finalmente a Hime contar, tintim por tintim, o que acontecera na tarde anterior. Quando terminou, Tomoyo estava com os olhos brilhantes de empolgação.

— Que lindo!! Vocês se gostam!!

— E onde que isso é bom, Tomoyo-chan?! - A Hime perguntou, angustiada e constrangida. - Se eu fosse uma estudante regular do colegial, que tem planos de terminar a escola e seguir com uma vida normal seria ótimo!! Mas eu sou a Hime, que tem que salvar o mundo o mais rápido possível!! Estar gostando de um cara que daqui a um tempo eu nunca mais vou ver certamente é doloroso! E o mesmo vale pra ele!

Tomoyo pareceu surpresa e comovida pelas palavras da Hime. Hesitante, ela disse:

— Sinto muito, querida. Não havia pensado por esse ponto. Eu só acho maravilhoso ter o sentimento correspondido.

A Hime continuou calada, parecendo triste.

— Prometo a você que não vou tocar mais nesse assunto. - Ela colocou as mãos sobre os ombros da Hime. - Mas se você precisar conversar ou desabafar, saiba que estou aqui.

— Obrigada, Tomoyo-chan. - A Hime conseguiu sorrir um pouco, mas por dentro se sentia desolada. - E Por favor, não conta para Watery, nem para a Glow e para a Flower. E pro Kero, muito menos pro Kero!!

— Hehehe… minha boca será silenciosa como um túmulo. - Tomoyo sorriu, mais animada de novo, mudando de assunto. - Então… sobre o que é esse livro?

— Hime-sama, vamos tentar mais uma vez! - Falou Flower, em sua forma verdadeira, em posição ao redor da Hime, juntamente com Glow, Watery, Sword e Kero. - Estou bastante satisfeita com o seu desempenho, mas agora eu e Watery vamos nos esforçar de verdade para tentar tirá-la da abstração!

— Mais esforço que isso só se eu afogá-la, Flower! - Resmungou Watery.

— Bom… que tal fingir que vai afogá-la?

— Hunf!

— Vamos tentar outra vez.

A Hime deu um suspiro profundo e fechou os olhos. Por um instante, escutou e sentiu Watery e Flower utilizando seus poderes, preparando-se para atacá-la. Mas então, sincronizou seus pensamentos com sua respiração e mais uma vez, achou aquela luz intensa que brilhava em seu peito e expandiu-a através de seu corpo, até que cada centímetro seu estivesse banhado com aquela energia cálida. Embora não pudesse ver, sabia que um circulo mágico surgiu aos seus pés, de luzes douradas que projetava símbolos, alguns estranhos que não tinha ideia do que seriam, mas outros que lhe pareciam familiares, embora nunca os tivesse visto antes. Fez essa luz pulsar por todo o seus corpo e concentrou-se somente nela. Nem sentiu Watery lançar um poderosíssimo jato de água em sua direção, que simplesmente se desviou pelos seus dois lados. Muito menos quando Flower lhe atacou, usando rosas cheias de espinhos, que pareciam passar através de seu corpo. Depois de alguns minutos, ela fez o círculo mágico desaparecer e voltou a abrir os olhos. Flower estava sorrindo de orelha a orelha

— Muito bom, Hime-sama! Você conseguiu dominar esta técnica muito bem.

— Ahhh… obrigada… - Ela agradeceu o elogio, encabulada.

— E imagino que você não esteja muito cansada também.

— Sim… é como se eu tivesse acabado de realizar uma corrida pequena. Cansada, mas não muito.

— Isso é ótimo, mas ainda estamos muito longe do ideal. - Watery ponderou. - Embora a Abstração seja uma boa técnica para ser usada em emergências, é demorada e não permite ataque. Receio que as coisas fiquem mais difíceis agora.

— Pelo que vejo no livro... - Kero falou, folheando as páginas de “Poder Real” - A Hime possui muitos poderes: “Meditação de fortalecimento”, “Foco individual e coletivo”, “Inibição”, “Absorção e distribuição”... Esse aqui parece bastante interessante… “Localização e Rastreamento”.

— Do que se trata? - Hime Ajoelhou onde Kero estava, para poder ler juntamente com o guardião. - Acho que ainda não cheguei nessa parte.

— Resumidamente, é a habilidade de procurar e reconhecer outros seres mágicos a uma distância limitada. Segundo o autor do livro, “Apenas os herdeiros da família Real possuem a capacidade de localizar e rastrear outros seres mágicos de poder inferior ao seu, numa determinada área de atuação. Quanto maior a força de vontade e poder, maior será a área atingida. Inclusive, é possível localizar seres não mágicos quando estes são familiarizados com o usuário de magia”.

— Isso é excelente!!! - Aprovou Glow, batendo suas pequenas mãozinhas excitadamente. - Isso significa que a Hime pode localizar os Conselheiros que faltam!!

— Como também prever se os comensais de Phobos estão por perto. - completou Watery, sombriamente.

A Hime pegou o livro do chão e passou os olhos rapidamente sobre os textos.

— Não parece muito mais difícil que a Abstração… mas é preciso sentir as diferentes presenças entre os seres mágicos e não mágicos…

— Acho que por hoje já chega. - Flower falou repentinamente, voltando a sua forma humana, ajeitando os óculos falsos no rosto - A Hime precisa descansar um pouco.

Glow e Watery também se transformaram e esta última suprimiu um bocejo.

— Como eu gostaria de voltar e me deitar para dormir o resto do domingo, mas minha professora me passou uma montanha de deveres de casa.

— E eu preciso falar com uma colega minha sobre um trabalho que será apresentado amanhã. - Glow replicou, animada.

— Não sei como você pode gostar tanto de estudar!!

— Oh, mas é tão bom!!

— Acho melhor irmos andando então. - Concluiu Flower, com uma risadinha.

Depois de quase uma semana, parecia que finalmente haviam encontrado um lugar para a Hime fortalecer seus poderes, sem correrem o risco de serem descobertas. Tratava-se de um pequeno bosque entre o muro da cidade e o Primário 4. Era denso o suficiente para que a luz do círculo mágico não chamasse atenção e quase ninguém ia para aqueles lados. Enquanto desviavam das árvores muito juntas e cheia de folhas, Watery e Glow ainda conversavam sobre os méritos e desvantagens de estudar.

— Mas a gente estuda um monte de coisas que nunca mais veremos na vida, Glow! - Ia dizendo Watery. - Se eu fosse para a faculdade de Direito, pra que eu preciso aprender leis da física?!

— E como você vai saber que gosta mais de direito do que de física se você não estudar os dois??

— E se você souber desde criança que você quer ser advogada?

— Ah não, Watery! Criança mal sabe o que quer comer no jantar imagina o que vai querer ser quando crescer! Terada-sensei disse que ainda acha que temos que fazer esse tipo de escolha muito cedo. - A Hime franziu as sobrancelhas. Aonde já tinha ouvido o nome daquele professor antes? - Que deveríamos ter ao menos uns vinte anos antes de definirmos o tipo de carreira que vamos ter para o resto de nossas vidas!

— Acho que concordo com ele… mas, ainda assim, não vejo a praticidade de se estudar certas matérias… matemática, culinária, botânica…

— Ei!! Botânica é importante sim! - Protestou Flower, entrando na conversa. - Como você vai saber a diferença entre uma flor comestível e outra venenosa?

— E em que momento da minha vida vou precisar usar esse tipo de conhecimento inútil?

— Que tal enquanto viajamos pelo Reino por bosques e florestas sem restaurantes ou estalagens por perto? - Respondeu Glow, astutamente.

— Não preciso disso quando tenho Kerberus e seu faro impecável para comidas.

— Apesar do tom sarcástico, não posso negar que é verdade. - Kero resmungou.

— Ah!!!

A exclamação da Hime assustou todo mundo que se virou para ela.

— Caramba, tinha me esquecido completamente disso!!

— Do que você está falando? - Flower indagou.

— Da carta da Rika-chan!!! O noivo dela é professor aqui e se chama Terada… bom, não consigo lembrar o nome dele… mas deve ser esse!

— Verdade?? - Glow ficou toda animada. - Acho que o Terada-sensei comentou que realmente estava noivo de uma moça de uma pequena vila.

— Sim. Mas… - Kero franziu a testa num esforço para lembrar da conversa. - Se bem me lembro, esse cara dava aula para a Escola 2. E você está na 3, não é?

—  Sim, Kerberus. Contudo, lembre-se de que alguns professores ficaram presos na Capital e os senseis estão tendo que dar aulas para mais turmas para compensar. - Explicou Flower, bastante séria. - Eu vou ter que começar a dar aulas para as turmas do Ginasial 1 e 2, a partir de amanhã.

— Isso quer dizer que você vai ser minha professora? - Questionou Watery, carrancuda.

— É bem possível! - O sorriso voltou ao rosto da Conselheira das Flores. - Vai ser tãããão legal, Watery-chan-chan!!

— Caramba, para de me chamar disso!!

— Se você quiser, Hime-sama, eu posso entregar a carta! - Glow se ofereceu, mas a Hime balançou a cabeça em negativa.

— Ele iria desconfiar se você chegasse com uma carta da noiva dele assim.

— Então posso deixar em cima da mesa dele a noite. Ele nunca vai saber quem foi.

— Boa ideia, Glow-ch…

Subitamente, elas ouviram uma série de gritos femininos assustados vindos do prédio do Fundamental 4. A Hime se pôs imediatamente em alerta, fazendo o broche se transformar e ficando com a espada na mão. Sem perder tempo, correram para a origem do barulho.

Tomoyo ficara no dormitório terminando de montar um vestido. Estava numa parte delicada da costura, em que a agulha no lugar errado significava refazer todo o trabalho que já levava horas. Felizmente estava no fim e aproveitou a ausência da Hime e de Kero para conseguir finalmente acabar sua obra prima. Na verdade, a Hime não atrapalhava, visto que ela passava a maioria do tempo lendo o livro ou quietamente fazendo seus deveres de casa, mas Kero era uma mini força da natureza. Era impossível fazer o guardião ficar quieto. Então aquele silêncio maravilhoso era uma bênção.

Tudo estava calmo, talvez calmo demais e, inesperadamente, teve a estranha sensação de estar sendo observada. Levantou os olhos do bordado, vasculhando o quarto com seus olhos atentos. As cortinas do janelão estavam abertas, deixando a luz do dia entrar e banhar todo o aposento... Ela apertou os olhos. Ali, num dos cantos, entre os dois guarda-roupas! Havia alguma coisa que se avolumava, uma forma que ela não conseguia distinguir. Tomoyo se levantou, deixando seu bordado cair pelo chão e com o coração batendo rápido em seu peito. Ela se esgueirou pelo quarto, devagar, sem tirar os olhos do vulto. Tateou às cegas, tentando encontrar qualquer coisa que pudesse servir arma. Subitamente, seus pés tropeçaram em um livro e ela soltou um gritinho, tentando recuperar o equilíbrio, finalmente desviando o olhar. Ouviu claramente o som de algo batendo em madeira e, quando voltou a olhar, a… “coisa” havia sumido.

Imediatamente, pegou o livro mais grosso que encontrou e correu para fora do quarto, escancarando a porta. Olhou para os dois lados do corredor, mas aparentemente quem quer que fosse que estava no seu dormitório era muito rápido… Ouviu então um barulho de passos no corredor a sua direita e recomeçou a correr, carregando o livro como se fosse uma arma, suando frio de nervoso, mas com a adrenalina atiçando seus instintos… gritou quando quase bateu em Naoko com o livro ao dobrar a esquina.

— O que você está fazendo, Tomoyo-chan?! - Ela perguntou, pondo uma mão no coração. - Quase me matou de susto!!

— Desculpa, Naoko-chan! É que eu achei que havia alguém… ou alguma coisa no meu quarto…

Se Tomoyo não fosse tão observadora provavelmente não notaria quando a amiga engoliu em seco muito discretamente.

— Sério? E o que parecia ser?

— Não sei. Talvez tenha sido impressão minha… mas andei escutando uns rumores…

— Que rumores?! - O rosto de Naoko adquiriu aquele semblante obstinado que ela já havia visto muitas vezes antes.

— Ah… você sabe… sobre fantasmas e acontecimentos esquisitos. Tem algo muito estranho acontecendo na escola…

— As coisas mudaram muito desde que a Hime fugiu e o Muro foi erguido. - Naoko cruzou os braços, muito séria. Parecia hesitar um pouco, mas então falou. - E… algumas pessoas estão agindo como se não fossem elas mesmas…

Tomoyo, claro, já sabia disso, mas fez uma excelente encenação levantando as sobrancelhas, fingindo surpresa.

— O que você quer dizer??

— Alunos e docentes, que saem nos finais de semana para visitar suas famílias e voltam com uma personalidade completamente diferente. E, em alguns casos, pessoas que retornam a escola depois de anos sem pisar em Seitomura, fingindo que são de outro Continente…

As duas ficaram em silêncio por um longo tempo. Então Tomoyo disse, calmamente:

— Por favor, Naoko-chan. Não faça de mim um de seus “pequenos mistérios”. Tenho meus motivos para ter contado esta mentira.

— Suponho que sim. Ajudar a Hime-sama é realmente louvável de sua parte.

Por um instante, Tomoyo ficou muda de espanto. Embora soubesse que Naoko fosse inteligente, não imaginava que ela pudesse ter matado a charada tão rápido! Abriu a boca para negar, mas a outra foi mais rápida:

— Nem tente negar. Kerberus também está aqui, assim como Watery, Flower e Glow, disfarçadas como alunas de outras escolas.

— Como... você sabe disso? - Foi a vez de Tomoyo cruzar os braços, desconfiada. Naoko deu de ombros.

— Você sabe que, quando fico desconfiada de alguma coisa, eu vou até o fim para descobrir a verdade. A Hime foi vista se encontrando com essas alunas em várias partes da escola durante a semana e, ultimamente, aquela floresta perto do muro da cidade se tornou o ponto de encontro delas.

— “Hime foi vista”... por quem, Naoko?

Novamente, a garota de óculos pareceu incomodada, mas só os olhos de águia de Tomoyo poderiam perceber isso.

— Não posso revelar minhas fontes.

— Naoko-chan, tome muito cuidado. Como você bem sabe, estamos em um momento difícil. Nem sempre conseguimos distinguir quem tem boas intenções ou más.

— Eu sei me cuidar, Tomoyo-chan.

Tomoyo ficou alguns instantes em silêncio, pensando e, então perguntou, na lata:

— O que você estava fazendo perto da sala do diretor quando foi pega e suspensa?

A pergunta pegou de surpresa a garota de óculos.

— Como é que…?

— Não é só você que tem suas fontes. - elas ficaram se olhando por vários segundos e então Tomoyo acrescentou. - Pelo pouco que a conheço, tenho certeza que você não estaria naquele lugar se não desconfiasse de algo.

— Verdade… mas, por enquanto, é só uma suspeita. - Ela respondeu, evasiva. - Preciso confirmar umas teorias antes de sair acusando as pessoas. Depois levarei isso ao Superintendente Geral.

— Superintendente? Por que não para dire… oh!

Naoko não demonstrou nenhuma emoção à súbita epifania da amiga. O relógio badalou seis vezes lá fora e só então ela disse:

— Preciso ir, Tomoyo-chan! Para falar a verdade, ainda preciso terminar meus deveres de casa. A gente se vê por aí.

— Er… certo. Naoko-chan, Não conta pra ninguém da Hime, por favor.

— Pode ficar tranquila. Estou do lado dela e não faria nada que a prejudicasse.

— Obrigada. E tome cuidado.

Naoko sorriu e correu pelo corredor, logo em seguida entrando por uma porta. Tomoyo abraçou o livro que segurava, preocupada, e voltou para o seu quarto.

A Hime, com Glow praticamente em seus calcanhares, entrou pela porta do Fundamental 4, com o sangue latejando em seus ouvidos. Ela escutou mais uns gritos antes de ver 4 garotas mais novas que Glow virem correndo por uma porta parecendo extremamente assustadas.

— O que foi que aconteceu?!! - Perguntou Glow.

— Hotaru-chan!! - Uma delas exclamou, com lágrima nos olhos.  - Oh, foi horrível!!

Nesse momento, uma quinta garota veio andando calmamente pela mesma porta, parecendo entediada.

— O que foi que aconteceu? - perguntou a Hime, olhando para as garotas e para porta, que dava para um comprido corredor.

— Nós vimos um fantasma!! - Exclamou uma outra garota com a voz muito aguda. A Hime sentiu um frio na espinha.

— Onde?!

— Na...sala de artes… - Falou outra menina, tremendo levemente. - tinha… um vulto… preto… na sala de artes!!

— Um Vulto - Perguntou Watery, franzindo a testa. - Tem certeza??

— Não… Tinha um vulto sim!! Eu juro!! Não é, Nana-chan? Ela havia se virado para a menina que havia chegado depois. Ela deu com os ombros e disse:

— Sim, mas não achei grande coisa.

— Nana-chan!! Para de ser assim!! Você a coisa, viu quando desapareceu de repente!!!! - Ela quase gritou.

A Hime suspirou, aliviada e ao mesmo tempo temerosa. Como odiava fantasmas.

— Mostrem-nos essa sala.

— Não!! Eu não vou voltar nunca mais lá!

— Larga de ser medrosa, Takako!! - Nana-chan falou, irritada. - Chega a ser insuportável!

— Ei, não precisa falar assim com a Takako-chan! - Glow a defendeu. Nana apenas rolou os olhos e falou:

— É por aqui.

A Hime, Glow e Watery acompanharam a garota pelo corredor enquanto Flower ficou acalmando as meninas. Chegaram em frente a uma sala entitulada “sala de artes 2”

— É aqui. - Falou Nana-chan, com a voz arrastada. Elas abriram a porta.

— Onde o fantas… er… a coisa estava? - A Hime perguntou, controlando-se.

— Ele estava bem ali. -  Ela apontou para uma parede onde vários cavaletes e estavam apoiados, entre uma estante cheia de tinta e vários quadros encostados. - Estava ali num instante e no outro, havia sumido.

— E você não se espantou com isso? - Perguntou Glow, em voz baixa.

— Lógico que não. Existe magia no nosso mundo. Deve ter sido alguém pregando uma peça. - Ela volveu calmamente. Então caminhou para a porta. - Se me dão licença, tenho mais o que fazer.

— Que menina desagradável. - Falou a Hime assim que os passos dela se perderam no corredor.

— Se Kurōkami-senpai fosse presidente do Nosso Conselho Estudantil, provavelmente ela estaria nessa lista. - Glow falou, baixinho. - Ontem mesmo ela falou como odiava a Hime por ter fugido de Taiyohama.

— Bom… não tem ninguém aqui. - A Hime resolveu ignorar o nó na boca do estômago ao escutar aquilo de Glow. Varreu com os olhos a sala. - Parece difícil de acreditar que alguém tenha conseguido entrar e sair sem ser visto do jeito que elas descreveram..

— Acho que a expressão certa seria “alguma coisa” e não “alguém”. - Murmurou Glow, pensativa. Então começou a vasculhar os cavaletes, cadeiras e se abaixar no chão.

— O que você está procurando?

— Um objeto que não se encaixe nesta sala. - A garota respondeu, abrindo as gavetas da mesa do professor. - Pode ser qualquer coisa: uma colher, uma peça de roupa, um brinco… qualquer coisa.

— Mas por quê?!

Glow não respondeu imediatamente. A Hime também ajudou, embora não tivesse ideia do motivo. Depois de dez minutos, Glow suspirou, frustrada.

— É… não está mais aqui…

— O quê?

— Mas se foi ele mesmo, imagino o porquê ainda não se revelou…

— Quem?!

— A não ser que ele esteja nos espionando para Phobos…

— Pelos céus, Glow, QUEM??! -  A Hime finalmente perdeu a paciência e a Conselheira pareceu se assustar.

— Ah, desculpe, Hime-sama… são só suspeitas… mas acho que Illusion pode estar por trás disso.

— Illusion? O… Conselheiro Illusion??

— Sim. Resta saber por que ele está fazendo isso. Ele é muito brincalhão e gosta de assustar, mas pode ser que ele esteja trabalhando para Phobos, já que não se revelou para nós…

— Ou talvez ainda não saiba que estamos aqui.

— Sim… pode ser… Se ele era a coisa, provavelmente ele já foi, sempre foi muito escorregadio, o maldito. Não temos mais nada para fazer aqui. Vamos nos reunir com Flower e discutir o que faremos a seguir.

A Hime e Glow voltaram pelo corredor, onde Flower já conseguira acalmar as meninas. Nana-chan estava parada um pouco distante, encostada à parede como se estivesse entediada.

— E então? - Perguntou a Conselheira das Flores. Glow e a Hime se entreolharam.

— Não tinha nada nem ninguém lá. - Glow falou, olhando significativamente para Nana-chan, que rolou os olhos com desprezo.

— Com certeza foi alguém pregando alguma peça. - A Hime falou.

Takako e as outras meninas suspiraram.

— Espero que sim… - Takako parou e ficou olhando para Hime. - Nossa, que espada legal!

Tarde demais, a Hime percebeu que ainda segurava Sword em sua forma verdadeira. Ela sentiu suas orelhas se esquentaram por debaixo da peruca e falou, sem pensar:

— Estou… ensaiando uma peça… a espada faz parte do figurino. - Ela bateu com a lâmina de Sword na própria mão, com certa força - Viu? É falsa.

— Bacana! E qual peça vai ser? - Perguntou outra menina.

Ela relanceou os olhos pelo ambiente, tentando arranjar alguma desculpa e viu Nana-chan olhando a arma com muito interesse. Detestou aquilo. Nervosamente, desconversou:

— Olha… eu adoraria… ficar conversando… mas preciso ir. Quando eu for apresentar… peço pra G… Hotaru-chan avisar. Até mais!!

E saiu correndo antes mesmo que pudesse ouvir as meninas se despedindo.

Naquela altura, tudo o que a Hime queria era se sentar na escrivaninha do seu quarto e fazer os deveres de casa pelo resto da noite. Mas assim que abriu a porta do dormitório, Tomoyo a arrastou para a cama e contou sobre o que acontecera no dormitório pela tarde.

— Tinha alguém aqui dentro?? - A Hime repetiu, incrédula, enquanto a amiga apenas afirmava com a cabeça. - Onde??

— Ali, entre os dois guarda-roupas. Quando eu tentei surpreendê-lo, ele … a coisa… fugiu. Não sei bem se era algo humano.

— Mas como?? - Perguntou Kero, também surpreso.

— Aí é que está o problema. - Tomoyo afirmou, desolada. - a porta estava fechada e não se abriu por nenhum momento.

— Hum…

— E não é só isso. - Tomoyo hesitou, brevemente. - Naoko sabe quem você é.

— O quê?!! - Perguntou Kero e a Hime em uníssono.

Brevemente, Tomoyo narrou a conversa com Naoko e, ao fim, a Hime desabou na cama.

— Que ótimo! Era tudo o que me faltava!!  Aquela garota enxerida saber quem eu sou!

— Não acho que ela vai contar pra alguém. Eu a fiz prometer.

— O problema, Tomoyo-chan, é que, se ela sabe, outras pessoas podem saber também.

— Hoje fiz a besteira de carregar Sword por aí e não gostei do olhar que recebi de uma das alunas. - Murmurou a Hime, nervosamente.

— Eu acho que não, Kero-chan. Naoko é muito esperta e sabia, desde o começo, que eu não devia estar em Seitomura. Para desconfiar de da Hime foi um passo. Mas… não acho que ela esteja sozinha nisso.

A Hime franziu a testa, preocupada.

— O que quer dizer?

— A… coisa que estava aqui no quarto… acho que ela sabe quem é… ou o que é.

— Por que você acha isso? - Kero indagou.

— Porque na hora que eu mencionei o que havia acontecido, ela ficou nervosa. E foi muita coincidência eu  ter me encontrado com ela na hora em que a… coisa… fugiu!

— Então precisamos vigiar Naoko-chan. Talvez Watery… ou Flower...

— Mas será que elas vão conseguir? - Tomoyo contestou, pensativa. - Essa criatura parece ser capaz de aparecer e desaparecer muito rápido.

— Hum… - a Hime ficou pensativa - Pergunto-me se foi Illusion…

— O quê?

— O Conselheiro Illusion. Glow-chan acha que ele está aqui.

A Hime, por sua vez, contou o que acontecera no Fundamental 4.

— Definitivamente, tem algum ser mágico na escola. Ou dois. - Concluiu Tomoyo após a Hime terminar sua história - Não sei a que velocidade Illusion consegue se movimentar, mas, pelo o que vocês contaram, os dois eventos aconteceram quase ao mesmo tempo. Acho que são eventos diferentes

— Pode… - A Hime foi até a escrivaninha e pegou “Poder Real”, folheando algumas páginas até achar o que queria. - Vou tentar descobrir quem está usando magia aqui na escola. Vou usar o “Localização e Rastreamento”.

— Mas… agora?

— Não… preciso ler bastante e me familiarizar com a técnica. acho que vai demorar um pouco…

De fato, até a terça seguinte, a Hime, frustrada, ainda não havia conseguido seu intento. Em parte porque era uma técnica bastante complicada, que exigia concentração total. Mas era difícil se concentrar com Kero comendo sem parar no quarto, com o burburinho da biblioteca, com os ensaios do coral na sala de música… sempre havia uma desculpa.

— Ah!! Que difícil!! - Ela resmungou, frustrada, na hora do almoço para Tomoyo.

— Hanako-chan… você sabe muito bem que há outro motivo para essa desconcentração, não é?

A Hime olhou para Tomoyo, piscando.

— Do que você está falando?

— Um problema chamado Kurōkami-Senpai.

— Ah!

A Hime ficou com raiva ao sentir as bochechas esquentarem e ficou calada, na esperança que a amiga fosse desencorajada pelo seu silêncio. Mas Tomoyo não seria Tomoyo se ficasse quieta.

— Não pense que não percebi que você andou se escondendo e evitando nosso presidente do Conselho Estudantil.

A Hime apertou “Poder Real” contra o seu peito, mordendo os lábios inferiores.

— Não há muito o que se possa fazer, Tomoyo-chan. Sou a Hime deste Reino e tenho uma tarefa a cumprir. Não posso perder meu tempo gostando de alguém.

— Creio que o amor nunca é uma perda de tempo. Eu entendo o que você está passando, mas adiar isso só vai causar sofrimento. Acho que você precisa falar com ele, esclarecer a situação.

— E dizer o quê? “Kurōkami-senpai, sou a Hime e infelizmente não podemos ter um relacionamento porque preciso salvar o Reino de Phobos”? - Embora tentasse soar sarcástica, a voz da Hime mostrava mais frustração do que qualquer coisa.

— Não… mas pode dizer que não vamos ficar muito tempo em Seitomura e que você acha que não é bom se envolver com ninguém no momento.

A Hime abriu a boca para retrucar, mas pensou melhor e murmurou apenas:

— Acho que você tem razão. - Ela suspirou. - Agora falta arrumar coragem pra isso.

— Eu tenho certeza que, no momento que você esclarecer isso, vai ficar mais fácil para conseguir se concentrar. - Tomoyo sorriu com doçura.

Ela pensou nisso durante toda a aula da tarde. Lembrou-se como, no dia anterior, sentira o coração disparar loucamente no peito quando o vira a distância no corredor. Ao mesmo tempo, era como se estivesse com um grande nó na boca do estômago. Era uma situação que a deixava angustiada e, quanto mais rápido esclarecesse, melhor.

Depois que o sinal da saída tocou, ela andou em passos rígidos pelos corredores e ficou parada na frente da sala do Conselho estudantil, onde planejava ficar uns cinco minutos ali parada, criando coragem. Foi interrompida por Okuma-chan, que abriu a porta.

— Nakano-chan! - Ela exclamou, surpresa. - Hã… deseja alguma coisa?

— O… er… Kurōkami-senpai… queria falar com ele.

— Nossa, você deu azar. - Ela saiu e fechou a porta atrás de si - Ele saiu faz uns dez minutos. Acho que já foi embora.

Parecia que ela havia tomado um banho de água fria. Balbuciou uma desculpa e vagou pelo corredor, sem direção definida. Acabou encontrando uma sala vazia, onde se sentou na mesa do professor e deu um suspiro. Pensou que talvez fosse melhor assim. Naquele instante, porém, lembrou-se de Tomoyo dizendo que só conseguiria se concentrar se tirasse o assunto do caminho. Não que acreditasse que estivesse loucamente apaixonada pelo rapaz, mas era desconcertante o suficiente para tirá-la do foco… pelo menos até ir embora de Seitomura.

Abriu distraidamente “Poder Real” e folheou até encontrar o capítulo referente a “Localização e Rastreamento”.

— “...Inclusive, é possível localizar seres não mágicos quando estes são familiarizados com o usuário de magia…” - ela murmurou, franzindo a testa - Isso significa que posso localizar pessoas comuns… desde que eu as conheça?

Pensou de novo em Kurōkami-senpai, mordendo os lábios. Se Tomoyo tivesse certa e ele fosse o motivo de sua desconcentração… talvez tentar usá-lo como referência para “Localização e Rastreamento” desse certo!

Ela releu as instruções da magia brevemente, deixou o livro na mesa e fechou os olhos. Sentiu, como sempre, aquela luz cálida em seu peito mas, em vez de estimulá-la, esforçou-se para calá-la… até que não houvesse nada. Os sons da escola no fim da tarde foram se tornando mais distantes até não restar nada. Só havia ela naquele vazio de luz e som.

Então ela pensou na figura alta de Kurōkami-senpai e em como ele a fazia sentir. Quando o via, seu coração disparava em uma mistura de ansiedade e excitação. Pensou nos cabelos castanhos, na figura atlética e principalmente, em seus olhos muito penetrantes…

Ela podia sentir a magia fluindo em segundo plano dentro de si, moldando as sensações que ele lhe fazia sentir em um ponto de luz abaixo dela, na forma dele. Tal qual uma vela, ele brilhava na escuridão e ela podia ver a luminosidade refletir em uma mesa e uma cadeira, onde ele estava sentado escrevendo alguma coisa.

Ela voltou a abrir os olhos. Ele estava em uma sala de aula, pelo visto, no andar debaixo. Tentou, como estava descrito no livro, moldar uma linha dourada que ligaria sua mão até ele, mas não conseguiu, sentindo a magia se desfazer. Porém, quando abriu os olhos, estava feliz porque havia conseguido realizar ao menos metade da magia. E, de qualquer forma, achava que sabia onde ele estava. Então pegou o livro e levantou-se, tomando coragem mais uma vez para ir falar com ele.

Do lado de fora da porta da turma 231, a Hime conseguia ouvir o arranhar da caneta no papel. Ela engoliu em seco mais um vez, erguendo a mão para a maçaneta, mas no meio do caminho ela congelou. Ela a recolheu mais uma vez, sentindo-se muito boba e pensando no que diriam se a visse naquela situação. Mais uma vez ela estendeu a mão e chegou a tocar na maçaneta prateada, mas recuou de novo, como se tivesse levado um choque

— Pelos céus! - Murmurou, exasperada. - Como isso pode ser mais difícil do que lutar contra cinco soldados de Phobos ao mesmo tempo?? Deixe de ser covarde!! - MAsquando extendeu de novo a mão até a maçaneta, recuou involuntariamente. Ela repetiu aquele ato mais umas quatro vezes.

Inesperadamente, a caneta parou de rabiscar o papel e ela escutou o som de móveis se arrastando no chão, além de passos firmes ecoando pela sala. E, antes que pudesse fazer alguma coisa, a porta se abriu de supetão, assustando-a e fazendo-a quase cair.

— Nakano-san! - A voz de Kurōkami-senpai revelava vários graus de surpresa e sua expressão aborrecida se desfez em um segundo. - Você está bem?

— Ah… sim… e-estou…

Ela se ajeitou e tentou olhar nos do rapaz, mas descobriu que aquela tarefa era ainda mais difícil que abrir a porta…

— Você vai ficar aí parada como estava fazendo até agora a pouco? - Ele perguntou e ela sentiu-se corar ainda mais.

— Então… você sabia… que eu… estou… er… estava… aqui?

— Ouvi alguém chegando e depois vários resmungos incompreensíveis através da porta. Por fim, resolvi que deveria enfrentar o covarde que estava se escondendo aqui. - Ela abriu a boca para protestar, mas ele foi mais rápido - Mas agora eu entendo tudo.

O coração da Hime quase saiu pela boca quando o rapaz a pegou pela mão e puxou-a para dentro da sala, fechando a porta atrás de si. Ele a fez sentar-se e ficou em pé, olhando-a com uma expressão profunda…

— Muito bem…?

— Muito bem o quê?

— O que você estava fazendo parada no corredor…

— Ah… - a voz da Hime parece muito mais aguda que o normal e então limpou a garganta - Eu… hum… queria falar com você.

— Como você sabia que eu estava aqui? - Ele perguntou, franzindo o cenho.

— Fui… primeiro na sala do Conselho estudantil e Okuma-san me disse que… que você não estav… então eu… - Parou de falar subitamente, pois seria impossível dizer como o localizara sem levantar suspeitas.

— Entendo…- A expressão do rapaz estava indecifrável, embora ela podia jurar que estava muito mais suave que o normal. - Acho que já sei o que você quer falar. - Ela ficou em silêncio. - É sobre o que aconteceu sábado passado… ou melhor, o que quase aconteceu.

Se possível, ela sentiu o rosto esquentar ainda mais. Apenas concordou com a cabeça, sem conseguir olhar para ele.

— Eu gosto de você. Muito. E acho que você também gosta de mim.

Ela levantou o olhar, muito rápido, e viu, pela primeira vez, uma expressão muito terna e suave em seus olhos, além de um pequeno sorriso tranquilo em seus lábios.

— Sei perfeitamente que em breve você irá embora de Seitomura. Mas acho que isso não significa que o que sentimos vai passar.

— Mas… n-não… não tem jeito… eu… você… não…

Ela o sentiu pegar sua mão entre as suas e o calor morno delas era muito agradável. Ele se abaixou até seus olhos ficarem na mesma altura.

— Podemos tentar um relacionamento a distância. Cartas, viagens… sempre quis conhecer outros Continentes… acho que com você vai ser muito mais agradável.

— Não… eu… quero dizer… a-a gente… não dá… eu… - Ela respirou fundo, irritada com a atual incapacidade de articular frases concretas. Conseguiu perguntar. - Como você consegue ficar tão calmo nessa situação??

Ele deu com os ombros

— Acho uma completa bobagem ficar inseguro sobre esse tipo de coisa. Se eu quero algo, vou atrás.

A Hime teve uma repentina sensação de algo estar errado. Era como se aquele comportamento que ele mostrava fosse… incoerente a quem ele era. Não era pra ser assim. Mas… ela não o conhecia!!! Por que diabos sentia-se dessa maneira?? Viu que ele a olhava penetrantemente e falou, mais para quebrar o silêncio que outra coisa:

— Você não sabe nada sobre mim… e nem eu de você!

— Sei o suficiente pra dizer que você é muito doce, mas ao mesmo tempo corajosa, justa e honesta, embora ache que você tenha seus segredos. - Ela engoliu em seco. - Mas tenho confiança que você um dia vai confiar em mim. Quanto a mim, sei que posso ser um pouco difícil, mas gosto tanto de você que quero fazer o possível pra deixá-la feliz.

A Hime sentiu as lágrimas turvando-lhe a visão.

— É estranho. - Kurōkami-senpai franziu o cenho e passeou o olhar pelo seu rosto, como se quisesse gravar cada detalhe dele. - Quando eu a vi pela primeira vez, fiquei completamente encantado por seus olhos. Foi quase sobrenatural, mágico.

A Hime sabia que deveria falar alguma coisa, protestar ou sair correndo, mas simplesmente não conseguia.

— Não consigo me esquecer deles… - Ele sussurrava, parecendo hipnotizado por ela. - Até nos meus sonhos eles aparecem…

— N-não… a gente… não dev-

Ele a calou com um beijo.

As mãos do rapaz a abraçaram apertado pelas costas, enquanto ela sentia a boca dele acariciando a sua tão delicadamente. E ela suspirou. Aquilo parecia tão certo… mas, ao mesmo tempo, tão errado… a sensação de ser beijada era tão nova, mas, simultaneamente, muito familiar… eram tantas sensações que não conseguia processar direito e só muito tempo depois percebeu que suas mãos haviam se enroscados nos cabelos macios de Kurōkami-senpai.

Poderiam ter passado minutos ou horas enquanto se beijavam, ela não saberiam dizer. O rapaz, em determinado momento, mordiscou seu lábio, pedindo permissão para aprofundar o beijo e invadiu sua boca, explorando-a com a língua, apertando-a mais contra si, tão intenso, tão extasiante, tão…

As mãos dele subiram para os seus cabelos e os puxou. A peruca caiu. O beijo foi abruptamente quebrado. Demorou vários segundos para a Hime perceber o que tinha acontecido. Seu sangue gelou, enquanto via Kurōkami-senpai se afastar dela, perplexo, ainda segurando a peruca preta na mão…

— O que… é… isto?? - A voz dele parecia vir de muito longe.

Ela não conseguia responder, em pânico, sentindo as pernas adormecidas e as lágrimas escorrerem pelo seu rosto frio como pedra.

— O que é isto?! - Ele voltou a perguntar, mais duramente, erguendo a peruca em direção a ela, parecendo furioso.

— Eu…

— Por que você estava usando isto??? Quem, diabos, é você???!!! - Sua voz aumentava de tom a cada palavra.

A Hime, que mal conseguia respirar, soltou um grito estrangulado quando ele avançou em sua direção e a apertou nos braços, machucando a ferida outra vez. Mas agora ele parecia possesso demais para lembrar-se disso.

— Quem é você?? O QUE É você??!! - Ele praticamente gritava agora, completamente enfurecido. - Um espião?? Um dos Conselheiros desertores??!! QUEM É VOC-

— EU SOU A HIME!!!! - Ela finalmente conseguiu gritar, atordoada pela dor e pela mágoa que via nos olhos dele. Kurōkami-senpai voltou a largá-la e se afastou, espantando. Ela respirou fundo várias vezes, antes de repetir, num murmúrio quase inaudível de seus lábios trêmulos. - Eu… sou a Hime…

(continua)


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Notas finais do capítulo

Falei que estava aqui na terça de novo e promessa feita é promessa cumprida (mesmo que aos quarenta e cinco do segundo tempo)

Gostaram do capítulo, crianças? Espero que sim. Acho que o final deve ter deixado vocês meio chocados, né?? Huehuehuehuehue

Bom, por enquanto é isso. Espero conseguir postar o capítulo 11 daqui a um mês. Ele já tá pronto, mas como estou escrevendo junto com o 12, não sei exatamente onde ele acaba. Vai depender de onde eu acabar o 12. Enfim, espero que no comecinho de julho esteja postado.

Não vou me demorar por aqui. Gostaria muito de agradecer a quem lê minha fic e espera ansioso por cada capítulo. Embora escreva porque me divirto muito, são vocês que motivam a continuar.

Dúvidas, críticas e ameaças de morte mandem pelos comentários. Agradecimentos especiais a Tsubasa Valdez pelo comentário.

Enfim… é isso… beijos para todo mundo.

By Cherry_hi



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