Fotografias e Flashes escrita por Lua


Capítulo 1
Capítulo Único




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Meu primeiro namorado não foi o primeiro rapaz por quem eu tive interesse. Antes dele, teve o menino que desenha perfeitamente bem e que, um dia, me desenhou um coração. Teve o menino ruivo, que tirou uma foto minha enquanto eu aprendia uma coreografia para apresentar com as outras crianças. Teve o que sentava ao meu lado também, na quarta série, e que me deixava ler as cartinhas que as outras meninas escreviam pra ele. Meu primeiro namorado não foi o último que eu amei.

O tempo passou, não nego, e minha memória parece afetada. Há coisas que eu não consigo afirmar com precisão se aconteceram ou não, se foram inventadas ou se são menos do que eu me lembro. A garota que amou aquele menino e o chamou de "super-herói", ficaria decepcionada com a que escreve estas palavras.

Como pode? Como pode se esquecer?

Eu não sei, minha cara. Eu não sei.

Fecho os olhos, consigo ver o rosto dele. As mãos que seguraram as minhas, jamais seguradas antes com ternura e segundas intenções, por outro rapaz. Os braços que me enterraram em seu peito. O primeiro perfume que procurei nos outros. A primeira vez em que me senti mulher. As palavras que ele me dizia provocavam uma reviravolta dentro de mim. A primeira vez que segurei meu coração batendo, fora do peito. E tinham os olhos dele. Aqueles olhos sempre me intrigaram; eram verdes e eram tristes. Eu nunca entendi que tipo de tristeza era aquela, eu nunca a enxerguei de fato, apesar de ter estado tão perto, tantas vezes. Ele ria, ele brincava, ele brigava, ele me ligava para dizer que queria ouvir minha voz. E quando ele vinha, os olhos. Olhos que nunca saíram da minha cabeça. Olhos que me caçaram.

Ás vezes, eu sinto falta das travessuras que nos acompanhavam, das descobertas, da ansiedade e das risadas abafadas em cantos que ninguém podia encontrar. O aniversário dos dois, escondido dos pais. O abraço. O beijo no pescoço. A despedida, tão demorada, de mãos entrelaçadas; tão doída.

Ele demonstrou bravura quando fez questão de me estender a mão, em um cumprimento, enquanto eu tinha o braço ao redor de outro rapaz; outro amor. Outra história. E ele se declarou de novo, tempos depois. Pediu desculpas, pediu um recomeço. Aqueles olhos verdes me fitando, fotografados nos meus sonhos.

Lembro-me das músicas que cantávamos juntos, das mensagens no celular, das ligações no orelhão da esquina. Lembro-me do sentimento, quase sublime, de ser desejada. Também tiveram as promessas: duas crianças brincando de ser fogo, falando besteiras e tentando conquistar o mundo. Quase conseguimos, só que eu fui embora antes. Eu sempre vou. E os olhos dele me perseguindo pela estrada foi o que me deu norte. Sempre os achei curiosos, me perguntava se ele não percebia o que estava bem ali, na face dele, me encarando. Eu quis perguntar muitas vezes, "o que aconteceu?". Eu podia vê-lo perdido, vagando, tentando acreditar que eu era a âncora que o mantinha no lugar. Mas eu nem eu estava no mar.

As pessoas me perguntavam o que eu enxergava nele, me perguntavam por que eu gostava tanto do som da voz dele. E agora, quando eu tento reconstruí-la na minha cabeça, eu não sei se é ele quem ouço falar. Eu não pude evitar, a ventania foi pesada demais para aquela pequena casa. Alguns dizem que ele perdeu a cabeça, que perdeu o juízo, perdeu tudo. Mas ele ainda tem os olhos, eu pensava. Acho que foi por eles que me apaixonei.

As pessoas gostavam de julgá-lo porque ele não era alguém que se enquadrasse no padrão, estava sempre aprontando, sempre sugerindo o que era proibido, sempre avançando no sinal vermelho. Eu gostava daquilo, gostava de estar andando fora da linha, de estar cochichando nos fundos, planejando fugas.

E nós dois riamos.

Riamos e implicávamos um com o outro o tempo todo. Eu não sei porque, talvez seja coisa de criança, mas sempre nos provocávamos, sempre estávamos discutindo, eu nunca dava o braço a torcer. Foi o que nos manteve juntos por mais tempo do que muitos apostavam. Era outra coisa que eu gostava, que apostassem em nós. Que dissessem que não poderíamos, só pra que os decepcionássemos, que colocassem nossos nomes no meio das conversas de dedos apontados, que dissessem que não deveríamos ter ficado tão grudados na frente de todo mundo.

E nós dois riamos.

Riamos e gritávamos palavras afiadas porque estávamos magoados, estávamos frustrados por nenhum de nós conseguir segurar o que tínhamos pela eternidade. Éramos pequenos demais para perceber que as coisas não têm que durar para sempre. Estávamos seduzidos pelo infinito que não cabe em lugar nenhum. Só depois que cresci um pouco, pude olhar para trás com alegria, pude aceitar que os nossos caminhos fossem diferentes. Eu quase já não me lembro dos momentos ruins. Quase não me lembro de momento algum, na verdade. O que ficou gravado foram as sensações e os olhos. Eles eram minha equação matemática, me invadiam sem pedir licença.

Por que tão solitários?

Por que tão vazios?

Por que tão cansados?

Mas agora, aqui sozinha, eu não sei. Parada, olhando pra esse retrato meu de anos depois, eu posso jurar. Talvez seja esse dia cinzento, talvez seja meu estado melancólico, ou esse raio de sol alcançando a parede branca e vazia bem ao meu lado, mas tenho quase certeza. Se eu continuar olhando para o retrato um pouco mais, talvez eu possa utilizar a palavra com absoluta precisão. Eu tenho os mesmos olhos dele, não verdes. Eu tenho os mesmos olhos, são idênticos.

Eu tenho os mesmos olhos tristes.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter vindo!



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