Roots escrita por G Aqui


Capítulo 11
Capítulo 10 - "My Name Is Human"


Notas iniciais do capítulo

Hello o//

Sentiram minha falta? Sentiram falta da história? Eu senti.

Tá aí então, mais de cinco mil palavras novinhas em folha pra vcs ♥

Não vou enrolar muito, pq quero que leiam logo :v

As músicas são:

"My Name Is Human - Highly Suspect"

"West Coast/Carrousel - The Neighbourhood/Melanie Martinez mashup"



Aliás, viram a capa nova? Obrigada mandsvr ♥

É isso, boa leitura ^^



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Capítulo 10

— Nós temos que sair do acampamento. — Digo decidida.

— Por que? — Kevin pergunta.

Novamente estávamos todos reunidos no Q.G. tentando de alguma maneira decidir como sair do buraco que nos enfiamos.

E se você está se perguntando o porquê do Kevin estar aqui depois de tudo, sinceramente, ninguém sabe.

Desde a morte do Elliot e o desaparecimento de Arthur ele age como se nada tivesse acontecido. Foi a maneira que ele encontrou de se proteger de tudo. Agora seu foco é completamente nos treinos. É o primeiro a chegar e o último a sair da arena todos os dias. A desculpa é que precisa estar preparado para o futuro incerto do acampamento, já que estamos em uma situação de desvantagem.

Todos sabem que não é por isso, que na verdade ele só quer pensar o mínimo possível no problema para não entrar em crise, mas entramos num acordo de não questioná-lo, já que a maioria ali sabe o quão perigosos podem ser nossos pensamentos, então apenas não tocamos no assunto sem  que ele inicie a conversa e o apoiamos ao máximo.

— Porque nós já estamos no mesmo lugar há meses. Não conseguimos mais pistas até agora, e não vamos se continuarmos aqui. É impossível sem comunicação com o lado de fora, mal sabemos o que está acontecendo.

— Você mesma disse que isso era loucura. — Ele cruza os braços e afunda um pouco no sofá.

É loucura, mas estamos ficando sem tempo e sem opções. — Por fim, Kevin dá de ombros.

— Eu topo, tudo anda meio parado mesmo. Sair numa missão secreta para salvar o mundo pode ser legal. — Wendy fala. — Nós treinamos para isso, afinal.

Kevin estoura a bola de chiclete azul que estava fazendo.

— Precisamos de um plano. — Sebs se manifesta. Previsível.

— Já cuidei disso. Ou, pelo menos, de um rascunho. Inclusive ia te pedir uma ajuda, Cérebro.

— Pode deixar comigo.

A temperatura  baixa repentinamente e as luzes piscam.

Os três filhos de Hades se materializam na nossa frente.

— Vocês estão ficando bons nisso.

— É para assustar criancinhas inocentes. — Lana flutua atrás de mim me causando calafrios a minha visão escurece até um breu total. — Bu! — Ouço sua risada discreta e a minha visão volta ao normal.

Reviro os olhos.

— Para sua informação, não teve graça.

— Para mim teve. — Ela se joga no sofá junto com os outros, que concordam com ela.

Suspiro e tento lembrar em que ponto da conversa havia parado.

— O que eu imaginei para o plano é relativamente simples. Não é salvar o mundo, só conseguir informações. Sobre o que aconteceu com a Mel, sobre essa maldita voz e o que vai acontecer em vinte e seis dias.

— E depois, voltamos como se nada tivesse acontecido? — Sebs pergunta.

— Depois que conseguirmos as provas saberemos o que fazer.

— Tipo salvar o mundo? — Wendy se debruça sobre a mesa, animada.

Talvez salvar o mundo.

Um silêncio desconfortável paira sobre nós.

Kevin estoura mais uma bola de chiclete.

Charlie pigarreia do canto que estava sentado.

— E quando pretende executar isso?

— Apolo e eu conversamos essa madrugada. Ele disse que o Sr. D. vai para o Olimpo em breve, precisam dele lá para resolver "assuntos pendentes".

Todos parecem surpresos por um instante, não é comum o Sr. D sair assim. Claro, a situação era complicada, mas a atitude era um pouco extrema.

— Poderíamos usar o alvoroço da sua saída como desculpa para não sermos percebidos. — Continuo.

Kevin começa outra bola de chiclete. Aquilo já estava me dando nos nervos.

— Ai pelo amor dos deuses me dá um chiclete logo. — Ele se estica e entrega a goma de mascar.

— Ah, gente... — Wendy começa. — Se isso for ajudar, tivemos progresso na Dracma de Teletransporte. Dependendo de quando formos sair posso conseguir até duas. Daria para, numa situação de risco, nos dividimos em dois grupos e nos comunicar-mos por elas.

— Ótimo, vai ser perfeito. — Digo.

— Nós também tivemos progresso com os testes que estávamos fazendo. — Charlie se levanta. — Tentamos reproduzir com os nossos poderes o mesmo efeito que a possessão de Voz para entendermos o que acontece e conseguirmos nos  livrar dela eventualmente, já que todo mundo corre risco de ser possuído.

Pego meu caderninho de anotações e uma caneta, começando a escrever o que ele falava.

Os três começam a me explicar como a Voz conseguia entrar na mente das pessoas, como ela dominava o lobo frontal do cérebro e, consequentemente, dominar e decidir as ações de quem estava possuído e como ela controlava parte da fala para conseguir transmitir a sua própria.

Basicamente, a pessoa continuava consciente daquilo que estava fazendo, porém, não tinha domínio sobre suas ações.

— E como quem está possuído consegue se livrar disso? — Sebs pergunta.

— Pelo que nós tentamos, controlar as duas áreas é difícil. Quando se está controlando as ações, a influência sobre a fala é menor e vise-e-versa. Para conseguir quebrar o domínio da Voz, basta obrigá-la a mudar o foco da força. Se ela está fazendo algo, você começa a falar, de preferência pedir ajuda, então ela vai tentar te calar. A partir disso, você toma o controle das suas ações e quando isso acontece, ela sai.  — Quem explica dessa vez é Bárbara.

—  É, e tem mais uma coisa. —  Lana fala. —  Quanto mais você quer fazer aquilo que ela está te obrigando a fazer, mais facilmente vai conseguir te dominar. Não precisa ser exatamente aquilo, pode ser algo relacionado. Por exemplo, no caso do Arthur, ele já estava com raiva do Elliot antes de ser possuído, então foi mais facilmente dominado. — Automaticamente, olho para Kevin, mas ele não havia esboçado nenhuma reação. —  Claro que temos que ter em vista que não sabemos o quão poderosa pode ser a força da Voz. Estamos usando nossos poderes, mas talvez "na prática" não dê certo.

—  Vocês podem demonstrar, por favor? —  Sebs pede.

Como numa conversa silenciosa, os três irmãos se olham, talvez decidindo quem seria a cobaia dessa vez. Ao que parece, Lana foi a escolhida.

Ela se afasta um pouco, ficando de costas. Bárbara e Charlie dão as mãos. Quando ela se vira novamente, suas orbes estão completamente negras. Era assustador.

— Lana, ainda está aí? —  Charlie pergunta, e seu punho se fecha um pouco como resposta. —  Okay, o que querem que ela faça?

Eu, Wendy, Sebs e Kevin nos encaramos, até que o filho de Afrodite levanta, fazendo outra bola de chiclete.

—  Você não vai ficar brava comigo Ceci. —  Ele fala, me olhando profundamente. Concordo sem pensar duas vezes. —  Faça a Lana beijá-la Charlie, por favor.

Naquele momento, eu também estava sendo controlada, com seu charme.

Decidi, para o bem da minha própria pele, não contrariá-lo. Afinal, era a Lana, não seria o fim do mundo.

Ela se aproximou, parando na minha frente. A diferença de altura entre nós era notável. Segurou meu queixo, me fazendo ficar na ponta dos pés.

"Relaxa, é só um beijo. Você pode lidar com isso." Pensei, com o coração batendo tão forte que tive medo que todos ouvissem.

"Ela vai lembrar, não vai? Ela está consciente, e não está resistindo. Será que o Sebs tinha razão quando disse que ela gostava de mim?"

 

Fechei os olhos, sentindo seus lábios nos meus. Eram macios e hidratados.

"Deuses, tá todo mundo vendo isso. Onde tem um buraco para eu me esconder quando eu preciso?"

Sua boca tinha um gosto de morango. Uma bala, talvez?

Tudo bem, não posso negar, não foi ruim. Na verdade, muito rápido para ter certeza. Quando se afastou, seus olhos haviam voltado ao normal e um pequeno sorriso travesso surgiu em seu rosto.

—  Obrigada pelo chiclete, senhorita. —  Mostrou a pequena embalagem que Kevin havia me entregue anteriormente. Como ela conseguiu eu não fazia ideia.

Meu rosto estava queimando, e provavelmente todos haviam notado. Fuzilei meu amigo com o olhar, deixando clara a mensagem de "Você vai pagar por isso.". Ele apenas deu de ombros, completamente despreocupado.

Olhei para o relógio, respirando fundo para me acalmar.

—  O-olha só a hora, é melhor subirmos. Vão perceber nossa ausência lá em cima. —  Pego minhas coisas de cima da mesa, guardando todas na bolsa.

Sem ter como discordar, todos fazer o mesmo.

Logo estávamos nos túneis, em direção à saída. Sebs conversava com os três filhos de Hades sobre mais detalhes da possessão da Voz atrás de mim. Do meu lado estavam Kevin e Wendy.

—  Sem comentários, por favor. — Peço-o ao perceber sua expressão, que murcha ao meu comentário.

—  Tudo bem, morreu aqui, mas você não pode vir falar que foi ruim. —  Reviro os olhos. — Enfim... —  Seu tom de voz muda, agora nitidamente mais sério. —  Você tem certeza que é bom sair assim tão cedo daqui? E se o Arthur voltar? O que ele vai fazer?

—  Eu não sei. Mas olha, já faz uma semana que ele está desaparecido e a floresta nem é tão grande assim... Os grupos de busca provavelmente já teriam encontrado ele. —  Tento ser o mais delicada o possível. Criar esperanças em vão não é saudável. Ele tinha que saber.

—  Quer dizer que acha que ele está morto? —  Pergunta, desanimado.

—  Não! Claro que não. Ele é forte, não é uma floresta qualquer que pode derrubá-lo. Talvez... Talvez ele já tenha saído do acampamento. Não dá para saber. Só que... Não podemos perder a nossa chance de resolver tudo isso por ele. É difícil, mas o máximo que pode acontecer é ele voltar para cá e não nos encontrar. —  Não, não era o máximo que poderia acontecer, mas não vamos pensar no pior, certo?

—  Tudo bem. Vamos esperar mais alguns dias. Se ele não voltar até o dia que o Sr. D for embora, iremos sem ele. —  Passo meu braço em volta da sua cintura e lhe dou um meio abraço.

—  Obrigada por ser tão forte num momento tão difícil. Você é incrível. —  Ele dá um sorriso fraco.

—  Estou aqui para isso querida.

***

—  Ótimo treino o de hoje. —  Falo para Castiel, enquanto ajudava-o a guardar os arcos no arsenal de armas. —  Os alunos progrediram bastante desde o último que eu acompanhei.

—  Eles ainda tem que melhorar muito na agilidade. Agora que estão conseguindo atirar em uma boa distância, preciso aperfeiçoar isso.

—  Você vai tirar de letra, tenho certeza. É uma turma que tem futuro. —  Assim que terminamos de organizar as coisas, saímos da arena e começamos a caminhar em direção ao Pavilhão. —  Aliás, teve alguma resposta sobre o lance de um ajudante?

—  Sim, duas pessoas me procuraram. Ainda estou tentando decidir quem escolher. Eles não tem o perfil que eu estava procurando, mas por enquanto dá para o gasto.

—  Uma hora vocês se acertam, independente de quem escolher. Se precisar de qualquer ajuda estou aqui para isso.

—  Pode ter certeza que vai. Valeu o apoio, conselheira. —  Nos despedimos com um High Five e cada um segue o seu rumo assim que entra no refeitório.

Antes de ir para minha mesa, vou até Sebastian que continuava focado em suas anotações.

—  Hey! Algum progresso? — Pergunto, sentando ao seu lado.

—  Mais ou menos. Seu rascunho está bom, mas tem algo que me preocupa. —  Ele aponta para uma das anotações com a caneta. —  Somos um grupo muito grande e forte. É ótimo para executar o seu plano, mas atrairemos muita atenção dos monstros se sairmos por aí perambulando atrás de pistas.

— E tem alguma forma de contornar isso?

—  O que mais pesa aqui são a Lana, o Charlie e a Bárbara. Um semideus filho dos Três Grandes já atrai atenção pra caralho, ter três em um grupo é praticamente suicídio! O ideal seria escolher um só para ir conosco. —  Encaro os três sozinhos na mesa do chalé 13 conversando entre si.

—  Acha que eles vão aceitar se separar? —  Lana percebe meu olhar e retribui, mas eu desvio, ficando vermelha novamente. —  Ceci?

Gaguejo repetidas vezes, sem conseguir formar uma frase coerente.

—  Na-não sei. —  Digo por fim. — Melhor perguntarmos, não é?

—  Que vergonha, você nem parece a Cecília que eu conheço. Desde quando não sabe lidar com beijos "roubados"?

—  Está tão nítido assim? —  Ele faz que sim com a cabeça, e eu coloco a testa na mesa, resmungando.

—  Vai lá falar com ela, oras. Um "não" eu tenho certeza que você não vai receber.

—  Não dá! Eu não tenho coragem!

—  Quantos monstros você já matou a sua vida inteira? —  Reviro os olhos e volto a encará-lo.

—  Tá, okay, eu falo com ela, mas depois. E eu vou fazer isso. Nada de ficar me empurrando pra fazer. Vou fazer no meu tempo, entendeu?

—  Você que manda. —  Ele dá de ombros. —  Mas vai para a sua mesa que logo o Quíron chega.

Como num passe de mágica, assim que ele fala ouvimos os cascos do centauro estalarem contra o chão. Eu e as outras pessoas que não estavam nas mesas certas vamos apressados para os nossos respectivos lugares e ao seu pedido, ficamos todos em silêncio.

—  Boa tarde campistas. —  Ele começa. — Felizmente, esse é o nosso quarto dia sem acidentes ou desaparecimentos. Nenhum outro caso de possessão, vozes ou comportamentos fora do comum foi registrado. A equipe de busca, entretanto, não apresentou avanços no caso do filho de Hermes desaparecido. Um terceiro aviso é que nesta quinta-feira o Sr. D estará partindo para o Olimpo após uma convocação de Zeus e ficará ausente por tempo indeterminado. Por hoje, é só. Bom apetite.

Após o ritual de oferendas aos deuses, todos comem em silêncio e aos poucos, o salão vai se esvaziando.

O Sol começava a se pôr no horizonte, e já era possível enxergar algumas poucas estrelas no céu. Fui em direção ao meu chalé, sem grandes pretensões.

A decisão de sair do acampamento tinha sido no mínimo drástica, porém, necessária. Uma pequena falha no plano poderia levar tudo por água abaixo, ou até mesmo colocar em risco a vida de alguém. E claro, eu teria que arcar com as consequências.

Entro no chalé, as escadinhas velhas da varanda rangendo aos meus passos. Alguns dos meus irmãos já estavam em suas camas, lendo livros, afinando algum instrumento, desenhando e um ou outro dormindo.

Ao passar por eles, vou em direção ao banheiro escovar os dentes.

Enquanto o fazia, algo me incomodava.

Não tinha certeza sobre o que exatamente, mas não estava satisfeita com o que via no espelho.

Parecia uma imagem velha de mim mesma, algo usado, que já havia passado do ponto há muito tempo.

Não era eu. Pelo menos, não exatamente quem eu me sentia agora.

Mas quem era eu?

Passei longos minutos encarando meu reflexo, fazendo diversas expressões, observando-me em variados ângulos, mudando o cabelo de lado, prendendo-o, soltando, fazendo tranças e desfazendo-as.

Quando estava quase desistindo de encontrar uma forma de mudar, lembro-me da máquina que guardava no fundo da mala e corro para procurá-la. Junto com ela pego uma tesoura e um pente, e logo o chão está coberto por mechas de cabelo numa mistura de castanho e verde-água. Sorrio com o meu novo corte estilo “Herói do Cazaquistão”, conseguindo agora reconhecer a pessoa em minha frente.

Parece loucura, mas a sensação que tive foi de leveza, como se somente agora pudesse resolver os problemas que havia criado.

Meus olhos pareciam mais brilhantes, assim como meu sorriso.

Fui radiante pegar uma vassoura para limpar a bagunça que tinha feito, recebendo alguns elogios sobre o novo corte no caminho.

Me sentei após apagar qualquer resquício da arte que havia aprontado, sem saber ao certo o que fazer a seguir.

"If You Love Me, Come Clean – Flatsound"

Decido por pegar meu violão, logo dedilhando as cordas e começando a afinar o instrumento que há tempos estava guardado. Havia me esquecido de quão bom era o sentimento de fazer música. Algo que estava esquecido no meu coração.

Minhas mãos pareciam criar vida própria e o som doce das notas se misturava com as batidas do meu coração.

Tocava uma música calma, da qual a letra eu não recordava, mas era como se a conhecesse desde sempre. Trazia uma saudade dolorida, porém boa ao mesmo tempo.

Me fez lembrar de um dia de verão que estava em casa, eu e Melissa. Era sábado, ela iria dormir lá antes de voltar para a sua cidade. Minha mãe não estava em casa. Passamos a tarde vendo filmes, nadando para espantar o calor e nos beijando.

Foi o dia em que dissemos nosso primeiro "eu te amo".

Foi a noite em que dormimos juntas pela primeira vez.

Meu mundo era ela e o dela era eu.

Éramos só nós duas e nosso amor contra o mundo.

***

Acordei, atordoada com o sonho que tive, não lembrando nem que horas peguei no sono.

Eu estava em uma pequena vila. Algumas casas e pontos de comércio desenhavam a forma das ruas.

O céu estava cinza, nuvens carregadas se aproximavam.

No alto da colina, uma casa sombria era a única que cortava o horizonte.

Dois andares, tijolos pretos e uma alta chaminé que se encontrava em um estado crítico, prestes a cair.

No quintal, roupas penduradas no varal secavam ao vento gelado.

Um cachorro da mesma cor da casa corria atrás dos pobres pássaros que, assustados, voavam para o galho mais alto de uma árvore seca próxima dali.

Duas crianças saíram da casa. Uma menina e um menino. Ambos pareciam ter entre seus oito e nove anos. Ao me aproximar mais, percebi que algumas de suas feições eram parecidas. Provavelmente eram irmãos, ou até gêmeos.

Suas peles eram completamente pálidas como a de um vampiro. Parecia que não tomavam um raio sequer de sol a anos.

Dos joelhos ralados escorria um sangue tão vermelho como rosas, e hematomas roxos se faziam presentes numa tonalidade escura em peles tão sensíveis.

Suas expressões faziam parecer que já tinham o dobro da idade que o resto do corpo aparentava. Os olhos enevoados revelavam que eles já tinham visto muita coisa além do que uma criança deveria ter visto. Há

A infância e a esperança foram retiradas deles, dando lugar a preocupações de adultos. Pareciam dois trabalhadores cansados da rotina torturante das fábricas.

Viviam uma vida precária, sem nunca ter tido o luxo de um brinquedo ou uma mesa de café da manhã que fosse.

Eram, apesar de tudo, sobreviventes. Chegaram até ali com muito esforço. Um esforço que, definitivamente, não mereciam ter passado.

Caminharam até o varal e começaram a tirar as roupas ainda úmidas, trocando por outras que estavam num grande cesto que mal conseguiam segurar.

Era nítido o esforço da garota para alcançar o varal, já na pontinha dos pés, tentava se equilibrar como se a sua vida dependesse daquilo.

O irmão, ao mesmo tempo que a outra pendurava, ia às pressas para dentro do casarão levar as roupas secas.

Ficaram nisso por horas, até que um outro garoto saiu da casa.

Era bem mais velho que os dois, deveria ter seus quinze anos.

Sua pele, mesmo que isso parecesse impossível, era ainda mais clara que a dos outros dois.

Os ossos saltados do rosto deixavam ainda mais nítido a vida precária que a família vivia.

"A mamãe quer falar com vocês." Ele disse baixinho.

Os outros dois concordaram de cabeça baixa e entram, deixando o irmão sozinho no quintal.

Um pouco ali para frente, alguns jovens brincavam de futebol. O jogo se dava um tanto quanto mais violento do que o convencional, mas isso não pareceu assustar o garoto da casa sombria, que os observava de longe.

"The Neighbourhood/Melanie Martinez - West Coast/Carousel Mashup"

 

Não demorou muito para que os meninos percebessem o olhar do outro. Começaram a cochichar entre si e lançar discretos olhares ocasionais em sua direção, até que, enfim, um deles se aproximou.

Era tão alto quanto ele, mas as semelhanças acabavam por aí. Seus olhos claros, fios loiros e pele levemente bronzeada transbordavam vitalidade.

Abriu um sorriso largo, exibindo os dentes extremamente brancos.

Perfeito até demais. Chegava a ser um pouco assustador.

Conversaram curtas palavras, até que o que antes observava foi convidado a participar do jogo.

Obviamente, era impossível negar um convite daqueles vindo de alguém com um sorriso tão cativante.

E foi exatamente isso que aconteceu, ele não negou.

Porém, não fazia ideia do que aconteceria a seguir: Todos os meninos se aproximaram e o seguraram pelos braços, impedindo que ele pudesse fugir.

O garoto loiro se juntou a eles, colocando as mãos em frente a sua boca para que não pudesse gritar por ajuda.

O levaram até os fundos de uma casa e começaram a espancá-lo, falando que aquela surra era para ele aprender a ser homem e parar de pegar as pegar as coisas da irmã pra se fingir de mulher.

Ele era fraco demais para conseguir se defender deles, além de mal conseguir tempo entre um soco e um chute para fazer qualquer coisa.

Seus olhos estavam inchados, o nariz provavelmente quebrado e sangue se espalhava por toda a sua roupa.

Não satisfeitos com o estado que ele estava, decidiram pegar um taco de madeira dentro da casa. O loiro fez as honras, com uma forte pancada na boca do estômago, seguida de outras várias, até que ele começasse a tossir sangue.

Depois de se revezarem mais algumas vezes entre golpes com o taco, chutes e socos, decidiram arrastar o garoto até a orla da floresta e deixá-lo lá.

Algum tempo depois, o suficiente para ter certeza que os meninos já estavam longe dali, ele juntou o que restou de suas forças para se levantar. Caminhou com dificuldade até uma fonte da cidade e tentou limpar o sangue seco do corpo e das roupas.

Quando já havia retomado a compostura o suficiente para voltar para casa, correu.

Correu como se a sua vida dependesse daquilo.

Quando chegou até a porta, parou por um segundo para conferir se realmente havia conseguido se livrar de qualquer mancha de sangue do corpo.

Claro, aquilo não seria uma solução definitiva, ainda tinha os olhos roxos e os cortes na boca e os hematomas pelo corpo, mas isso, com sorte, conseguiria disfarçar. Ou, pelo menos, evitar situações piores. Aquilo já fora o suficiente para um dia.

Ao entrar em casa, encontrou o olhar preocupado dos irmãos.

Nesse momento, tive um estalo.

Conhecia aqueles olhares de algum lugar. Não tinha certeza de onde, mas já tinha os visto, e mais de uma vez.

"O que houve Brian?" A garotinha perguntou num sussurro desesperado.

O irmão, como resposta, levou o dedo indicador aos lábios, pedindo silêncio.

Subiu as escadas correndo, pedindo aos céus que a mãe não o ouvisse.

"Brian!" A mesma gritou do andar de baixo quando ele já estava quase no último degrau. "Onde você estava à essa hora que não em casa?"

"Eu..." Sua voz tremeu um pouco. "Estava ajudando o pastor. Uma das ovelhas tinha fugido e ele pediu que eu a encontrasse."

"E esses machucados?" Sua voz era assustadoramente doce. "Você lutou com a ovelha?"

"Eu caí correndo atrás dela." Tentava esconder o rosto nas sombras para que ela não visse seus olhos.

Um silêncio dolorido se deu por um tempo, nenhum dos três irmãos ousava mover um músculo.

"Suba." Ela disse, por fim. "Me espere no quarto."

Uma onda de desespero tomou conta do seu corpo. Sabia o que aconteceria a seguir.

Iria apanhar novamente, até que a sua carne ficasse exposta.

Respirou fundo. Sobreviveu da última vez, talvez sobrevivesse dessa.

Mesmo que naquele momento pensasse que a morte era a melhor opção, subiu em passos apressados.

Ao chegar no quarto, se despiu quase que completamente, podendo ver os machucados que já tinha da briga de antes.

Definitivamente odiava aquele corpo, e talvez ele merecesse aquelas marcas, mas elas eram mais profundas que somente carne. Aquilo refletia em sua alma.

Era como se os deuses quisessem deixar claro o quanto ele era defeituoso.

Talvez realmente merecesse tudo isso.

Por que não podia ter nascido normal como todo mundo? E no corpo certo.

Respirou fundo mais uma vez, tentando controlar o coração que batia à mil por hora e as mãos geladas e trêmulas de medo.

Por que se torturava tanto? Podia simplesmente acabar com isso, então por que insistia?

Lembrou dos irmãos e seus olhares preocupados. Eles o amavam. Era por eles que ele não desistia.

Ouviu o barulho inconfundível dos saltos da mãe subindo as velhas escadas de madeira.

Respirou fundo pela última vez, se preparando para o que viria a seguir.

"Já coloquei seus irmãos para dormir, então não solte um pio para não acordá-los. Caso contrário, será pior."

Ele não concordou nem discordou, apenas baixou a cabeça e fechou os olhos.

As chibatadas começaram lentas. Uma de cada vez, para torná-las ainda piores.

Mesmo olhando de uma perspectiva, era possível sentir os picos de dor conforme a vara de madeira se chocava contra pele da criança, seu rosto se contorcia em expressões de dor, na tentativa de conter qualquer som, Era algo que ocorrera tantas vezes que agora, parecia que já estava treinado a se suprimir em si mesmo. Os cortes causados pelo impacto, agora em carne viva, cortavam a pele com brutalidade, e talvez a morte uma opção menos dolorosa, pelo menos no limbo poderia ser quem quisesse.

Mas já sobreviveu antes, poderia sobreviver de novo. Repetia esse "mantra" para se manter firme.

Pensava em seus irmãos, como eles precisavam da sua força naquele momento.

Não os deixaria sozinhos, principalmente por conta daquele monstro que chamavam de mãe.

Iria protegê-los dela, nem que fosse preciso ir ao inferno e voltar para isso.

Ele não permitiria que lhes fosse encostado um dedo sequer.

Sentiu novamente a madeira estalando contra a sua carne. A dor era tanta que perdeu o controle, não conseguindo conter um grito. Se arrependeu no mesmo segundo.

"Não solte um pio para não acordá-los. Caso contrário, será pior." A mãe havia dito.

Seria pior, e foi. As batidas começaram a se chocar tão forte contra sua pele que imagens começaram e se formar em sua cabeça, silhuetas distorcidas, coisas sem forma,

"Por favor..." Implorou. "Eu não aguento mais"

Seu sangue já formava uma poça em volta de seus joelhos.

"Eu também não, mas você tem que aprender a ser um homem de verdade"

Mesmo de olhos fechados, pode sentir que ela levantara o braço novamente para lhe desferir outro golpe.

Porém, este não veio.

"Se afasta da minha filha, Eléonore." A voz grave e desconhecida de um homem preencheu o quarto.

Ele, que parecia uma muralha perto das duas, segurava o pulso da mulher com firmeza.

“O que você está fazendo aqui?” Ela pergunta em um tom urgente, quase desesperado.

“Isso não importa. Você já maltratou demais as crianças.” Ele pega a varinha da mão dela e quebra como se fosse um simples palitinho. “Vou levá-los comigo.”.

“E quem vai cuidar deles? Aquela outra?”  Ela praticamente cospe a última parte.

“Não é da sua conta. Não mais.” Ela tenta se desvencilhar da mão que apertava seu pulso, em vão.

A criança observava a discussão dos dois com medo. Aquele homem não parecia mau, afinal, tinha impedido que sua mãe continuasse com suas agressões, mas sentia um grande poder vindo dele. Era forte, isso tinha certeza, e não só de força física.

Além disso, percebia a mesma força despertando em suas veias, como se a sua presença tivesse ativado uma parte sua que até então, permanecia adormecida.

Sua mãe tentou chutar o homem, porém caiu no chão.

O olhar lançado para os dois foi de puro ódio. Se arrastou com dificuldade até a parede, usando-a de apoio para se levantar.

Ouviram um barulho vindo do corredor. Alguns passos e então uma voz assustada.

“Mamãe?” Era a garotinha de antes. Provavelmente tinha acordado com o barulho. “O que está acontecendo?”

Pelo ranger do piso de madeira, dava para perceber que ela se aproximava.

“Volta pra cama Lana!” Eleonóre falou um pouco mais alto, tentando ignorar a dor da queda e ir até a porta. “Foi só um rato que apareceu aqui e eu estava tentando matar.” Seu tom doce era doentio.

“Mas...”

Volta pra cama. Agora.” Disse, mais firme.

Depois de ter certeza que a menina tinha ido embora, ela fechou a porta e voltou a encará-los.

“Você não pode tirar os meus filhos de mim.”

“São meus filhos também.”

“Se você chama isso de ser pai, eu peço a Deus que não tenha outros filhos.”

“Você fala como se eu tivesse escolha“ O homem fala, imponente. “Ou como se soubesse ser mãe. Você chama isso — Ele aponta para as costas da filha e depois para o sangue no chão. — De criação? ”

“Ele mereceu isso.” Ela fala, sem um pingo de dó.

ELA É UMA CRIANÇA!” Ele grita.

“EU PARI UM MENINO, E NÃO UMA ABERRAÇÃO!” Ela fala ainda mais alto.

A raiva dos pais se transformou no desespero da criança. Aquele sentimento ruim parecia tomar seu corpo gradativamente. Sua pele toda formigava. Conseguia ouvir seus batimentos cardíacos ecoando, deixando-a surda.

Tudo aconteceu muito rápido. Uma onda de energia escura saiu de seu corpo, como um choque de alta voltagem. Tomou o quarto inteiro. A chama das velas que eram a única fonte de luz no local tremeluziram. Um baque surdo, seguido do barulho inconfundível de vidro quebrando.

Tão rápido quanto surgiu, a escuridão foi embora.

O corpo da mulher estava caído no chão, desacordado,

Cacos do espelho partido se espalhavam ao seu redor, alguns cortando sua pele.

Era uma cena horrível, principalmente para uma criança de doze anos.

Ela se afastou, assustada, tropeçando nos próprios pés.

“O que foi que eu fiz?” Algumas lágrimas brotavam em seus olhos.

O homem foi até o corpo, o pegou do chão e, no segundo seguinte, o corpo e o sangue tinham desaparecido.

Depois, virou para a garota encolhida no chão e se aproximou.

“Eu posso cuidar dos cortes?” Ela apenas concordou com a cabeça, sem olhar para ele.

Ele se ajoelha para que ficassem na mesma altura, então, com sua magia, começou a fechar os machucados.

“Quem é você?” A menina perguntou, ainda assustada.

“Meu nome é Hades. Sou seu pai.” Ele permanecia concentrado no que fazia.

“Como eu fiz aquilo?” Sua voz ainda tremia pelo esforço de conter o choro.

“Eu sou um deus. Você e seus irmãos herdaram meus poderes. Eles vão se manifestar cada vez mais com o tempo.” Ele respondia de forma carinhosa e paciente, dando o tempo necessário para que ela processasse aquelas informações.

“Por que você nunca apareceu para nos visitar em todos esses anos?”

Uma sensação de total alívio indica que todos os cortes haviam sido fechados.

“Além das minhas obrigações como um deus, sua mãe nunca me deixou conviver com vocês. Eu tentei, muito, mas todas as vezes que vinha visitá-los ela me expulsava. Da última vez, ameaçou matar vocês caso eu aparecesse novamente.” Ele suspirou pesadamente. “Levá-los comigo era a última coisa que eu desejava, pois onde eu vivo não é um lugar bom para crianças. Vocês vão perder a melhor fase de suas vidas num lugar sombrio e doloroso.”

Ela o encarava, ponderando sobre o que aconteceria a seguir. Naquele momento, qualquer lugar era melhor do que aquele. A casa, o vilarejo, as pessoas... tudo transbordava ódio. Sequer sabia o que era uma infância de verdade.

“Se os meus irmãos puderem ser um pouco mais felizes do que eu a partir de agora, não importa. Nem que eu precise desistir da minha vida por eles, eu só não quero que eles sofram mais.”.

Hades deu um sorriso fraco, porém, verdadeiro.

“Se vocês vierem comigo, mesmo não sendo o lugar ideal, eu farei de tudo para que os três sejam felizes.” .

Ela sorriu de volta, sentindo finalmente um pouco de esperança.

“Por que eu nasci no corpo errado?” Disse, encarando o chão. O nó na garganta voltando.

O deus parou por um momento, tentando escolher as palavras que usaria.

“Infelizmente, meu amor, não podemos escolher o corpo que nascemos.” Com o polegar, secou as lágrimas que corriam pelo seu rosto. “Mas... talvez eu possa ajudar.”.

Seus olhos brilharam numa intensidade como nunca antes.

“Pode? ”.

“Você tem que se concentrar em como gostaria que o seu corpo fosse, enquanto segura minha mão. O resto é por minha conta.”.

Assim o fez e, quando percebeu, havia um colar em suas mãos. Era discreto, com uma linda pedra roxa como pingente.

Quando o colocou, seu corpo e suas roupas transformaram-se completamente. Ela pegou um dos maiores pedaços do espelho quebrado que conseguiu e começou a se admirar, com um sorriso enorme no rosto.

“Obrigada pai!” Seu abraço o pegou de surpresa. Afinal, era a primeira vez que abraçava sua filha.

Eles ficam assim por longos minutos, não querendo sair dali nunca mais.

Para ela, era o lugar mais seguro que já esteve em toda a sua vida.

Para ele, era reviver todo amor e carinho de família que há séculos não sentia.

“Agora vamos, temos que cuidar dos seus irmãos.” Ele fala, finalmente se separando dela.

“Hm, seria pedir demais se você apagasse ou mudasse a memória deles? Esses anos com a mãe... foram horríveis. Eles não merecem lembrar de tudo que passaram ou me viram passar... se tiver algum jeito...” Ela pede, completamente sem graça.

Hades coloca a mão sobre seu ombro e sorri.

“Claro que posso. Vai ficar tudo bem, confie em mim.” 

“Lana, Charlie, o papai veio nos buscar.” Ela disse, na porta do quarto dos irmãos.

Com isso, tudo escureceu e eu acordei.


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Notas finais do capítulo

Hi again o/

Espero que tenham gostado do capítulo ♥

Foi ótimo escrevê-lo, principalmente por todo mundo que me ajudou. Eu não seria nada sem vocês.

Mês que vem a fic faz um aninho de vida, olha que maravilha o/, vou fazer uma surpresa pra vocês, aguardem!

É isso, obrigada para quem chegou até aqui, deixe sua estrelinha pra me apoiar ♥

Até o próximo capítulo.



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