Um lar para pertencer escrita por The white witch


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

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 Katan observava toda atziluth - o paraíso - do alto do palácio de Rosiel, gostava de se sentar sob o parapeito da janela de seu quarto e contemplar a beleza etérea do céu. As árvores eram exuberantes, o ar trazia consigo o perfume das flores e os pequenos sinos que foram dependurados na janela davam o toque final ao quadro, era como um sonho, acalmava seu coração. Apesar da aparente paz do lugar, Katan sabia no seu íntimo que o lugar mais sagrado no universo estava completamente corrompido, podre por dentro, escondido sob a superfície da perfeição. Os anjos estavam ansiosos pelo poder e há muito haviam se esquecido das virtudes que compunham um ser celestial, haviam se transformado em seres muito piores que os mais vis demônios. De certa forma, entendia a revolta de Alexiel contra Deus e o céu, apostava que muitos dos seres infernais eram muito mais leais e justos do que a maior parte dos anjos que agora ocupavam o reino de Deus. E o que falar de Deus? postado em seu trono de grandeza, completamente silente e omisso quanto a tudo o que ocorria, mas nada incomodava tanto o ingenuo coração de Katan quanto a dúvida que se abatia sobre ele a respeito de seu mestre.

Rosiel.

O anjo orgânico, o ser mais belo, aquele que tocou o coração de Deus, seu salvador que o retirou da escuridão e da não-existência, que lhe deu um corpo e um lugar para pertencer. Sim, Rosiel significava tudo para Katan e ao pensar nele, seu peito doía, pois sempre teve a sensação de tentar alcançá-lo, mas sua imagem ficava cada vez mais distante e intocável, nunca sabia dizer o que se passava em sua mente e no seu coração. Sempre pensou em Rosiel como aquele que salvaria a todos e tornaria o céu o que ele realmente deveria ser: um lugar sagrado para a adoração do Senhor, um lugar para que as almas pudessem descansar o seu sono eterno, um lugar onde a bondade e a honra reinariam. No entanto, após despertar de seu longo sono - imposto por Alexiel - Rosiel parecia ser outra pessoa, às vezes não conseguia reconhecer seu adorado mestre, sentia a fúria que dominava sua mente turvando seu julgamento, era a única explicação para seus atos, todo o sacrifício daquelas pobres crianças humanas, a obsessão por sua irmã e pelo garoto humano - Setsuna - nada disso fazia sentido para Katan, e o desejo de justificar suas ações em confronto com a realidade o fazia sofrer. Queria acreditar em seu mestre, afinal de contas, não seria nada sem ele, mas não poderia deixar de perceber a crueldade de suas ações. Esses pensamento torturavam Katan e uma sombra passava pelos seus olhos enquanto observava o horizonte.

Em um quarto do grande palácio, Rosiel se esticava preguiçosamente, como um gato, estava deitado sob inúmeros travesseiros e, através do véu que o separava do restante do mundo, era possível vislumbrar seus cabelos longos e macios e sua pele alva e sedosa. Uma beleza que já havia conquistado a atenção de todos que punham seus olhos sobre ele. Rosiel possuía um magnetismo e atração impossíveis de resistir, sua personalidade cruel e obsessiva era mitigada pela delicadeza dos seus traços, o que o tornava ainda mais assustador. Como alguém tão belo podia ser tão terrível?

Rosiel podia.

Naquele instante, o anjo sorria ao pensar em seu lindo grigole, Katan era doce de uma forma quase irritante, adorava provoca-lo, ver o choque em seus olhos e logo após a dor e a confusão. Pobre Katan, condenado a servir e amar Rosiel por toda a eternidade.

Sim, Katan pertencia a ele por direito. Era seu para o que desejasse. Ambos sabiam disso.

Katan estaria ao seu lado para sempre, não importa o que fizesse, o lindo e inocente anjo sempre veria Rosiel como um ser superior e perfeito. Rosiel admitia que gostava de fazer Katan sofrer e de consolá-lo também, de abraça-lo, envolver sua cabeça com seus braços e apertá-lo junto ao peito. Amava se agarrar a ele como um animal, de arranhá-lo, de sentir o cheiro do seu sangue fresco. Sua passividade e servidão o excitavam, ria dos seus modos antiquados e de sua retidão, Rosiel desejava corromper Katan, tomar seu coração puro para si. Rosiel  se esgueirou para fora da suntuosa cama, estava com uma camisa leve de botões, um pouco grande demais para seu corpo esguio, mas o deixava ainda mais sensual, prendeu seus longos cabelos no alto da cabeça, deixando seu longo pescoço à mostra e se dirigiu até a janela. Katan estava de costas e Rosiel pôde contemplar seu lindo corpo, ao contrário de si, Katan possuía um físico muito masculino, seus músculos eram firmes e seus ombros largos, mas sua aparência era suavizada pelos seus cabelos louros e seus olhos azuis e profundos, um mar de sentimentos. Ao perceber sua presença, Katan se virou para encarar Rosiel.

— Já acordou? – como sempre Katan estava preocupado.

— Sim, estou entediado. – Rosiel se espreguiçou, alongando seus braços sobre a cabeça de uma forma completamente felina e sensual.

Rosiel nunca fazia nada de forma despropositada, seduzia como respirava, mas também sabia que não afetava Katan dessa forma. Katan era diferente de todos, não ligava para coisas como aparência, sim, como ele era irritante.

— Você parece preocupado, o que há nessa linda cabecinha? – Rosiel soava irônico e ao se aproximar de Katan o abraçou pela cintura. Sentiu seu corpo se retesar ao seu toque, mas ele não o repeliu. Rosiel então arranhou seu peito com suas longas e afiadas unhas, traçando círculos até seu abdome.

— Estava pensando em Atziluth, no que todos nós nos tornamos.

— Katan, não sei porque ainda te pergunto, você é tão previsível. – Ao dizer isso Rosiel se afastou de Katan com um som de desgosto.

Rosiel notou que por um instante os olhos de Katan se nublaram de dor, ele era sensível quanto a rejeição, justificável quando se pensava em sua origem inferior.

— Me desculpe por não ser complexo. – Katan não disse isso de forma petulante ou amarga, mas como um verdadeiro pedido de desculpas. Como Rosiel podia torturar alguém tão bom? Isso compadecia seu coração e o irritava também.

— Você poderia gritar, se irritar comigo, qualquer coisa! Até parece que não tem sangue nas veias Katan! Será que ainda é um grigole sem emoções? – Ao dizer isso, Rosiel se arrependeu imediatamente, sabia como foi importante para Katan se tornar um ser de carne e osso e como sempre lutou para ser o melhor em tudo que fazia, tudo para provar a importância de sua existência.

— Me desculpe, Rosiel-sama, jamais poderia gritar com você, mesmo que quisesse. – Ao dizer isso, Katan se fechou, seus olhos não expressavam nada, nem dor, nem raiva. Rosiel correu até ele e o agarrou,  cravou suas unhas em suas costas e envolveu seu quadril com as pernas.

— Meu precioso Katan, você me tira do sério. Você me pertence, mas não é completamente meu. O que farei com você seu pequeno demônio? – Surpreendentemente, Katan envolveu Rosiel com os braços, fazendo-o quase desaparecer no seu abraço. Por um instante, Rosiel ficou surpreso, raramente seu servo demonstrava seus sentimentos, pois era muito subserviente para se atrever a qualquer avanço. A sensação foi de conforto, Rosiel sentia o perfume que emanava dos cabelos de Katan e o calor do seu corpo, a força dos seus braços e se sentiu quente e protegido, pois apesar da imponência do anjo, Katan era doce e tocava Rosiel como se fosse algo precioso e delicado. Rosiel amava a sensação.

— Tudo o que eu tenho é seu, só existo por você e se um dia você perecer, pereceremos juntos. - Ao dizer isso Katan afastou o corpo de Rosiel o suficiente para encarar seus olhos, segurou seus ombros com ambas as mão e depositou um leve beijo em sua testa. Agarrou as pernas de Rosiel de forma a sustenta-lo junto a sua cintura enquanto andava e se dirigiu até o quarto onde Rosiel repousava há pouco.

Depositou Rosiel na grande cama de dossel e o pressionou contra a mesma com seu próprio peso, afundando seu rosto contra os longos cabelos de Rosiel. Se levantou o suficiente para olhar diretamente para Rosiel sustentando –se sobre os cotovelos. Rosiel pôde sentir todo o peso da existência de Katan, todas as incertezas do anjo sobre si mesmo, as dúvidas quanto ao seu próprio caráter e merecimento. Pobre Katan, nunca conseguiria perceber a superioridade de seus sentimentos e de sua personalidade, provavelmente era o único anjo que restara cujo coração não havia sido tocado pela maldade e ao ver os olhos de Katam nublados pela tristeza e pela dor, Rosiel se sentiu estranho e deslocado. Não merecia Katan e fazia sua existência miserável, condenaria a alma intocada de Katan por todo o sempre, sabia disso, mas não era altruísta o suficiente para deixa-lo ir. Katan estava envolvido na espiral de ódio e vingança de Rosiel e iria até o fundo junto a si. Como dissera, pereceriam juntos.

Rosiel tocou seu rosto e o envolveu com as mãos em concha, esperava expressar tudo o que sentia pelos seus olhos. O sentimento de posse, a maldade de sua alma, a loucura da sua mente, mas, principalmente, o amor. O amor distorcido e errado que Rosiel nutria por Katan, mas que nunca o impediria de passar por cima deste para atingir seus objetivos. Por outro lado, Katan devolvia o olhar de Rosiel, transmitindo-lhe nada mais que devoção pura, carinho e proteção, Katan ainda nutria a ilusão de salvar Rosiel de si mesmo, ainda que sacrificasse a si mesmo, era um preço baixo a se pagar. Rosiel só desejava levar toda a dor para longe de seus belos olhos.

O silêncio reinava entre os dois, mas isso não os incomodava, o tempo parecia não se aplicar ali. Rosiel jogou os braços ao redor do pescoço de Katan, chamando-o para si, Katan aceitou o convite e, deitando-se ao lado de Rosiel apoiou a cabeça do mesmo no seu peito. Rosiel se encolheu, encaixando-se no corpo de Katan. Rosiel cantarolava uma antiga canção de ninar, sua voz era doce e cadenciada, as pálpebras de Katan vacilavam quase cedendo ao encanto misterioso da canção, por fim o anjo adormeceu.

— Meu precioso Katan, somente por essa noite durma em paz, pois eu velarei por seu sono e expulsarei seus demônios. – Ao dizer isso, Katan inconscientemente esboçou um sorriso e Rosiel se sentiu perdoado ao proteger o servo. Os anjos superiores como Rosiel possuíam poderes agressivos, mas também poderes para a cura e proteção. Rosiel só não sabia que nessa noite, a paz de Katan provinha da sensação de pertencer a algum lugar, do lar que Rosiel representava para ele. E, apesar de Rosiel jamais imaginar que poderia inspirar tal sentimento em alguém, foi atingido por uma estranha sensação, seu corpo foi preenchido por amor e pelo desejo de proteger alguém e, assim, adormeceu junto a Katan. A noite se abatia sobre os dois e por um dia, uma noite, um breve momento, dois anjos sonhavam com a mesma coisa: o lar que cada um representava para o outro, o mais próximo que duas existências tão erradas poderiam conhecer do calor de uma casa, da sensação de pertencer a alguém, a aceitação de seres tão deslocados. Por uma noite só havia Katan e Rosiel.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!



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