Anatomia de um amor imortal escrita por Eduardo Marais


Capítulo 25
Muros são feitos para pular




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700607/chapter/25

 

Sentado no centro do poço, Vladimir se aquecia abraçando os joelhos junto ao peito. Movimentavam-se para frente e para trás, pronunciando alguma frase desconexa como se fosse uma ladainha. Não era uma ladainha: ele estava repetindo o conteúdo do conto O Poço e o Pêndulo.

Dois ciganos grandes entram na cela e despertam surpresa em Vladimir. Por onde haviam entrado? Ele se levanta rapidamente e posiciona-se para o ataque.

— Não há portas! Como entraram? Eu procurei a saída e não a vi!

— Acalme-se, Conde. Nós viemos tirá-lo daqui porque o senhor se perdeu quando deambulava pelo castelo. – o cigano estende a mão. – Venha conosco!

Vladimir levanta o dedo indicador como se fosse explicar algo. Mas como explicar a existência de fossos que não existiam ou velas que derretem e pingam para cima? O mais inteligente era seguir com seus algozes.

Caminhando por um corredor iluminado pela grande quantidade de sol que entrava pelas janelas lá do alto das paredes, Vladimir se deixa conduzir para o andar onde ficavam todos os aposentos. Mas ao chegar no sopé da primeira escadaria daquele salão, o policial para e mostra-se cansado, apoiando-se no corrimão.

— O senhor quer ajuda?

— Preciso apenas de alguns segundos para recuperar. – ele fecha os olhos e começa a controlar sua respiração, usando as técnicas que Kane o havia ensinado. Aos poucos sente que seu corpo se fortalece e consegue até sentir seu sangue irrigar todas as partes de seus músculos. Era uma sensação agradável e tranquilizadora. – Agora, eu estou pronto!

Rápido e imitando os movimentos ensinados pelo pai adotivo, Vladimir não titubeia e torna-se exato no que pretende fazer: desfere um violento golpe contra um dos ciganos, derrubando-o desacordado. Virando-se para o outro cigano, o encontra sem entender o que houve e é naquele momento em que outro golpe violento é oferecido como surpresa do pacote. Por alguns minutos os dois lutam, e mesmo enfraquecido, o policial bem treinado sai exitoso.

Com os dois ciganos fora de combate, Vladimir se aproveita que a claridade do dia tornava tudo real, comum e trata de correr para fora daquela construção. Esgueira-se como se estivesse em campo de treinamento e pula a janela do segundo andar, caindo na lateral do prédio, sobre arbustos. Olha em torno e tudo o que consegue ver à sua frente é a imensidão de uma floresta e ele não hesita em correr para dentro dela.

Naquela mesma tarde, Regina, Killian e o Pe. Tobbar se embrenham pelas passagens secretas subterrâneas daquela construção nas pedras. Com o caminho iluminado por faroletes potentes, eles seguem as instruções do padre e vão descobrindo corredores usados como rotas de fuga em períodos de batalhas.

Atingem um local com vários nichos abandonados, como se fossem celas de uma masmorra. O ambiente frio, escuro e silencioso provoca calafrios nos soldados. Regina capta a presença da morte naquelas paredes de pedras e tem a sensação de conseguir ouvir lamentos vindos daqueles pequenos nichos. Ela para diante de um deles e naquele instante sabe que está realmente ouvindo vozes chorosas presas por séculos, ali.

— Vocês não são mais prisioneiros. Por que ainda estão aqui?

Killian e Tobbar param e olham para trás.

— O que você está fazendo, Regina?

A mulher estende as mãos como se oferecesse algo para quem estava dentro daquele nicho. Fala alguma coisa em um idioma desconhecido e usa o mesmo tom de voz quando cantava para seu filho Johnathon. Ela sorri e continua conversando com alguém e o que acontece depois provoca súbito medo nos dois homens, que se agacham: uma forte névoa luminosa avança sobre Regina e depois vai pelo corredor e passa pelos dois homens, continuando sua fuga e saindo do campo de visão de todos.

— O que foi isso? Fan-fantasmas? – Killian olha na direção para onde a névoa fugira.

— Espero que não. – Tobbar não contém o riso bobo.

— Eles estavam presos ali por séculos. Foram jovens aprisionados, torturados, por proferirem fé adversa a quem governava a região e foram mortos. Não me disseram porque não permitidos sair daqui. – Regina olha os dois homens agachados. – Eu os libertei e farei isso com todos que encontrar nos nichos.

Tobbar se levanta e observa o policial fazer o mesmo. Killian fala:

— Não poderemos perder tempo em cada um dos nichos, Regina, senão, quando atingirmos os andares superiores, já será noite e não teremos seguido o nosso plano.

Killian retoma sua caminhada, sendo seguido pelos companheiros. O padre toca o ombro da mulher e os dois trocam um sorriso cúmplice.

— Você fez bem, menina.

Mais alguns metros adiante, os três invasores atingem outro andar e é nesse espaço que percebem a presença de um grupo de ciganos vigilantes. Os três ajeitam suas máscaras e Killian retira algo de sua mochila, ficando na expectativa da ordem de Regina, que acontece alguns segundos depois.

A lata rola pelo chão e exala em segundos uma quantidade de gás lacrimogêneo, provocando incômodo nos ciganos e correria no local. Sem demora, Regina e seus companheiros avançam e usam suas habilidades militares para deixar seus adversários fora de combate. Arrastam os ciganos para um local fora da cortina de gás.

Enquanto isso, na floresta que rodeava o castelo, Vladimir corria como se possuísse pelo menos seis pares de pernas. Ia usando as mãos para afastar os galhos e abrir espaço para a visibilidade que começava a diminuir com a chegada da noite.

Não se importava com as vezes em que havia caído e levantado-se, para continuar fugindo em busca de sua liberdade. Não pararia de correr. Infelizmente, o destino não pensava assim e toda a esperança de êxito cai pelo precipício, quando Mérida se materializa diante dele.

Ele se choca contra o corpo firme do monstro e cai outra vez.

— Não...não me impeça de...continuar...

— A Condessa acredita que o senhor é o Conde renascido. Então, eu a convencerei de que acredito nisso também. – ela estende a mão para o fugitivo. – Por favor, venha comigo e não se machucará.

Vladimir sorri irônico.

— Não mesmo. – ele se levanta e remeça sua fuga, mas é impedido pelas mãos fortes da criatura, que o atira de volta ao caminho já percorrido.

Por algumas vezes, o ritual é o mesmo: ele foge e é arremessado de ao ponto de partida, até no momento em que ao ser agarrado mais uma vez, vira-se bruscamente e traz uma pequena estaca de madeira conseguida em meio da mata e a crava no olho da criatura. Mérida urra pela dor e esmurra o policial, atingindo o ombro dele.

Ele foge de novo.

No castelo, Regina e seus companheiros encontram mais um grupo de ciganos armados e ferozes na defesa do território. Mas os treinos físicos e coordenados favorecem os policiais. O Padre Tobbar também demonstra habilidade em luta e manuseio das armas não letais. Outro andar superado e avançado.

Quando chegam ao hall principal do prédio, outro grupo de ciganos surge e nova batalha é iniciada. Desta vez, Regina não se furta a usar suas habilidades recém-despertadas, para imobilizar os mercenários. E é nesse momento que Lenine surge caminhando lenta e firmemente. Ele sorri e exibe seus olhos dourados.

— Ousada, querida Regina. Atravessou o oceano em busca de alguém que nunca lhe pertenceu. Minha Condessa está impressionada com você. Mas eu não dou a mínima para isso.

Ele grita e avança contra os três, lutando simultaneamente com eles. Lenine sabia que não seria fácil vencer aqueles teimosos, protegidos pelas habilidades de Regina e pela gana dos dois homens. E a luta segue por longos minutos que se pareciam com séculos arrastados.

Numa vacilada, Killian é atingindo e atirado contra uma das paredes. Choca-se contra ele e cai sem mover-se. Mas Regina e Tobbar continuam seus ataques contra Lenine, que apenas defendia-se e já assumia que sentia respeito pelos seus adversários humanos.

Levantando-se, Killian se recupera do golpe e procura seu equilíbrio, encontrando-o. Depois, engatilha uma das armas e aponta na direção do vampiro magro. Ele atrai a atenção de Lenine pele seu rápido restabelecimento.

— Hora do ronco! – ele grita e neste momento Regina entende o código e agarra o padre, atirando-se no chão com ele.

Killian dispara contra o vampiro, mas Lenine apanha o projétil de borracha no ar. Aperta o objeto na mão e sorri.

— Acha mesmo que sou tão lerdo quando seus humanos que podem ser derrubados por uma bala de borracha, policial?

— Não é bala, imbecil! É um projétil de borracha! E de fato você não é como nós, mas é mil vezes mais estúpido a ponto de segurar um projétil que foi mergulhado em poção paralisadora.

O sorriso de Lenine se desfaz e naquele momento começam as transformações em seu rosto. Ele rosna, urra e fala as mais profundas blasfêmias contra seus adversários.

Killian observa Regina e Tobbar se levantando e afastando-se do vampiro. Ele engatilha a besta com a flecha única e aponta da direção do monstro. Dispara.

— Hasta la vista, baby.

Quando a flecha atinge o peito de Lenine, ele começa a gritar com mais intensidade e transforma-se numa besta completa. Imensa, musculosa e com deformidades animalescas em todo o corpo, exibindo horrendos olhos vermelhos. Ele se contorce e abaixa os olhos para ver suas pernas transformando-se em pedra.

Neste instante, uma névoa brilhante surge vinda de um corredor qualquer e avança na direção do monstro que se debatia contra a mutação. O mostro urra ainda mais e grita:

— Condessa, Mérida, fujam para a prisão!! Agora!!

A névoa entra no corpo dele e aloja-se dentro de Lenine, quando a mudança para pedra domina toda a extensão do corpo dele, criando diante dos expectadores, uma perfeita estátua cinza no centro daquele hall.

Nas mãos de Killian, a besta se dissolve e vira cinza. O policial limpa a mão nos tecidos da roupa.

— Que coisa horrível! – ele corre e abraça Regina, depois cumprimenta o padre. – Vamos procurar Reyninna  e Vlad!

Regina fica em silêncio por longos segundos e depois encara o cunhado.

— Eles não estão aqui. Eu sentia Reyninna, mas não a sinto mais...e não também não sinto a conexão com Vlad. Preciso de mais tempo.

Enquanto isso na floresta, Vladimir chega próximo a um precipício e lá embaixo ouve o forte barulho de água. Sabia que um rio corria poderoso lá e que certamente possuía margens perigosas para quem arriscasse um salto daquela altura. Ao criar alguma forma de fuga imediata, ele se vira para tomar distância e é surpreendido com um impacto contra uma superfície dura e fria: Mérida com o olho recuperado da ferida, mas sujo de sangue.

Sem hesitar, Vladimir corre e salta querendo mergulhar no rio escuro e caudaloso, porém é rapidamente agarrado pelas mãos poderosas de Mérida. Ela o atira com violência contra uma árvore e ele se estatela ali, ouvindo o barulho de ossos se quebrando. Vladimir grita ao perceber que seu braço estava quebrado.

— Chega de gracinhas, Conde! Agora temos de partir! – jogando o homem sobre os ombros, a criatura começa a correr numa velocidade sobre-humana.

Chacolhando-se sobre aquela prisão veloz, Vladimir se sente girando no brinquedo Chapéu Mexicano e começa a vomitar. Depois a velocidade provoca tontura e desmaios seguidos.

No castelo, Regina consegue encontrar o quarto onde Vladimir dormia. Tudo limpo, organizado e inundado pelo cheiro dele. Tudo ali havia sido tocado por ele, como se estivesse marcando seu território. Ela sorri e vai acariciar o lençol da cama, como se estivesse tocando a pele nua do marido.

— Eu vou salvar você, meu amado. Tenha fé! – ela se senta ali e concentra-se, roubando o máximo de informações contidas ali, mas nenhuma delas falava sobre alguma prisão. Decepcionada, ela encara os dois homens. - A que prisão ele se referia?

— Reyninna nunca lhe contou a história dela? Ela foi casada com um general e ele poderia ter alguma prisão para onde mandava seus prisioneiros de guerra.

— Ela me disse que foi responsável pelo suicídio do marido, mas nunca se aprofundou na história. Temos de descobrir uma maneira de saber sobre essa tal prisão. – Regina se levanta da cama e vai vasculhar as gavetas de um móvel ao lado.

Killian se aproxima e sorri malicioso. Toca o ombro da cunhada.

— Você libertou várias névoas que viviam neste castelo, sabe-se lá por quanto tempo. Ninguém mais do que essas névoas para conhecer a verdadeira história da Condessa. Convoque-as e as interrogue.

A porta do quarto é aberta e um grupo de ciganos aparece. Em seus rostos, expressões de horror. Certamente havia visto em que Lenine tinha se transformado.

— Nossa busca não engloba vocês. Nossos adversários são os vampiros e irão pagar pelo que fizeram ao meu irmão. – Killian começa a falar em romeno. – Não nos obrigue a usar nossas habilidades de bruxos contra vocês.

— Deixe-nos seguir nosso caminho e não atrapalharemos sua busca. Mas não contem com a nossa ajuda! – responde um dos ciganos.

— Sigam seu caminho, porém, não hesitarei em disparar contra quem me impedir de resgatar meu irmão!

O grupo sai rapidamente dali. Tobbar e Regina se entreolham.

— Velhos amigos. – o policial pisca um dos olhos.

Regina toma coragem e busca forças dentro de sua alma. Segura a mão de Killian e decide seguir a sugestão dele: iria conversar com alguns dos espectros luminosos libertados naquela jornada. E era algo que ela deveria fazer sozinha.

Mais de duas horas depois, quando ela retorna ao quarto, encontra Killian deitado na cama e o padre Tobbar folheando um livro grande e velho. Os dois homens encaram a policial e encontram uma expressão de tristeza nos traços bonitos dela.

— O que houve? – Killian salta da cama e abraça a amiga. – O que eles contaram?

— Eu chorei bastante com as histórias e captei tristeza deles. – Regina sorri. – Reyninna foi presa e condenada à morte, acusada de traição do Conde. E foi nessa prisão que ela conheceu Lenine e sofreu a conversão.

— A prisão, Regina, fica onde?

— Talhada nas pedras dos Montes Cárpatos. E é para lá que nós iremos. – ela funga e enxuga os olhos. Encara o padre. – O senhor deverá nos levar até lá.

— Eu os levarei, mas não quero entrar ali. A prisão de pedras guardou os mais vis criminosos e eles não saíram vivos de lá. As histórias são inúmeras e agora sabendo que Reyninna frequenta aquele covil, posso imaginar com o que irão lidar.

— Você rouba bancos e comanda sua paróquia com dinheiro sujo, mantém armamento pesado em sua igreja, cara. Está me dizendo que alguns fantasmas ou vampiros o assustam mais do que a polícia romena e o que eles poderão fazer com você, caso seja preso?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anatomia de um amor imortal" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.