Anatomia de um amor imortal escrita por Eduardo Marais


Capítulo 20
Embate de peito aberto




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Era noite e a movimentação daquele turno estava apenas começando. O número de trabalhadores não era o mesmo que nos turnos diurno e vespertino, mas sempre havia profissionais naquela área.

Misturado aos trabalhadores oficiais do local, alguns informantes infiltrados transitavam na região aonde chegaria o contêiner esperado por Kane. E exatamente no horário marcado, uma caminhonete estaciona num ponto próximo ao descarregamento. Alguns homens providenciam a colocação daquele contêiner em sua carroceria e fazem o trabalho mais rápido do que o habitual.

Afastam-se alguns metros para a saída das docas, quando são rapidamente interrompidos pela chegada de dois carros menores e alguns homens armados. Não havia como reagir de outra forma que não fosse a rendição.

Junto aos homens que estavam na caminhonete, a figura esguia e elegante de Lenine surge imponente e veloz, começando a atacar os informantes armados. Tudo precisava terminar logo para retornar para sua Condessa e resolver a saída daquele país, mas algo atrapalha os seus planos para aquela noite: a presença de Regina entre os invasores.

— Não quero machucar você, menina. Eu a respeito por ter o mesmo sangue que minha Condessa. Portanto, saia da frente e esqueça-se do que viu aqui.

Regina movimenta as mãos e Lenine consegue ver um estranho brilho azulado nos dedos dela. Era o perigoso sinal de que ela havia sido despertada por alguma outra habilidosa e que naquelas mãos havia algo maior que as forças que ele possuía. Ele corre e é perseguido por Regina até um galpão cheio de caixas.

— Eu quero meu homem de volta.

— Saia da frente e não ferirei policial algum...- Lenine ia falar mais, porém, uma onda de choque surge vinda de algum ponto desconhecido, acerta-o em cheio no peito e o atira na direção oposta, fazendo-o estatelar-se sobre algumas caixas.

Ele se levanta veloz, mas é novamente atingindo e jogado contra uma coluna metálica, entortando-a com o impacto. Quando ia se levantando, Lenine sente a força de dedos invisíveis prenderem seu pescoço e começarem a apertar sua carne, imobilizando-o.

— Onde está Vlad?

Com o rosto transfigurado pela agonia, Lenine exibe os colmilhos gigantes e arregala os olhos dourados, não tendo forças para livrar-se daquela prisão. Ele rosna como se fosse um leão.

Surgindo correndo, Killian se aproxima da criatura horrenda e finca um cravo fino em seu ombro. Algo envenenado por algo que poderia ser criado apenas por criaturas com as habilidades de Regina. Lenine rosna, urra e desfalece.

Ao abrir os olhos, Lenine se desespera porque identifica o local onde está preso. Estava deitado na escadaria de um altar religioso, um local sagrado para criaturas como ele. Em sua volta, Kane e seus soldados mais próximos, além de um homem usando roupas escuras.

— O que vocês fizeram comigo? – ele sente o calor emanado pelo altar começar a chegar à sua pele.

— O que entrou em seu organismo é algo simples, manipulado por alquimistas para provocar paralisia. – Regina fala suavemente. – Nós apenas gostaríamos de saber onde está Vlad.

Lenine observa o homem de roupas escuras, apanhar uma taça que estava sobre o altar e aproximar-se dele. Desespera ao sentir ainda mais calor. Tudo o que estava sobre aquele altar iria provocar queimaduras profundas, caso entrassem em contato com sua pele. Ele era um profano e não suportaria as dores dos objetos sagrados sobre seu corpo.

— Onde está Vlad? Onde estão Reyninna e Mérida? Vai mesmo colocar em risco sua existência pela felicidade de sua Condessa? – Regina acaricia os cabelos de Lenine rejuvenescido.

— Você sabe que sua morte provocará a morte de Reyninna? - Kane se faz ouvir.

— Lamento decepcioná-los, mas eu não pude completar a transformação de minha única criatura. Não estamos ligados pelo sangue e nem pela escravidão. – ele gargalha.

— Não me refiro a isso, meu querido. Mas me refiro à falta da terra natal, que não será entregue para que ela possa dormir e repor suas forças, caso você morra aqui.

O coração de Lenine volta a bater dentro de seu peito. De fato, sem a terra fresca, as forças de Reyninna não seriam renovadas e a loucura seria iminente. Enlouquecida, ela iria clamar por sangue e atacaria quem estivesse por perto. Acabaria por beber de Vlades e poderia cometer um desatino porque não iria conseguir transformá-lo, mas matá-lo. Matando-o, ela estaria perdida para sempre, mergulhada na demência dos vampiros.

— Ela precisa da terra...vamos negociar! Não por mim, mas pela sanidade dela e pela vida do meu Conde! Preciso levar a terra ou Reyninna entrará no abismo da insanidade dos espectros de sangue e tudo ficará obscuro!

— Explique-se. – Regina se inclina sobre o monstro.

— Minha Condessa precisa renovar as forças ou ficará demente. Ficando demente, ela beberá do Conde e o matará. Ela não tem forças para fazer criaturas! Ela não foi transformada corretamente! Precisam me deixar levar a terra!

Regina, Kane e Killian se entreolham. Ficam preocupados, mas não poderiam demonstrar isso.

O homem desconhecido com roupas escuras inclina a taça sobre o peito de Lenine e despeja água límpida, que provoca imediata queimadura no monstro, que grita e urra, sem conseguir livrar-se das amarras que também incomodavam sua pele. Ele estava atado por tiras consagradas.

— Vamos negociar!!

— Diga-nos onde Vlad está! – Regina grita e é contida por Kane.

— Ele está no mosteiro das pedras!! Aquele lugar é profano até para criaturas como nós! Tudo ali é imundo e promíscuo e o que acontece lá dentro não é dizível! Precisamos levar a terra antes que vença mais um dia!

No começo da noite, a caminhonete levando o contêiner é estacionada na parte de trás do colégio. Lenine desembarca e retira o objeto com as próprias mãos, conduzindo-o para uma entrada, depois de acomodá-lo sobre um carrinho com rodas. Ao seu lado, quatro pessoas uniformizadas o acompanham para o local onde ficaria armazenada a encomenda.

— Preciso avisar Mérida de que a terra está aqui.

— Faça isso. – Regina bate nas costas da criatura.

Lenine estende a mão e pede um celular. Os policiais se entreolham, até que Kane apanha o aparelho e entrega ao monstro. Lenine tecla alguns números e aguarda ser atendido, mas nada acontece. Tenta várias vezes e nenhuma resposta chega até ele.

— O que está havendo?

— Mérida não está respondendo.

— Leve-nos até elas. Agora! – Regina está impaciente e empurra o ombro de Lenine.

Quando entram pelo mosteiro, o silêncio é sepulcral e assustador. Somente o som dos sapatos era ouvido contra o soalho.

— Onde estão todos? – Lenine fala quase sussurrando. Havia desespero em sua voz.

E sua resposta começa a surgir diante de seus olhos, quando se deparam com os corpos de internos atirados nos cantos dos subsolos do mosteiro. Haviam sido sugados e mortos.

— Misericórdia... ela começou a viver a insanidade. – Lenine sobre a boca com a mão.

Kane, Regina e Killian descem correndo os degraus em direção ao subsolo e conseguem arrebentar a porta onde estava Vlad, segundo as coordenadas de Lenine. Tudo estava vazio. Um cômodo abandonado e um corpo de um homem velho caído no chão: era o diretor do mosteiro, reconhecido por Regina. Nenhum sinal da presença de Vladimir, da Condessa e de Mérida. Elas o haviam levado dali.

Parado em pé sob o batente da porta, Lenine observa o cômodo vazio.

— Ela está perdendo a razão e creio que Mérida também. Vejam o que elas fizeram! Estão ensandecidas e animalizadas. – o monstro senta-se no chão e fecha os olhos. – Preciso encontrá-las ou perderei a minha Condessa e o meu Conde.

Regina se ajoelha perto do homem e segura seu queixo.

— Você consegue senti-las?

— Com a quantidade de sangue que consumiram, não será fácil. Elas sabiam que se bebêssemos muito, nossos sentidos ficariam confusos e não nos encontraríamos. Mas precisamos pensar com calma e tempo.

— Tempo é o que não teremos! – grita Killian, sendo contido pelo pai. – Vocês vão confiar nesse cara? Ele é um monstro traiçoeiro e está ludibriando e ganhando tempo para que Reyninna leve meu irmão embora!

— Precisamos confiar nele. – o religioso de roupas escuras fala pela primeira vez. – E ele precisa confiar que não o transformaremos em cinzas.

Lenine engole seco e empertiga-se. Encara Regina e mostra-se cansado.

— Preciso dormir ou não serei útil na busca de meus senhores. – ele aponta para um canto do cômodo. – Preciso dormir.

Momentos depois, naquele dia, os corpos são recolhidos e a policia científica começa seu trabalho para a investigação da chacina no mosteiro. Nem todos os internos tinham sido atacados e desconheciam o ocorrido até a chegada da polícia. Tudo havia acontecido no mais absoluto silêncio, como se fosse algum tipo de ritual.

— Ele tinha pressa em trazer a terra para evitar o incidente e perder o controle sobre Reyninna. Mas precisamos saber se ele fala mesmo a verdade. – Kane toca o ombro de Killian. – Vamos encontrar nosso menino.

— Não quero admitir, mas Emma sabe distinguir quem mente daquele que diz a verdade. Poderíamos trazê-la aqui e pedir que conversasse com Lenine. Tenho certeza de que ele está ganhando tempo para que aquelas duas se afastem de nós.

— Ele não mentiria diante do sagrado. – o religioso discorda.

— Mas ele está atrapalhando nossa busca. Tenham certeza disso!

Todos voltam seus olhos para Regina, que estava calada e pensativa.

— O que sugere, filha?

Regina encara os companheiros. Morde o lábio inferior e tenta sorrir.

— Preciso fazer algo que somente li em livros, quando era muito jovem. Mas é algo que pode custar um preço alto demais.

— E o que seria?

— Sair de mim e buscar pela alma de Vlad. Já que somos ligados pelo amor da alma, minha existência conseguirá encontrar o sopro da vida que está nele, seja onde for.

O religioso nega com a cabeça. É veemente na negativa.

— Você pode não resistir, Regina.

— Mas Reverendo Costa, é a nossa maior chance. Killian pode estar certo quanto ao comportamento de Lenine. Ele jamais se voltaria contra a Condessa, mesmo que ela estivesse enlouquecendo. Ele pode estar sim, nos ludibriando.

— É muito perigoso e você poderá morrer depois.

— Morrerei, mas conseguirei as coordenadas para que vocês matem a criatura e salvem Vlad. – ela sorri para o religioso. – O senhor poderá fazer isso por mim? Minha mãe não fará e tampouco Zelena, mas o senhor poderá ser ajudado por Emma e Dandara. Por favor!

O religioso olha para Kane e espreme os lábios. Depois encara Regina.

— Vamos para minha casa. Lá estaremos mais seguros. Faremos o que precisa ser feito e retornaremos antes do anoitecer e do despertar de Lenine.


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