One - Shots escrita por Mah Rodrigues


Capítulo 1
Leva embora a minha dor




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Decidi escrever para todos entenderem os meus motivos quando o grande dia chegar.
Como pode tudo mudar em um mês? Como pode essa raiva e tristeza caberem dentro de mim?
Eu quero gritar, quero pedir ajuda, mas minha voz não sai. Sei que a culpa não é minha, mas o nojo que estou sentindo parece não se esvair.
Foi no começo de dezembro,dia 4, no meu aniversário de 15 anos. A festa foi maravilhosa, sei o quanto minha mãe batalhou para que tudo fosse perfeito, e foi. O dia que parecia ser um dos melhores da minha vida, se tornou o pior assim que eu cheguei em casa. Minha mãe havia recebido uma ligação da minha tia dizendo que minha avó estava passando mal e ela foi as pressas para o hospital me deixando com o meu padrasto, que estava um pouco bêbado. Fui até o banheiro e resolvi tomar um banho me arrependendo logo depois de ter acabado, pois não havia levado a roupa. Me enrolei na toalha e desejei com todas as minhas forças que ele não estivesse ali, iria sair do banheiro e entrar na porta da frente sem problema nenhum. Assim que sai do banheiro e olhei em direção à sala, percebi que naquele momento, assim como mais tarde, que eu não tinha nem um pouco de sorte. Fechei a porta do meu quarto com vergonha e um pouco assustada pelo olhar que vi no rosto dele ao olhar para mim enquanto conversava com minha mãe ao telefone. Vesti meu pijama e me deitei pronta para dormir, mas quando estava quase em sono profundo senti a mão dele tampando minha boca e o peso de seu corpo sobre o meu. Era ali que meu inferno havia começado.
Ele repetia a todo momento para eu não gritar enquanto ele tentava tirar as minhas peças de roupa da cintura para baixo com a única mão que tinha livre. Eu tentei me levantar, me debater, o empurrar, mas tudo era em vão, ele me deu um tapa forte que me fez entrar em choque e ficar imóvel. Assim que ele viu seu caminho livre da roupa, ele entrou dentro de mim com toda força, sua mão ainda em minha boca abafava os meus gritos de dores, as lágrimas já tomavam conta do meu rosto, e a dor era tanta que eu achava que iria desmaiar ou até mesmo morrer, era o que eu desejava naquele momento, morrer.
Quando ele finalmente acabou com aquela tortura, eu não conseguia me mover por conta da dor em todo meu corpo, nem parecia que havia tomado banho, pois me sentia a pessoa mais suja do mundo. Aquela noite eu não dormi, em parte pela dor, e também por suas palavras que não saiam da minha mente.
"Se contar a alguém, de adeus a sua mãe."
No dia seguinte não fui a escola e nem ao menos sai do meu quarto, não conseguia andar sem dar um gemido de dor, minha mãe estranhou mas respeitou a minha decisão de ficar deitada.
"Se a senhora soubesse." -pensei.
Passado alguns dias minha mãe já havia começado a estranhar o meu comportamento, eu não comia direito, nao queria conversar e ficava o dia inteiro trancada no quarto, eu não sorria mais. Os abusos não paravam e ele já tinha chegado ao ponto de me abusar mesmo estando sóbrio, ele sempre arrumava um momento, quando minha mãe estava trabalhando, no hospital com a minha avó ou qualquer outro momento em que infelizmente estávamos só. Vó, minha segunda mãe, minha amiga, nem mesmo no dia em que a senhora partiu eu deixei de sofrer, chorava pela dor de te perder e pela dor de estar viva, lembro de ter sentido inveja dela, pois tudo o que eu queria naquele momento era morrer, assim como nos outros, queria me livrar da dor insuportável.
E foi no dia 26 de dezembro que eu pensei que poderia me livrar dela.
Andei até minha mãe ainda sentindo as dores do abuso sofrido no dia do Natal e lhe contei, lhe contei tudo. Ela já estava chorando desde as primeiras palavras que eu havia lhe dito e quando finalmente cheguei ao fim ela me abraçou se repreendendo por não ter notado, por não ter se importado o bastante com o meu comportamento para perguntar o que havia de errado, mas eu não a culpo, eu me afastei para ela não notar, para eu sofrer sozinha, mas não aguentava mais. Ficamos minutos assim, chorando abraçadas, sendo interrompidas pela porta da sala se abrindo. Era ele.
Aconteceu tudo tão rápido em um momento ela estava sentada o encarando com raiva, em outro ela estava em pé aos gritos o batendo, ele tentava segurar seus pulsos para não ser atingido, e foi ai que eu vi meu erro, quando vi ele segurar seus braços a empurrando para que saísse de sua frente, quando vi ele se afastando dela indo em direção a cozinha, quando vi ela indo atrás dele, foi nesse momento que a culpa surgiu dentro de mim, assim como a dor em meu peito quando, em segundos, a faca se instalou em sua barriga e o sangue surgiu em sua volta.
Nunca pensei que poderia sentir tal dor, uma dor maior que a dos abusos, a dor de ver minha mãe caída no chão ensanguentada e balbuciando um "eu te amo" para mim antes de ficar imóvel no chão frio.
"Minha mãe está morta"- pensei- "e a culpa é minha."
Quando voltei a raciocinar percebi que ele estava gritando comigo e assim que ele deu um passo em minha direção, eu juntei forças para correr até o banheiro e o trancar, só passando na sala para pegar o telefone para ligar para polícia. Assim que finalizei a chamada percebi que os socos e chutes na porta haviam parado e não ouvia nenhum outro barulho na casa além do meu choro. Saí do banheiro e vi que ele havia fugido, fui ao meu quarto e peguei esse caderno e uma caneta, logo depois fui até a cozinha e me abaixei ao lado do corpo dela, a dor no peito se intensificando e as lágrimas caindo mais rápido, dei um leve beijo em sua testa e disse:
-Logo serei igual a você, também não sentirei mais dores.
Me apressei até o banheiro e me sentei no chão frio para escrever essa carta para vocês. Saibam que eu os amo muito, não poderia escolher família melhor, mas esse mundo não serve mais para mim, espero que todos me perdoem pelo que vou fazer, mais não aguento mais sofrer. Adeus.
O grande dia chegou.


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