A Teia de Sangue escrita por Artur


Capítulo 4
A Teia de Sangue: Capítulo 04 — Ensaios Sobre a Cegueira


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o segundo capítulo postado hoje... por favor, peço que a opinião de todos vocês seja feita em ambos capítulos! Um singelo agradecimento a todos que comentaram nos dois anteriores, ou pelo menos marcaram presença com uma simples mensagem. Beijos! Este quarto capítulo é o que inicia, de fato, a trama sanguinária da história, por isso, está repleto de muita ação, tensão e suspense, assim como a sequência fatal da lista da morte.



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A Teia de Sangue: Capítulo 04 — Ensaios Sobre a Cegueira

 

 Uma multidão tornava o belíssimo campo esverdeado do clube em uma tonalidade mais escura, sombria e devastadora. O luto era inevitável. Um clima angustiante e triste alastrou-se não só pelos que ali estavam, mas sim por toda a pequena cidade da Carolina do Norte.

Lenços secavam constantemente as lágrimas que surgiam nos rostos dos mais afetados; parentes das vítimas do desastre da noite anterior. Estes nem ao menos tiveram tempo de superar as perdas recentes, afinal, muitos corpos não foram liberados pelo Departamento Médico da cidade, já os que foram carbonizados, ainda precisavam do resultado de um laudo para comprovar legalmente o óbito.

— Ela era tão jovem e bonita... — Uma mulher lamentou em meio aos soluços com uma voz falha e trémula. A desconhecida segurava um retrato em seu peito, provavelmente era mãe de uma das vítimas do acidente.

As fileiras foram lotadas pelos cidadãos de Pretty Lake, todos compartilhando o mesmo sentimento de tristeza com uma pitada de revolta em relação ao descaso da direção da escola para com o acidente, talvez esse seja o principal fator causador da ausência do Diretor Nathan.

Um altar de flores, em jarros e individuais, fora feito em volta de retratos de todas as vítimas do trágico incidente. Muitos dos que ali estavam eram alunos, alguns professores e funcionários da instituição de ensino e, quando a última pessoa curvou-se diante do altar para deixar sua singela flor em homenagem aos mortos, eis que uma mulher elegante surgiu no púlpito no centro do altar.

— Não acredito que não será ele. — George, o professor de história, resmungou com um olhar torto em direção à mulher que ali estava prestes a discursar perante todos. — Claro que Nathan não viria dar satisfações no cerimonial, esses parentes estão loucos para arrancar os dois olhos dele.

— E a pobre da Kelly tem que carregar todo o fardo nas próprias costas. — A professora que estava ao lado de George comentou em relação à secretária geral de Nathan, Kelly Winterwood.

— Bom dia a todos que aqui estão presentes. Sei que o momento não poderia ser o mais triste possível, infelizmente, perdemos muito dos nossos alunos e funcionários queridos. — Kelly começou a pronunciar enquanto segura o microfone fixado no púlpito. — Não poderíamos deixar este trágico acidente passar em branco sem ao menos um memorial ser feito em prol de todos os parentes das vítimas, amigos e companheiros.

— Quem é essa daí? — A pergunta fora feita em um tom de voz baixo por um dos parentes.

— Muitos aqui esperam notícias por parte do Diretor Nathan, contudo, receio que ele ainda está se recuperando do incidente da noite anterior. Por isso, trago algumas palavras que possam reconfortar suas dores.

— Com licença... Kelly, certo?  — Dessa vez foi a voz de Amara Wheeler que ecoou pelo ambiente aberto. A mulher, mais elegante e esbelta que Kelly, estendeu o braço direito enquanto erguia-se e virava-se aos demais parentes que ali estavam. — Acho que você foi mandada por aquele infeliz, concorda? — Amara andeja majestosamente na direção do altar onde Kelly estava, tomando-lhe seu lugar no púlpito.

— Fala sério, o que a mamãe está fazendo? — Amélia Wheeler desaprovou o ato repentino da própria mãe, enquanto olhares curiosos vinham na direção da herdeira dos Wheeler. — Pai, você não pode fazer nada? — A jovem tentou de todas as maneiras impedir que algum escândalo fosse feito.

— Sua mãe sabe o que faz, filha. — Elliot, o patriarca dos Wheeler, respondeu com um tom de voz autoritário e bastante sério, voltando-se para a direção da esposa que já havia se livrado da pobre secretária Kelly.

— Bem, acredito que todos saibam quem eu sou. — Amara começou a proferir com o microfone em mãos. — Minhas duas filhas estudam no Instituo Lancaster aqui de Pretty Lake. Poderíamos colocá-las nas melhores escolas do Estado, mas preferimos que elas estudassem nessa pacata cidade, para que estejam longe da movimentação de Raleigh. Contudo, após o terrível acidente de ontem, percebi o quão desleixada eu fui.

Amara Wheeler forçou uma pausa enquanto olhava para todos que ali estavam sentados.

— Quase perdi minhas duas filhas queridas, e o que o Diretor Nathan faz? Nos manda uma secretária para nos confortar! A polícia diz que a causa do incidente foi um curto em um ar-condicionado, mas quem deveria tomar providências em relação à manutenção e a supervisão desses equipamentos? Nathan, é claro.

O que procedeu a sequência do discurso de Amara foi um quase show de dramatização por parte da Wheeler, que inclusive fora aplaudida e aclamada pelos demais parentes que concordavam com tudo que fora dito pela mulher.

— Os Wheeler sempre buscando atenção... — Ironizou Abby, ao lado de uma árvore do campo. A jovem de cabelos escuros com uma pequena mexa azul estava ao lado de outros companheiros de turma e sobreviventes do desastre.

Celina e Joshua ainda conversavam sem dar atenção para o discurso forçado de Amara. Os dois adolescentes estavam mais afastados de todos, a ruiva ainda com os cabelos molhados enquanto Josh tentava convencê-la do que estava prestes a acontecer.

— Não sei, Josh. Isso é muito estranho, você não pode confiar em qualquer um só porque ele viu outras pessoas que tiveram visões. — Celina confessou com um tom de voz preocupante.

— Celina, você tem que confiar em mim! Aurora deveria estar morta se não fosse você, você impediu a morte dela, e nós deveríamos fazer o mesmo com os demais sobreviventes... o Tommy, a Kara... todos que deveriam morrer no acidente! — Joshua exclamou, cambaleando para trás enquanto fitava Celina com uma expressão angustiante.

— Tudo bem, vamos no reunir hoje à noite, ok? Vou falar com o pessoal e marcar o local. Eles não vão reagir bem com isso, pode ter certeza. — Celina cedeu afastando-se de Joshua enquanto o rapaz assentia com a cabeça e dirigia-se aos demais que prestavam o luto.

O memorial foi marcado pela apresentação da aluna Halley Samuels, a qual fazia pontas em bares e restaurantes com sua delicada melodia. A jovem garota dedicou uma canção a todas as vítimas da explosão do Instituto Lancaster, assim como ela, outros parentes e alunos fizeram suas próprias homenagens até o fim do cerimonial.

Joshua Herdman já estava em casa quando uma chuva forte pairou sobre Pretty Lake, a essa altura, o imenso lago da cidade deve aumentar seu volume em um nível considerado. O jovem sentou-se em uma cadeira, observando, pela janela molhada, o asfalto da rua de sua casa. Não havia ninguém nela, Pretty Lake inteira estava de luto pelas 018 mortes da explosão do Instituto Lancaster.

Herdman não conseguia focar em um único pensamento, a notícia de que algo pode acontecer com qualquer um a qualquer momento o deixa totalmente abalado. Seu olhar estava vazio e distante, as mãos de Josh envolviam as duas pernas do garoto que retornou à realidade quando o barulho do motor de um carro soou na frente de sua casa.

— Mãe. — Joshua sussurrou ao ver uma mulher de cabelos castanhos na altura dos ombros sair do carro de pequeno porte, fugindo da chuva enquanto procurava abrigo na própria casa.

— Josh, querido! — Anne Herdman exclamou avisando-o que estava em casa. — Onde você está?  Trouxe algumas coisas para você. — A enfermeira jogou a bolsa preta no sofá branco enquanto subia as escadas para ir em direção ao quarto de Josh.

— Você voltou tarde. — Joshua ditou assim que Anne adentrou em seu quarto.

— Raleigh estava um caos hoje. — Anne respondeu com um suspiro de exaustão. — Houve uma tentativa de assassinato do Governador do Estado, ele estava discursando em Raleigh quando uma bomba explodiu em um carro. Os hospitais estão todos lotados de feridos e mortos, só consegui sair do meu plantão agora.

Joshua expressou uma feição de tristeza pelo acontecido, até então não havia ligado a televisão ou sequer entrado na internet, por isso não estava ciente do ocorrido na capital da Carolina do Norte.

— Talvez seja por isso que a imprensa não foi ao memorial hoje, bastou uma tentativa de assassinato do Governador para Pretty Lake ser esquecida. — Joshua proferiu com desdenho.

— Ah meu Deus, o memorial! — Anne lamentou ao recordar do evento. — Estive tão ocupada que nem me lembrei, como foi? Muito triste? — A mãe de Joshua ergueu suas sobrancelhas com um olhar de pena direcionado a Josh.

— Mais ou menos, tinha muita gente chorando. — Joshua respondeu, deitando-se em sua cama. — O que você disse que trouxe para mim mesmo?

— Ah sim, aqui está. — Anne Herdman retirou do bolso um cordão dourado dando-o ao único filho. — Você se lembra daquele cordão que eu e seu pai te demos quando ainda era uma criancinha? Encontrei ele esses dias no seu quarto, acabei levando à joalheria para aumentar o cordão, acho que agora cabe em seu pescoço.

Joshua sorriu com um misto de lembranças boas e ruins, agradeceu a mãe enquanto o colocou na gaveta de sua cômoda. Anne se retirou do quarto do jovem, partindo em direção ao banheiro, pretendia tomar um belo banho que expulsasse seu cansaço.

Josh observou o cordão dourado por mais alguns minutos, fechando a gaveta quando ouviu um som de notificação de seu celular. Herdman recebera uma mensagem de texto de Celina Prescott, deixando-o apreensivo e ansioso.

‘’ Consegui falar com alguns depois do cerimonial, marcamos amanhã um almoço às 12:30 no restaurante Cipriani. Não sei se todos irão, mas de qualquer forma fiz o que você pediu. ‘’

Joshua sorriu ao perceber que Celina estava disposta a continuar e a entender o que estava acontecendo com todos os sobreviventes da explosão. Josh largou o celular na cama, encostando sua cabeça no travesseiro enquanto fitava o teto escuro de seu quarto.

A madrugada perdurou, e Josh ainda estava acordado. Anne Herdman  percebeu a insônia do filho adentrando em seu quarto sentando-se à beira da cama de Joshua.

— Sem sono, Josh? — A mãe do garoto perguntou com um tom de voz carinhoso.

— Um pouco. — O garoto respondeu, apático.

— Você tem medo de fechar seus olhos, não é? — Anne surpreende Joshua ditando tais palavras. A enfermeira de cabelos castanhos acariciou a perna do jovem enquanto o olhava com uma expressão amistosa. — Tem medo de ter uma outra visão?

Um silêncio estranho e angustiante surgiu entre mãe e filho. Joshua e Anne se entreolhavam por longos segundos, até que o jovem garoto por fim respondeu:

— Tenho medo de abri-los. — A resposta de Josh fez Anne franzir o cenho sem entender o que de fato o filho quis dizer.

— Como assim, filho?

— Tenho medo de abrir meus olhos, e perceber que tudo está acontecendo novamente, está se repetindo como na explosão da escola.  — Joshua explicou desviando o olhar para o teto de seu quarto mais uma vez. — Ninguém sabe como é sentir isso.

Os olhos de Anne já lacrimejavam ao perceber a situação em que seu filho se encontrava. A enfermeira tentava pensar em algo carinhoso e gentil ao filho, mas simplesmente não conseguia proferir nada. Anne engole em seco retirando-se do quarto de Josh, deixando-o sozinho em seus pensamentos confusos.

Emma Morris se despedia do pai na frente de sua casa razoavelmente grande, a qual se localizava bem distante da cidade e próxima ao lago que dá jus ao nome da msma. A adolescente de longos cabelos dourados que atingiam a cintura gesticulava um tchau com as mãos e um semblante simpático, entrando na própria casa assim que ouvira os passos de sua mãe.

— Mãe, você vai trabalhar hoje? — A voz de Emma ecoou pela entrada da residência.

— Sim, estou indo agora mesmo. — A mãe de Emma respondeu surgindo na porta onde Emma estava ancorada. — Você havia me dito que iria se encontrar com seus amigos no restaurante, certo? 

— É... no almoço. — Emma respondeu, despedindo-se da mãe com um beijo no rosto. — Vou usar o seu carro, faz um ano que tirei minha carteira e ainda não o usei mais de duas vezes.

— Só tenha cuidado, certo? Agora vou indo, seu pai deve estar impaciente. — A mulher despediu-se entrando no automóvel do pai de Emma, partindo ambos para seus respectivos trabalhos.

Emma bufou de tédio ao entrar na própria residência. Ligou o celular e discou o mesmo número pela sétima vez e, novamente, ninguém atendia.

— Não tente me evitar, George. — Pensou em voz alta. — Não sou de desistir tão facilmente.

Morris tentava conversar com o professor de história, o mesmo que tivera um caso no ano passado, mas que agora tentava se afastar gradativamente da aluna, afinal, seu emprego estava em risco. Ao contrário de Emma, George ainda dormia de bruços em sua cama, descansando depois de um dia cansativo, contudo, a oitava ligação de Emma Morris o fez acordar com um humor nada amigável.

— Por favor, Emma. Pare de me ligar! — Bradou exaltado ao atender, enfim, a chamada da adolescente. — Não temos mais nada, apenas me deixe em paz! — George desliga o aparelho jogando-o na mesa ao lado de sua cama, tornando a dormir na sequência.

Emma não gostou do que acabara de escutar. As palavras frias de George atingiram em cheio os sentimentos da jovem adolescente. A loira sentiu uma revolta incomum eclodir dentro de si. Desde o ano passado, após uma sequência de flertes, Emma mantivera um relacionamento às escondidas com George, passando — ironicamente — em história com notas altíssimas para o padrão de Emma Morris. A partir disso, as desconfianças acerca da inteligência da garota surgiram perante seus colegas de turma, Emma percebeu que poderia fazer o mesmo com os demais professores das outras matérias, e conseguiu, sendo aprovada de ano contrariando as apostas feitas pelos companheiros de sala.

— Desgraçado. — Emma resmungou trincando os dentes. A loira caminhou na direção do próprio quarto, abrindo o guarda-roupa enquanto procurava a melhor opção para vestir no dia em especial.

Tommy e Kara foram os primeiros que chegaram ao restaurante Cipriani, o local marcado por Celina na noite anterior. Os namorados sentaram-se em uma mesa ao lado da vidraçaria frontal do restaurante — o mais requintado de Pretty Lake, por sinal — enquanto faziam carícias de amor entre si.

— Com licença. — Um dos garçons de Cipriani surgiu com um cardápio na mão direita. — Gostariam de fazer o pedido agora?

— Ainda não, estamos esperando outras pessoas. — Tommy respondeu, voltando-se para Kara enquanto o garçom deixava o cardápio em cima da mesa do casal, retirando-se na sequência. — A Celina contou o motivo dessa reunião a você?

— Não, ela só falou que era importante. — Kara repassava o batom vermelho enquanto segurava um espelho mediano com a outra mão. — Espero que seja, deixei de ir à inauguração do prédio supervisionado pelos meus pais.

Tommy deixou escapar um sorriso irônico enquanto Kara Hart lançava um olhar que questionava as atitudes do rapaz.

— Nós dois sabemos que você odeia essas coisas. — Tommy explicou, fazendo Kara dar de ombros. O casal logo percebe a presença de Abby e Amélia assim como a vinda — ainda na parte exterior do restaurante — de Celina e Joshua.

Quase todos estavam presentes no horário combinado. Joshua e Celina cumprimentaram a todos, o mesmo se repete com Abby e Amélia, sentando todos nas cadeiras restantes da mesa que Tommy e Kara arranjaram.

— A Aurora não vem, Amélia? — Celina indagou recebendo um sinal negativo realizado com a cabeça. Já era de se esperar, mas Celina não se importou com a ausência da loira. — Então, acho que seremos apenas nós.

— Não tão rápido, ruivinha. — A voz cínica de Scott Summerfield ecoou pelo restaurante. O atleta do time de basebol do Instituto Lancaster surgiu sentando-se na ponta da mesa, cumprimentando Tommy com um aperto firme de mãos. — Aquela ali também veio é? Estou começando a ficar curioso.

Scott referia-se à Abby, a qual revira os dois olhos ao notar a presença do loiro.

— Bem, pedi para Celina chamar todos vocês porque tenho algo sério a contar. — Joshua começou. — Sei que pode parecer loucura no início, mas peço que tentem acreditar, por favor! As nossas vidas podem estar em perigo.

— Começou com a maluquice... — Scott Summerfield murmurou.

— Isso de novo, Joshua? Você teve outra visão, é isso? — Perguntou Tommy, retirando o braço esquerdo que envolvia Kara.

— Não... — Josh respondeu com um tom de voz baixo. — Conheci um homem, o agente funerário da cidade. Não sei o que ele faz em Pretty Lake, mas deve haver algum motivo. Estava pesquisando sobre a visão que tive, encontrei notícias sobre outras pessoas que escaparam da morte por meio de premonições, mas acabaram morrendo em acidentes aleatórios dias depois.

— Não estou gostando nenhum pouco do que ele está falando. — Abby cochichou ao lado de Amélia, uma sensação estranha tomou conta da morena.

— Esse agente, o Willian, estava presente no recolhimento de todos os corpos. De alguma forma, ele sabe de tudo que está para acontecer conosco. — Josh continuou, com suas mãos trémulas.

— Pode ir parando ai, esquisitão. — Scott interrompeu Joshua. — Você quer dizer que nós vamos morrer de alguma maneira, é isso? — O loiro retrucou, sem acreditar nas palavras de Josh que apenas assente com a cabeça.

— Tudo bem, não acreditei na sua visão no dia da explosão, mas depois queimei minha língua, tudo bem, mas agora é impossível não acreditar que você está precisando de um psicólogo. — Kara Hart mostrou-se contrariada ao que fora dito por Joshua.

— Escutem, o cara da funerária disse que a morte irá refazer a lista, a morte irá buscar todos que deveriam morrer no acidente, mas sobreviveram por conta da premonição. — Celina entrou na discussão, informando algo que Josh contara no dia anterior.

— Isso... isso pode ser verdade. — Amélia completou com o olhar distante. A filha dos Wheeler olhou de relance para todos que estava na mesa e esperavam a continuação da fala da jovem. — Minha irmã... Aurora me contou que quase morreu afogada ontem, se não fosse pela Celina ela estaria morta agora. Meus pais deixaram-na de repouso, acha que passou por muitos traumas, por isso ela não veio.

— Você está acreditando no que o Joshua disse? Acha que a morte veio buscar sua irmã? Bom, pelo visto ela não está morta, certo? — Kara retrucou, um tanto irônica.

— Isso mesmo! Vocês não entendem? Celina salvou Aurora e interrompeu os planos da morte, é por isso que reuni vocês aqui. Precisamos agir em conjunto, evitar que mais mortes aconteçam e impedir novamente essa lista que nós estamos inclusos. — Joshua exclamou, mais nervoso e impaciente com a teimosia dos amigos. — Vocês precisam acreditar!

— Josh... — Tommy sibilou o nome do companheiro. — Você sabe que somos amigos de longa data e que te respeito muito. Mas isso que você está dizendo é bobagem. Não pode acreditar em um desconhecido, e em relação à Aurora... coincidências acontecem o tempo todo.

O adolescente ergueu-se da mesa juntamente à Kara. Ambos deram as mãos e se retiraram do local. Scott hesitou por alguns segundos, mas logo acompanhou o casal. Joshua ficara completamente abalado com a descrença dos três, contudo, Celina ainda permanecia ao lado do amigo, assim como Abby e Amélia.

— Sei que é difícil, mas nós acreditamos em você, Josh. — Celina tentou amenizar a situação, no entanto, sentia certas dúvidas a respeito de tudo que Joshua tentava alertar.

Amélia Wheeler permaneceu estagnada, tivera a mesma reação que Josh quando descobriu que a vida de todos está correndo perigo. A jovem de cabelos escuros levou as mãos na testa, passando-as pelos seus cabelos enquanto realizava um suspiro de angustia.

— Vai ficar tudo bem se ficarmos juntos, certo? — Abigail tentou acalmá-la, olhando para Joshua e Celina. — Só precisamos saber quem está prestes a morrer, quando, e como. — A frase da morena soou com certo tom cômico, mas o que Abby dissera era justamente o que deveria ser feito.

— Amélia! Que bom vê-la aqui! — A voz da mãe de Emma Morris soou pelo local. A mulher era gerente do restaurante Cipriani e viera recepcionar os companheiros de turma de Emma. — Como vão todos vocês? Achei que viria uma turma maior.

Um silêncio constrangedor surgiu entre os adolescentes e a mulher, todavia, fora Celina quem quebrou o mesmo ao lançar uma indagação à gerente do restaurante:

— Emma não virá? Tenho certeza que a chamei também.

— Hoje mais cedo ela me disse que viria. Sinceramente, confesso que ou ela se atrasou, ou nem virá por saber que estou trabalhando aqui hoje. — A mulher respondeu, afastando-se do grupo enquanto ia na direção de outros clientes.

Joshua e Celina se entreolharam por longos segundos, como se algo acabasse de ser revelado.

Emma Morris dirigia o carro da própria mãe. Ao contrário do que pensavam, a loira estava indo direto para a casa de George, pretendia tomar satisfações com o professor, bem como garantir o relacionamento de ambos. Do contrário dos demais professores, Emma parecia sentir realmente uma paixão por George, ao ponto de não aceitar ser jogada pra escanteio.

— Ele acha que eu sou de aceitar tudo numa boa... — Emma conversava sozinha enquanto dirigia atentamente. — George Wilkins, você não me conhece de verdade. — A loira retirou o celular do bolso, ainda prestando atenção na estrada.

George Wilkins estava relendo um livro que apreciava intensamente quando recebeu mais uma ligação da adolescente. O professor achou que ela havia desistido por não receber nenhuma chamada nas últimas duas horas, contudo, o pesadelo de George estava apenas começando.

— O que você quer, Emma? Eu já disse que não temos mais nada! — Bradou atendendo ao telefone completamente irritado. Emma riu do outro lado da linha como se estivesse se divertindo com a exaltação de George.

— Você sabe que adoro te ver irritado. — Emma respondeu. — Não pode terminar comigo por telefone, George. Só porque as aulas foram suspensas não quer dizer que você possa me dispensar desse jeito!

— Emma, acabou, terminamos há duas semanas!  Você continuou com seus flertes no mesmo dia da explosão da escola, mas não percebe que eu não quero mais nada com você? — George continuou irritado. — Abra seus olhos, Emma! Eu não quero problemas para mim, acabou!

George encerrou a chamada deixando Emma Morris ainda mais irritada. O professor de história sempre tivera um pavio curto, talvez por conta de sua profissão, mas dessa vez tentava não se descontrolar, tornando a poltrona onde lia Ensaios Sobre a Cegueira, contundo, um vento gélido e forte adentrou na sala pelas duas janelas que estavam abertas.

A brisa, além de movimentar as cortinas da sala de George, passou algumas páginas do livro em questão. George rapidamente fechou as janelas, respirando fundo para nada lhe tirar do sério. O professor de história sentou-se, enfim, na poltrona aconchegante, apunhalando o grosso livro na mão esquerda enquanto levava uma xicara de café, com a direita, até sua boca.

— Vamos ver onde parei... — Sussurrou ao recolocar a xícara no pires ao qual estava em uma pequena mesa ao lado da poltrona. George retrocedeu algumas páginas do livro até retornar na parte que estava lendo antes do vento adentrar no ambiente.

A única luz que George precisava para ler advinha de um pequeno abajur colocado na mesma mesa em que a xícara de café ficara. Contudo, a lâmpada do abajur apagou-se, fazendo uma escuridão encobrir as páginas do livro.

George apertou no botão do abajur, desligando-o e ligando-o dezenas de vezes, sem êxito. O professor de história não teve outra opção a não ser ligar a luz da lâmpada central da sala, iluminando todo o ambiente por completo, e não apenas o livro.

A caminho da casa de George, Emma dirigia completamente revoltada com o ato do professor de história. Suas mãos estavam firmes no volante, escondendo a raiva que estava sentindo naquele momento. Morris acelerou gradativamente após a ligação que tivera com George minutos atrás, a adolescente virou em uma curva à direita deparando-se com um trecho em obras.

E, antes de conseguir conter a velocidade do carro, Emma atinge uma caixa de ferramentas que se espalham ao longo da estrada. Os trabalhadores que estavam presentes na obra daquele pedaço da estrada falaram mal de Emma nos mais variados palavrões, afinal, quase seriam atropelados se não desviassem do carro.

— Desculpa! — A loira abaixou o vidro do motorista para pedir desculpas, tornando a acelerar com o carro, porém passando por cima de uma ferramenta pontiaguda que perfura o pneu dianteiro de Emma.

Emma não percebeu o incidente, continuando com a trajetória apenas no lado direito da estrada por causa das obras do lado esquerdo. A jovem manteve a velocidade quase constante quando sentiu os primeiros sinais que algo de errado estava acontecendo com o carro de sua mãe. O pneu furado turgência em questões de segundos, fazendo Emma rodopiar em círculos antes de capotar três vezes, ultrapassando as margens da estrada e atingindo a linha férrea de Pretty Lake.

O rosto de Emma sangrava intensamente, assim como boa parte da região dos ombros e do abdômen. O carro, capotado, estava de cabeça para baixo, deixando a angustia que tomava conta de Emma Morris ainda mais intensa. A loira consegue se soltar do cinto, olhou para os lados, pretendia gritar pedindo ajuda, mas sua voz saiu falha e sem potência. O impacto foi muito forte, mas Emma consegue se rastejar pela janela — anteriormente com o vidro abaixado — até, enfim, sair do carro capotado, cujo óleo vazado ao longo da parte traseira poderia ocasionar uma explosão a qualquer momento.

— Soco... socorro! — Emma gaguejou, ainda em contato com o solo pedregoso, a loira sentiu uma dor se alastrar pelo seu corpo, provavelmente havia machucado uma das costelas, além da testa que doía intensamente. — Alguém me ajuda!

Emma consegue se erguer apoiando-se na lataria do carro. A adolescente apresentava um fluxo intenso de sangue e, cambaleando para trás um pouco tonta, Emma nem ao menos percebeu que estava na linha férrea do trem que passava por Pretty Lake diariamente.

 Apenas o barulho do extenso e longínquo trem fez Emma perceber que estava perdida; a locomotiva atinge o corpo de Emma, juntamente ao carro capotado, prensando-a na lataria do mesmo enquanto os arrastavam por longos metros. As faíscas do contato entre o trem e os trilhos atingem o óleo vazado do carro que Emma pilotara, ocasionando uma explosão que envolve o carro e, posteriormente, Emma e parte do trem.

Os trabalhadores da obra, próximos de onde Emma fora fatalmente atingida, chegam segundos depois de o trem empalar Emma contra o carro capotado, presenciando a explosão assustados e nervosos.

                                              ...

— Senhorita Morris, me desculpe, queríamos saber se a Emma disse para onde iria caso não comparece ao nosso encontro hoje. — Celina aproximou-se da mãe de Emma assim que a gerente do restaurante Cipriani passou ao lado da ruiva e de seus colegas.

— Sinto muito, mas acho que ela dispensou vocês. — A gerente respondeu retirando-se do local enquanto adentrava em uma sala distante do restaurante.

— Ótimo, ela não atende ao telefone também. — Abby resmungou desligando o próprio celular enquanto voltava-se para Celina, Amélia e Josh. — E agora?

— Se ela não veio, provavelmente está com outra pessoa. — Celina concluiu enquanto Joshua lançara um olhar fuzilante para a ruiva. — O que foi? Tudo mundo sabe disso, vou ligar para ele.

George terminara mais um capítulo do livro que decidiu reler naquela tarde, o professor de história buscava algo que ocupasse seu tempo após o desastre do Instituto Lancaster o deixar temporariamente sem emprego. Contudo, George pretendia manter distância de Emma, pois sabia que o relacionamento de ambos era percebido não só por alunos, mas por professores e funcionários também.

O professor passava calmamente as folhas do livro quando a luz central da sala piscou duas vezes. De início, George não estranhou tal fato, porém, após a lâmpada acender e apagar outras vezes, o professor de história bufou ao perceber que aquela lâmpada também estava prestes queimar.

— Era só o que me faltava... — George murmurou fechando o livro mais uma vez enquanto se lentava da confortante poltrona e se dirigia para outro cômodo, arranjando outra lâmpada e retornando para a sala de estar. Contudo, a lâmpada central da sala tornou a funcionar, deixando George intrigado sobre estar queimada ou não. — Mais uma vez, apenas uma lâmpada frouxa.

George largou a lâmpada nova que havia pegado, dirigindo-se para a luminária central da sala. O professor de história puxa um pequeno banco de madeira, cuja uma de suas quatro pernas estava levemente torta devido a uma má fabricação. George sobe no banco, tocando na lâmpada da luminária girando-a várias vezes até, por fim, achar que a encaixou da maneira correta.

No mesmo instante, o telefone de George toca em seu bolso, o professor, já enfurecido, pensou se tratar de Emma, mas surpreendeu-se ao perceber que se tratava de Celina Prescott, atendando a chamada da aluna.

 — Professor, sei que não gosta quando alunos telefonam para você, mas precisamos saber se o senhor sabe da Emma... ou está com ela.  — Celina perguntou meio sem jeito.  

George se surpreende com a pergunta direta de Celina, o professor ainda estava em cima do banco quando, estranhamente, a lâmpada da sala acendeu mais uma vez, incomodando os olhos de George, que solta um gemido de dor. No entanto, o pior ainda estava para acontecer, a lâmpada acaba recebendo uma leve explosão, partindo-se em diversos pedaços de vidro que atingem o rosto e os olhos de George.

— Droga! — George vociferou um grito de dor, cambaleando para trás enquanto caia do banco e atingia a prateleira onde guardava diversas coisas, dentre livros a troféus. George sentiu os cacos de vidro atravessados em seu rosto, outros, menores, atingiram o olho esquerdo do professor, deixando-o praticamente cego.

— Alô? Professor George? Está tudo bem? — Celina questionava do outro lado da linha, estranhando os gemidos audíveis do professor.

George sentiu a prateleira por detrás de si se mover com o impacto anterior. O professor ergue a cabeça, com as costas encostadas na parte debaixo da prateleira, e apenas observa uma bola de boliche original — a qual havia ganhado como o melhor jogador de boliche no ano passado — despencar da prateleira de madeira e cair bem em cima de seu crânio, esmagando-o parcialmente durante o processo.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam do capítulo? Tentei despistar em algumas partes quem seria a próxima vítima, mas o resultado final foi esse que vocês leram. A causa da última morte desse capítulo foi uma clara referência a uma fala de Scott que está presente no primeiro capítulo, mais sinais como esse irão se tornar constantes. Abraços!



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