Sangue Divino escrita por Marcos Orso


Capítulo 4
Capítulo 3: Os deuses primordiais




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/700439/chapter/4

 

Num universo recém-formado, existiam apenas deuses irmãos, no entanto, dois deles seriam inseparáveis até o inevitável: Nix e Érebo, a noite e a escuridão, irmãos gêmeos que sentiam muito mais que amor de irmãos um pelo outro. Eros atuou de tal forma sobre os dois que, quando já maduros, sem cerimônia qualquer, Érebo tomou a mão da irmã numa paixão avassaladora, já que, sendo entidades indissociáveis, a noite e a escuridão não podiam se não, juntarem-se numa valsa eterna que até os dias de hoje permeiam os céus noturnos: noite e escuridão.

Tártaro, porém, fixou-se nos seus domínios nas partes inferiores do universo e repousou lá por muito tempo, permanecendo quase inativo.

Eros, entretanto, desde a união dos irmãos, iniciara sua influência sobre os seres. Gaia, a Terra, seria sua próxima vítima: a deusa, com sua vontade de uma união, todavia, sem haver com quem entrelaçar-se, pôde dividir-se para dar origem a deuses filhos-irmãos, para com um deles ter uma vida em conjunto.

Eis que a deusa, repetindo os feitos de seu pai, arrancou de si, sua pele, e com ela deu origem a um novo deus primordial: Urano, o céu, aquele que está acima, uma divindade de grandeza infinda e de igual imponência.

Nada obstante, esta foi apenas a primeira de suas cisões. Logo depois, separando mais uma parte sua, deu vida a uma divindade que, assim como Urano, estaria ligada a sua mãe: Ponto, o mar, as profundezas abissais das águas que permeavam a superfície de sua mãe.

Por fim, sem dividir-se, utilizando seu próprio corpo como progenitor, fez emergir os Óreas, as montanhas de todo o mundo, as personificações delas, das quais, cada qual seria uma divindade distinta:

Atos- montanha da Trácia (norte da Grécia).

Cilene - montanha da Arcádia.

Citerão - grupo montanhoso da Beócia (centro da Grécia).

Dicte - montanha da ilha de Creta.

Etna- o vulcão da ilha de Sicília.

Hemo e Ródope - duas montanhas da Trácia.

Hélicon - montanha da Beócia.

Ida- duas montanhas, uma localizada na ilha de Creta e outra na região de Troia.

Nisa - montanha da Beócia.

Olimpo - a montanha mais alta da Grécia, situada na Tessália.

Ótris - montanha em Malis (sul da Tessália).

Parnes - montanha da Beócia.

Parnaso - montanha no centro da Grécia.

Depois do nascimento de Urano, Éros agiu sobre os deuses e fez emergir a paixão entre o céu e a Terra, assim, Urano fez de Gaia sua esposa e tornaram-se os primeiros senhores do universo, pois Gaia, como minha primogênita, herdaria o trono, porém, necessitava de uma figura masculina para apossar-se e poder governá-lo.

          Enquanto Gaia e Urano inauguravam o monopólio do universo, este último assistia o nascer e alvorecer dos filhos de Nix e Érebo: Éter, o ar, a matéria divina, seguido de Hemera, o dia, a resplandecente deusa do amanhecer e as Hespérides, as três deusas do entardecer: Egle, a radiante, deusa da luz avermelhada da tarde; Erítia, a esplendorosa, deusa do esplendor da tarde; e Héspera, a crepuscular, deusa do crepúsculo vespertino. Essas quatro últimas deusas compunham o mesmo séquito que traria o dia para os domínios de Gaia enquanto Nix encerraria o ciclo trazendo a noite.

          A partir do nascimento das divindades do dia, Nix viu-se obrigada a realizar aquele mesmo ciclo diariamente, sem nunca poder permanecer junta de Hemera, sua mais querida filha, assim como todos os demais filhos.

          Nix, juntamente de Érebo e suas filhas instalaram-se no Tártaro e dia após dia, enquanto a mãe saia de sua morada para percorrer o mundo com seu manto escuro, suas filhas vinham repousar, restando-lhes apenas um entrelaço de olhos imitando cumprimentos, ocorrendo a cada chegada e partida.

          Enquanto só, no Tártaro, a deusa noturna, de seu manto negro e obscuro, pariu novos deuses e muitas entidades abstratas numa explosão de nascimentos incessantes que não demandaram seu consorte para realizá-las, ou seja, assim como Gaia, pôde dar a luz sozinha a seus inúmeros e ininterruptos partos simultâneos.

          De início, surgiu Moros, o deus do destino, da sorte, uma divindade com aparência velha que portava um cajado de madeira com a sua ponta imitando raízes entrelaçadas como que segundo algo que não estava lá. Moros usava-o para ficar de ereto, parecendo não poder andar sem o auxílio daquele sinistro báculo.

De início, surgiu Moros, o deus do destino, da sorte, uma divindade com aparência velha que portava um cajado de madeira com a sua ponta imitando raízes entrelaçadas como que segundo algo que não estava lá. Moros usava-o para ficar de ereto, parecendo não poder andar sem o auxílio daquele sinistro báculo.

           As Queres vieram depois, todas juntas, aquelas entidades malévolas que traziam a morte, a morte violenta, cruel, fatal, num tempo indevido, o assassinato. Eram oito no total: Anaplekte, a personificação da morte rápida, súbita, inesperada; Akhlys, a névoa da morte, o gás mortal que encobre assassinatos e mancha de sangue o ar puro; Nosos, a doença fatal que mata lentamente causando angústia e desespero; Ker, a personificação da destruição, muitas vezes relacionada aos genocídios; Stygere, o ódio que devora por dentro e destrói; Hybris, o orgulho excessivo que cega e corrói como ácido; Limos, a fome, o apetite insaciável por comida, a própria gula; e Poinê, o castigo, a penitência.

          Não obstante, Tânato e Hipnos surgiram das entranhas de sua mãe, gêmeos e contrastes um do outro: Tânato, o deus da morte, todavia, diferente de suas irmãs, as Queres, ele era o deus da morte calma e no seu devido tempo. Já Hipnos, o deus do sono e da sonolência, mas nunca do cansaço ou da fadiga.

          Surgiram então, as deusas do destino, as Moiras, as arcaicas senhoras de cabelos brancos e pele enrugada, tão poderosas quanto Moros, subjulgando a vontade de qualquer divindade ou mortal. Eram três e compunham uma comitiva macabra que, junto de Moros, Kéres, Tânato e outros futuros deuses, encarregavam-se do destino de tudo e todos. Cloto, pondo uma mão sobre a outra e puxando com as pontas dos dedos fabricava, como uma aranha, um fio prateado, era a que trazia a vida os novos seres. Láquesis, com sua funesta roda do destino, traçava o caminho que o fio de prata percorreria, era a deusa de dava o destino das coisas, junto de seu irmão, Moros. Por último, Átropos, com sua tesoura de cobre, cortava o fio reluzente, encerrando a vida. Ela era ajudada por seu irmão Tânatos e pelas Queres, dependendo do tipo que morte que deveria ocorrer.

          Com enormes asas brancas, emergiu Nêmesis, a deusa da vingança divina, da retribuição, portadora de uma beleza invejável entra todas as deusas. Semelhantemente, após o nascimento de Nêmesis, veio Éris, a deusa da discórdia, do desentendimento que leva à disputa. Era desprezada por muitos por causa de seus atributos que trazem a desordem e às brigas.

          Momo surgiu depois, a primeira dos Daemones (depois de suas irmãs, as Queres, que pertencem a mesma classe de deidades), entidades abstratas que se apresentavam sempre como personificações, sendo ela a personificação da ironia e do sarcasmo, encontrando-se, desde seu nascimento, como uma das entidades mais odiadas pelos deuses desta e das gerações conseguintes devido a seus hábitos inconvenientes e a sua franqueza extrema.

          Nomeiam-se, então, todos os Daimones nascidos de Nix após o surgimento de Momo:

Oizus, a deusa que personificava a angústia, miséria e a tristeza.

Apáte, personificação da fraude, do engano.

Pseudologos, personificação das mentiras e da falsidade.

Filotes, a personificação da amizade, do carinho e da ternura.

Geras, a personificação da velhice, parceiro e prelúdio inevitável de Tânato, a morte.

Adefagia, personificação da gula, da fartura no lar.

Adicia, personificação da injustiça, companheira de Disnomia, a desordem.

Aergia, personificação da preguiça e da indolência, possuía uma capa feita de teias de aranha que recobria suas costas por completo.

Hesiquia, a quietude, o silêncio.

Agon, personificação dos desafios e disputas solenes, sempre levava consigo dois halteres para onde fosse e andava nu para que todos pudessem observar os traços de seu corpo atlético.

Aedos, personificação da vergonha e do pudor.

Alastor, personificação da punição contra a descendência daqueles que cometeram crimes contra a família.

Aporia, personificação da impotência, da dificuldade, do desamparo e da falta de meios, era companheira de Penia, a pobreza, e Ptoqueia, a mendicidade.

Anaideia, personificaçãoda crueldade, o despudor, e do imperdoável.

Eleos, a personificação da piedade, da caridade e da misericórdia.

Cacia, a personificação do vício e da imoralidade. Era sempre vista com muita maquiagem em seu rosto e com roupas provocantes apesar de ser gorda e de aparência horrenda.

Caronte e Corante, os irmãos gêmeos que iriam encarregar-se de resguardar o submundo para além do rio Aqueronte na sua barcaça macabra.

Coalemos, a personificação da estupidez e da insensatez.

Diceosine, a personificação da moral, da conduta justa e correta.

Dólos, a personificação do ardil, da fraude, do engano, da astúcia, das malícias, das artimanhas e das más ações.

Ecequeria, a personificação da trégua e o cessar das hostilidades.

Eleuteria, a personificação da liberdade.

Élpis, a deusa personificava a esperança.

Eusébia, a personificação da piedade, da lealdade e o respeito filial.

Ftono, a personificação e o deus dos ciúmes e da inveja.

Hybris, a personificação da insolência, da violência, do orgulho imprudente e da arrogância.

Mania, a personificação da loucura, da demência, da insanidade e do frenesi sagrado.

Sofrósine, a personificação da moderação, da discrição e do autocontrole.

Muitos dos filhos de Nix eram forças ou entidades da natureza que muitas vezes não podiam ser controladas. A maior parte de seus filhos fixou-se no Tártaro, todavia, não junto de sua mãe ou para fazer-lhe companhia, mas sim por serem deuses ctônicos, habitantes do mundo inferior, e devido a natureza perturbadora e sombria de seus poderes.

          As Moiras, Cloto, Láquesis e Átropos, junto de Moros, passaram a coordenar o destino assim que nasceram, pois emergiram de sua mãe, Nix, já com sua natureza madura e totalmente formada, sendo as primeiras, três velhas de pele enrugada, com um ar fúnebre e de aparência medonha que chegavam a exalar a própria morte de si. Já Moros nasceu cego, com os olhos brancos feito leite, com leves círculos azuis imitando várias argolas dentro daquelas opacas esferas misteriosas como a dona do ventre que o deu a vida.

—_Moros, meu filho, seus olhos lhe foram tomados antes que pudesse usá-los, porém, tome este livro, e com ele será um dos deuses mais temidos e respeitados que passarão por esta lúgubre morada de meus filhos, não graças a ele, mas a suas próprias dádivas. – Disse Nix, retirando de suas entranhas um diário antigo de capas feitas de bronze com detalhes lembrando garras de águias rasgando-as, como se houvesse sido usado para defender-se de um monstro de tamanho imensurável. Internamente, suas páginas eram em um tom envelhecido de amarelo amarronzado e cheiravam como se estivesse com a deusa-noite desde seu nascimento.

          Moros, agradecido a sua mãe, apenas retribuiu com um sorriso apoiando-se em seu cajado que era quase de seu próprio tamanho.

          Repentinamente, sentiu-se um brilho fulguroso aproximando-se ao longe, até mesmo Moros pôde sentir, em sua pele, a energia luminosa e incandescente que vinha em sua direção.

          __Está na hora de repousar meu manto sobre Gaia. – Mal terminou de dizer e se despediu de seus filhos num giro súbito que fez com que seu imenso manto negro se levantasse e recobrisse o submundo por completo, espalhando-o por todos os lados como se fosse uma vasta onda destrutiva de escuridão e tormento. Mal atravessou os portões do Tártaro e cruzou com o séquito iluminado de sua filha Hemera acompanhada das irmãs, as Hespérides, que vinham montadas em sua carruagem brilhante puxada por dois enormes tigres de pelagem tão branca que refletia toda a luz que aquele carro de ouro emitia de si. A deusa do dia, porém, ia pairando pelo céu assim como sua mãe, mas o que distinguia as duas era apenas o tamanho de seus mantos, que, diferente de Nix, era pequeno, mas de um brilho tão vasto que apenas não segava sua mãe ao passar por ela por sua escuridão ser caótica, a qual luz alguma podia penetrar.

          Como todas as vezes que mãe e filha encontram-se nos céus, a paisagem beirava a uma visão divinamente bela de contraste capaz de apaixonar qualquer um que a visse. Porém, mãe e filha não poderiam de deixar de sentir emoção maior, sendo estes os poucos segundos que elas podiam contemplar-se e sentir aquele amor de mãe e filha florescer novamente.

          Quando Hemera, seguida do carro com suas irmãs Hespérides, passou pela mãe dos males, entreolharam-se ambas e deixaram saltar um sorriso de felicidade.

          Enquanto Nix, com seu grande manto ia pelos céus, Érebo, seu amante inseparável, dos seus domínios que recebem o mesmo nome do deus, soltava uma alcateia de lobos negros feitos com a escuridão emergida de si mesmo para que eles, agarrando com suas enormes presas, espalhassem o manto soturno da deusa por todos os cantos, não apenas sobre Gaia, mas a todas as partes do universo que antes estavam sendo iluminados parcialmente pela luz das quatro deusas que trazem o dia numa penumbra que agora ficaria tão escuro que, enquanto a carruagem incandescente não cruzasse novamente os céus ninguém haveria que saber o que havia por lá.

          No entanto, Érebo não era o único que dispersava seus domínios para além do Tártaro quando sua esposa-irmã iniciava seus passeios sombrios passando pelo recinto do deus supremo, Urano, mas também, muitos dos Daemones, filhos de Nix, as forças da natureza que personificavam as desgraças saiam para flagelar o universo com seus poderes destrutivos.

          Até os dias atuais os homens possuem medo da escuridão da noite, pois, muitas vezes as sombras noturnas escondem os Daemones e outras entidades tenebrosas.

                                  *         *         *


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sangue Divino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.